Os avanços na testagem genética e nos tratamentos personalizados estão transformando o cuidado de pacientes com tumores femininos, como câncer de mama, ovário e endométrio. No entanto, ainda há desafios importantes, como o diagnóstico tardio e a desigualdade no acesso às terapias mais modernas. Esses temas foram debatidos no Meet Point Estadão Think, realizado na última terça-feira (25).
Com patrocínio da AstraZeneca, a transmissão contou com a presença da oncologista Andrea Gadelha, líder da oncoginecologia do A.C.Camargo Cancer Center; da mastologista Rosemar Rahal, professora da Universidade Federal de Goiás, presidente da Comissão de Especialidades da Febrasgo e membro da diretoria nacional da Sociedade Brasileira de Mastologia, e da psico-oncologista Luciana Holtz, fundadora e presidente do Instituto Oncoguia. A moderação foi da jornalista Camila Silveira.
Testagem essencial
Andrea destacou a importância das testagens genética e molecular para a personalização do tratamento. “Toda paciente diagnosticada com câncer de mama precisa passar por testes que definem seu tipo de tumor, o que permite terapias mais direcionadas”, explicou. A mesma abordagem se aplica aos cânceres de ovário[1],[2],[3] e endométrio[4], nos quais a identificação de marcadores genéticos pode melhorar o prognóstico e orientar condutas mais eficazes.
O teste molecular que investiga a presença de mutação genética no tumor, conhecido como teste somático, recebeu recomendação positiva de incorporação pela Conitec em 2024, e, de acordo com os prazos do decreto nº 7.646/2011, a expectativa para sua implementação é abril/2025. No entanto, o acesso à testagem genética germinativa, que investiga se a mutação é hereditária, ainda é limitado. Apesar de existirem dois projetos de lei nacionais tramitando na Câmara dos Deputados (PL 25/2019 e PL 265/2020) e seis Estados e o Distrito Federal com legislações que garantem o exame para pacientes com câncer de mama e ovário, apenas Goiás e o Distrito Federal disponibilizam de fato o teste para as pacientes do SUS.
Câncer silencioso
O câncer de ovário é um dos mais letais entre as neoplasias ginecológicas. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), 77% dos casos são diagnosticados em estágios avançados[5]. “Não há um exame de rastreamento eficaz, como a mamografia para o câncer de mama”, alertou Andrea. O diagnóstico precoce depende de exames de imagem e testes tumorais, que nem sempre estão disponíveis a todas as pacientes.
Desafios do câncer de endométrio
O câncer de endométrio vem crescendo, impulsionado por fatores como obesidade. O principal sinal de alerta é o sangramento vaginal anormal, mas o desconhecimento leva a atrasos no diagnóstico. O tratamento inicial é cirúrgico, porém, testes moleculares ajudam a classificar os tumores e definir estratégias terapêuticas. “A imunoterapia tem se mostrado uma alternativa promissora, especialmente para pacientes com alterações genéticas”, afirmou Andrea.
A desigualdade no acesso a exames e tratamentos segue como uma das principais barreiras enfrentadas pelas pacientes. A nova Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (Lei 14.758/2023) busca reduzir essa disparidade, ampliando o acesso ao diagnóstico e às terapias.
Luciana destacou a importância do Programa de Navegação para Pacientes Oncológicos, previsto na nova política. “Muitas mulheres se perdem no sistema de saúde. Um profissional que as oriente e garanta o seguimento adequado é essencial”, disse.
Já Rosemar reforçou que as sociedades médicas têm trabalhado para ampliar a testagem genética no SUS. “Entregamos um documento ao Ministério da Saúde e mostramos que a Fiocruz já possui infraestrutura para realizar esses testes em larga escala”, disse. “O estudo também demonstrou que a testagem é custo-efetiva e pode salvar vidas”, completou.
Medidas prioritárias
Ao final do debate, as especialistas apontaram prioridades para aprimorar a jornada das pacientes. Andrea destacou a necessidade de estruturar uma linha de cuidado integrada, garantindo testagem e tratamento adequados. Luciana ressaltou a urgência do financiamento para novos medicamentos no SUS, enquanto Rosemar defendeu uma comunicação mais eficiente entre médicos e pacientes. A discussão promovida pelo Meet Point Estadão Think evidenciou que avanços científicos e tecnológicos estão disponíveis, mas o acesso ainda precisa ser ampliado. A colaboração entre governo, sociedade civil e instituições de saúde é fundamental para transformar essa realidade.
Referências:
[1] DiSilvestroP, Banerjee S, Colombo N, ScambiaG, Kim BG, OakninA, et al; SOLO1 Investigators. Overall Survival With Maintenance Olaparib at a 7-Year Follow-Up in Patients With Newly Diagnosed Advanced Ovarian Cancer and a BRCA Mutation: The SOLO1/GOG 3004 Trial. J Clin Oncol. 2023 Jan 20;41(3):609-617.
[2] Moore K, Colombo N, ScambiaG, Kim BG, OakninA, Friedlander M, et al. Maintenance Olaparib in Patients with Newly Diagnosed Advanced Ovarian Cancer. N Engl J Med. 2018;379(26):2495-505.
[3] DiSilvestroP, Banerjee S, Colombo N, ScambiaG, Kim B, OakninA, et al. 517O - Overall survival (OS) at 7-year (y) follow-up (f/u) in patients (pts) with newly diagnosed advanced ovarian cancer (OC) and a BRCA mutation (BRCAm) who received maintenance olaparibin the SOLO1/GOG-3004 trial. Annals of Oncology, 2022; 33 (suppl. 7): S235-S282. 10.1016/annonc/annonc1054
[4] Westin SN, Moore K, Chon HS, Lee JY, Thomes Pepin J,Sundborg M, et al.; DUO-E Investigators. Durvalumab Plus Carboplatin/Paclitaxel Followed by Maintenance Durvalumab With or Without Olaparib as First-Line Treatment for Advanced Endometrial Cancer: The PhaseIII DUO-E Trial. J Clin Oncol. 2024 Jan 20;42(3):283-99.
[5] Femama. Sociedade Brasileira de Mastologia. Implementação de política pública para o acesso aos testes genéticos na detecção de mutações em BRCA no SUS. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1gmMwkQvf3ujrHbL21g-Wr3vZFP6YUNgi/view.