A tecnologia da Coronavac, de vírus inativado, aumenta as chances de que essa vacina funcione contra variantes do Sars-CoV-2, como a Ômicron, identificada na África do Sul na semana passada. Isso é o que prevê a vice-diretora do Centro de Desenvolvimento Científico do Instituto Butantan, Maria Carolina Sabbaga. A nova cepa foi motivo de alerta pela Organização Mundial de Saúde (OMS) por causa do alto número de mutações. “Eu diria que a eficácia da Coronavac é a que tem menos chance de ser burlada”, disse Maria Carolina ao Estadão. Ainda serão feitos, porém, testes para testar essa hipótese.
As vacinas que utilizam essa tecnologia são criadas com base no vírus inteiro na sua composição, enquanto os imunizantes de outras tecnologias utilizam apenas a proteína Spike, considerada “a chave do vírus” para entrar no corpo humano. É justamente nessa proteína que 32 das 50 mutações da Ômicron foram identificadas, criando mais chance de haver uma “nova chave”.
Ter mais partes do vírus significa que o corpo que recebeu o imunizante do vírus inativado tem mais conhecimento para identificar a entrada do coronavírus. Isso não significa, no entanto, que as outras vacinas não serão eficazes. Segundo os especialistas, por mais que a nova variante consiga burlar a proteção dos imunizantes, eles devem evitar casos graves da covid-19. “Sabemos que as vacinas provavelmente têm alguma proteção”, afirmou a cientista-chefe da Organização Mundial da Saúde (OMS), Soumya Swaminathan, nesta quarta-feira, 1º.
O Butantan ainda não inciou estudos da Coronavac contra a Ômicron. A fabricante da Coronavac na China, a Sinovac, afirmou nesta semana a um jornal chinês que a empresa iniciou estudos desse tipo. A empresa ressaltou que ainda é cedo para dizer se uma nova vacina vai ser necessária, mas que está pronta para fabricá-la rapidamente. Nesta quarta, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) anunciou ter exigido "para as vacinas autorizadas, que os desenvolvedores monitorem e avaliem o impacto das variantes na eficácia e na efetividade dos imunizantes".
Pfizer, AstraZeneca e Janssen (as outras três fabricantes cujos produtos foram usados na campanha nacional de imunização) já informaram fazer estudos com a Ômicron. A Pfizer disse que seus novos testes devem ser feitos nesta e na próxima semana e a farmacêutica prevê a necessidade de seis semanas para adaptar o imunizante atual e até cem dias para liberar novos lotes. O diretor executivo e cofundador da Pfizer, Ugur Sahin, disse que o imunizante deve proteger contra casos graves, mas não descarta a necessidade de uma dose de reforço.
Já o chefe da farmacêutica Moderna, Stéphane Bancel, acredita que a vacina não será tão eficaz quanto é contra outras variantes. O produto da Moderna não é usado no Brasil. Eles também garantiram que o desenvolvimento de uma nova vacina, se for preciso, não deve demorar.
Tanto a Moderna quanto a Pfizer são feitas a partir do isolamento da proteína S, que apresenta mais mutações. Na avaliação do médico sanitarista Gonzalo Vecina, isso faz com que a Coronavac tenha mais chance de resistir à Ômicron do que as outras. “A preocupação dessas vacinas serem burladas existe por conta dessas mutações que a nova cepa apresenta, mas é preciso esperar os estudos serem concluídos”, afirmou.
Até o momento, nenhuma cepa do coronavírus conseguiu burlar a eficácia das vacinas existentes, mas os especialistas não descartam que isso ocorra no futuro. No caso da variante Delta, por exemplo, estudos mostraram que uma dose da AstraZeneca ou da Pfizer era insuficiente contra a cepa, mas duas garantiam a proteção.
“Por ser um vírus de RNA (o Sars-CoV-2), não se espera que o coronavírus mude tanto, mas o que se observa é que ele tem essa capacidade. Por isso existe sim o risco de uma cepa escapar da vacina por conta disso”, avalia infectologista Celso Granato.
Para Maria Carolina Sabbaga, do Butantan, ainda é muito cedo para avaliar os efeitos que a Ômicron terá no mundo e no Brasil. “Não é porque é forte na África que vai ser forte aqui. As variantes mudam muito geograficamente”, disse ela, lembrando que a Delta não causou uma explosão de infectados por aqui, diferentemente do que ocorreu em Israel e na Europa, por exemplo.
Ex-presidente da Anvisa, Gonzalo Vecina diz que por mais que a Ômicron consiga burlar as vacinas existentes, a característica que ela apresenta até agora é de gerar quadros leves da doença. Ele considera que o maior risco apresentado até agora pela variante é servir de caminho para o surgimento de cepas mais perigosas, principalmente pelo contato com outras em circulação, como a Delta e a Gama (variante identificada originalmente em Manaus, que levou o Brasil ao pico da pandemia no 1º semestre deste ano).
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.