ONG de Campinas que leva saúde a indígenas da Amazônia é finalista de prêmio internacional

Em 20 anos, voluntários fizeram mais de 120 mil procedimentos e cerca de 10 mil cirurgias em 50 expedições; Prêmio Zayed de Sustentabilidade, dos Emirados Árabes, tem 4 mil inscritos

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Foto do author José Maria Tomazela
Atualização:

SOROCABA – Uma ONG brasileira formada por médicos voluntários que levam atendimento de saúde a indígenas isolados nos confins da Amazônia está entre as finalistas do prestigiado Prêmio Zayed de Sustentabilidade, que teve mais de 4 mil inscritos na atual edição. Reconhecido mundialmente como um dos principais eventos de valorização da tecnologia social e sustentável, o prêmio foi criado em 2008 nos Emirados Árabes Unidos para perpetuar o legado do xeque Zayed bin Sultan Al Nahyan por seu compromisso com a sustentabilidade do planeta.

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A ONG Expedicionários da Saúde (EDS) foi escolhida entre as instituições de 150 países que se inscreveram para esta edição nas categorias saúde, alimentação, energia, água e escolas do ensino médio. A escolha coincide com a 50.ª Expedição realizada pela ONG, entre os meses de novembro e dezembro, em Assunção do Içana, distrito de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. A iniciativa brasileira concorre na categoria saúde com outros dois finalistas: o Helmholtz Centre, da Alemanha, que pesquisa epidemias, e o Laboratório Ory, do Japão, que desenvolveu um robô para reduzir o isolamento social de pessoas com deficiências.

Para o presidente da EDS, médico Ricardo Affonso Ferreira, o fato de ser finalista entre tantos postulantes ao prêmio é um importante reconhecimento ao trabalho da ONG. “Nossos concorrentes são grandes corporações e nós somos muito pequenos. O prêmio de US$ 600 mil (cerca de R$ 3 milhões), que para os outros finalistas pode não ser tão significativo, nos ajudaria muito, inclusive na compra de medicamentos para nossos projetos. Mas, se não vier, o fato de termos virado finalistas já nos enche de satisfação.”

O início

A ONG nasceu de forma quase casual: um grupo de amigos, em sua maioria médicos, costumava organizar expedições contemplativas às regiões de florestas do País. Em 2002, quando visitavam o Pico da Neblina, no norte do Amazonas, na fronteira com a Venezuela, eles passaram pela aldeia yanomami Maturacá e se depararam com uma realidade muito diferente daquela em que viviam. “O grupo identificou uma demanda de cirurgias acima da média e um povo sem acesso à saúde devido ao isolamento geográfico”, afirma o médico.

Idosa indígena passa por exame com oftalmologista da ONG Expedicionários da Saúde.  Foto: Expedicionários da Saúde/Divulgação

Foi ali que decidiram fazer alguma coisa pela população indígena, não só da região, mas de toda a Amazônia. Após contatos com as instituições responsáveis pelo atendimento à saúde dos índios, foi oficialmente estruturada, em 2003, a Expedicionários da Saúde. Desde então, as caminhadas iniciais se transformaram em atendimento médico às comunidades indígenas da Amazônia. Em 20 anos, mais de 300 voluntários cobriram uma área superior a 500 mil km², equivalente ao território da França, realizando mais de 120 mil procedimentos e cerca de 10 mil cirurgias.

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Por força do seu estatuto, a EDS não aceita dinheiro público e custeia suas expedições com doações de pessoas físicas, empresas e instituições socialmente responsáveis. Atualmente, a ONG tem apoio financeiro da indústria farmacêutica, de grandes corporações e de fundações internacionais para as expedições. O atendimento é totalmente gratuito e, além das cirurgias, inclui a doação de medicamentos, óculos e próteses ortopédicas.

Ferreira conta que, no início, o grupo viajava às próprias expensas. “Quando fizemos a primeira expedição, em 2004, éramos quatro pessoas, das quais três médicos já com alguma experiência e um enfermeiro. Levamos 100 quilos de equipamentos lá para a Cabeça do Cachorro, no Alto Rio Negro (Amazonas), numa expedição de 15 dias, que foi um grande aprendizado. No mês passado fizemos a 50.ª expedição com 85 pessoas, sendo mais de 30 médicos, fizemos centenas de cirurgias e mais de 2.400 atendimentos. Desta vez foram 25 toneladas de equipamentos”, afirma.

Centro cirúrgico móvel

Para iniciar as expedições, o grupo fez parceria com os Ministérios da Saúde, da Defesa e da Justiça, que abriga a Fundação Nacional do Índio (Funai). No começo, os voluntários utilizaram hospitais do Projeto Calha Norte, do governo federal, que estavam ociosos. “Logo começamos a questionar se, em vez de levar os equipamentos até essas bases, não seria melhor ter um centro cirúrgico móvel para ser utilizado conforme as especificidades da região”, diz o médico.

Assim surgiu o Centro Cirúrgico Móvel, com estrutura de hospital de campanha, com salas de cirurgia geral, cirurgia oftalmológica, pequenos procedimentos, sala de espera para pacientes e centro de material e esterilização. “É uma tecnologia social pioneira, desenvolvida por engenheiros voluntários, que pode ser levada à aldeia mais distante”, afirmou.

Médico Ricardo Ferreira, presidente da Expedicionários da Saúde, durante atendimento em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Foto: Expedicionários da Saúde/Divulgação

À medida que os atendimentos foram se espalhando, a EDS começou a receber convites das próprias comunidades indígenas carentes de atendimento. “Antes de marcar a expedição, a gente vai ao local, faz contatos com as associações indígenas, dirigentes de saúde e prefeituras. Então avalia as necessidades e define as datas.”

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Ao longo dos 20 anos, os médicos tiveram contato com a realidade de dezenas de povos indígenas das mais variadas culturas. “Em muitos locais havia uma animosidade entre as tribos e, depois da nossa passagem, surpreendentemente eles passaram a se relacionar melhor. O contato mais difícil foi com os ianomâmis, que pudemos contornar com a ajuda de antropólogos. Nossa regra é interferir o mínimo possível nas tradições e nos costumes dos indígenas”, disse.

“Quem vai sempre quer voltar”

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Segundo Ferreira, nunca houve dificuldade para conseguir voluntários. “Basicamente são médicos, enfermeiros e o pessoal de logística. Quem vai uma vez sempre quer voltar.” O oftalmologista Michel Rubin, de Curitiba, que participou da 44.ª Expedição na região do Médio Rio Negro, no Amazonas, lembra ter operado cinco crianças indígenas praticamente cegas pela catarata. “Sentia muito ver aqueles indiozinhos, com toda sua energia cabisbaixos pela cegueira. Presenciar as crianças já no dia seguinte, maravilhadas, interagindo com o novo mundo, foi algo que jamais esquecerei”, disse.

Devido à experiência adquirida na floresta, em 2010, a ONG foi escolhida para atender as vítimas do terremoto ocorrido no Haiti e ficou seis meses no país do Caribe. Durante a pandemia de covid-19, impossibilitada de fazer novas expedições, a EDS usou seu conhecimento para montar um hospital de campanha em Campinas, interior de São Paulo, onde a ONG é sediada, e, ao mesmo tempo, construiu enfermarias de campanhas com concentradores de oxigênio nas comunidades indígenas da Amazônia.

Equipe da ONG Expedicionários da Saúde viaja de barco para atendimento em aldeia de Assunção do Içana, no Amazonas, entre novembro e dezembro de 2022. Foto: Expedicionários da Saúde/Divulgação

Sustentabilidade

O Prêmio Zayed de Sustentabilidade foi lançado na Cúpula Mundial de Energia do Futuro de 2008, por Mohamed bin Zayed Al Nahyan, presidente do Emirados Árabes Unidos. O prêmio é uma homenagem ao legado de humanitarismo e compromisso com a sustentabilidade do falecido Sheik Zayed bin Sultan Al Nahyan.

Desde a primeira cerimônia de premiação, em 2009, houve 96 vencedores em todo o mundo, com mais de 370 milhões de pessoas impactadas pelas soluções de sustentabilidade e projetos escolares inovadores. O prêmio será entregue às iniciativas vencedoras durante a Semana de Sustentabilidade de Abu Dhabi, entre os dias 13 e 18 deste mês.

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Estrutura montada para atendimento em Assunção do Içana, distrito de São Gabriel da Cachoeira. Foto: Expedicionários da Saúde/Divulgação
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