‘Ozempic natural’: até onde vai o poder da fibra que viralizou como método para emagrecer?

Consumido em pó ou cápsula, o psyllium forma uma espécie de gel no estômago, causando sensação de saciedade; efeito é considerado modesto e não está isento de riscos

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Foto do author Victória  Ribeiro
Atualização:

Basta fazer uma busca rápida nas redes sociais para cruzar com mais uma fórmula para quem quer perder peso: o psyllium (ou psílio), que já ganhou o apelido de “Ozempic natural”. A promessa é tentadora: uma fibra alimentar acessível e barata que, dizem por aí, seria uma alternativa caseira a substâncias como semaglutida (princípio ativo de medicamentos como Ozempic e Wegovy) ou tirzepatida (do Mounjaro), indicadas para obesidade e diabetes — e não exatamente para quem só quer emagrecer.

Nos vídeos que circulam especialmente no TikTok, usuários fazem uma espécie de diário de consumo, exibindo resultados de “antes e depois” e mostrando as formas que costumam incluir o psyllium no dia a dia. Conforme explica a nutricionista Lara Natacci, pós-doutora na Universidade de São Paulo (USP) e diretora clínica da DietNet, a tal fibra que vem conquistando fama é extraída das sementes de um vegetal conhecido cientificamente como Plantago ovata.

O psyllium é uma fibra que pode ser consumida em forma de cápsula ou pó, que é misturado a água, sucos, vitaminas, shakes ou outras receitas  Foto: Irina/Adobe Stock

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Como qualquer fibra, ela pode desacelerar a digestão e formar uma espécie de gel capaz de prolongar a sensação de estômago cheio, reduzindo, assim, o apetite. No entanto, vale reconhecer que esse efeito é considerado ainda mais intenso quando se trata do psyllium — justamente por isso ele ganhou a reputação de ‘superfibra’.

“Ele é bem concentrado: a cada 5 gramas, temos até 4 gramas de fibras. Existem fibras solúveis e insolúveis, viscosas e não viscosas, e o psyllium é do tipo solúvel e viscosa. Isso significa que, ao se dissolver na água, ele forma um gel mais espesso que outros tipos de fibras, ocupando mais espaço no estômago”, detalha Lara.

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Além de aumentar a saciedade, o composto vegetal contribui para reduzir de 5% a 10% o colesterol LDL (considerado “ruim”) e diminuir os picos de glicose após as refeições, um efeito benéfico para pessoas com diabetes tipos 2 ou pré-diabetes, segundo a nutricionista Tarcila Campos, do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

A fibra ainda favorece o funcionamento do intestino. “Todas as fibras estimulam o sistema digestivo e o movimento intestinal. O psyllium, em particular, aumenta o bolo fecal e melhora a consistência das fezes, o que é interessante”, ensina Lara.

O potencial de controlar o colesterol e a glicemia tem a ver com o fato de o gel viscoso formado pelo psyllium se ligar aos ácidos biliares no intestino, que são formados por moléculas gordurosas. Quando ocorre a eliminação do corpo por meio das fezes, o colesterol também vai embora. Ele também retarda a digestão e a absorção dos carboidratos, ajudando a equilibrar a resposta da insulina.

Que existem possíveis benefícios, não há dúvidas. Porém, vale destacar: o psyllium não substitui tratamentos medicamentosos — no máximo, funciona como ‘plus’ na rotina.

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Faz sentido comparar o psyllium ao Ozempic e similares?

Segundo as especialistas ouvidas pelo Estadão, a comparação é, no mínimo, exagerada. “É uma comparação que não deve ser feita. Eu diria que chega a ser enganosa”, ressalta Lara.

Ela explica que a semaglutida é um medicamento que imita a ação de um hormônio intestinal, atuando de forma farmacológica e hormonal para retardar o esvaziamento gástrico, regular o diabetes e agir diretamente no centro de saciedade no cérebro. Já o psyllium é apenas uma fibra, com um efeito local e mecânico no trato gastrointestinal — ele não atua no sistema nervoso central, não interfere na produção hormonal e não possui efeito farmacológico.

“O psyllium aumenta a saciedade e ajuda a controlar a glicemia, mas por um mecanismo completamente diferente. Ele capta o excesso de glicose, gordura e colesterol, ajudando a eliminá-los pelas fezes. Não podemos comparar esses efeitos com a ação potente e específica da semaglutida. O psyllium contribui para a saciedade, mas está longe de ser um Ozempic ou semelhantes.”

Em resumo, o psyllium até pode auxiliar em um emagrecimento discreto, mas jamais oferecerá o mesmo impacto dos análogos de GLP-1, que, sob orientação médica e em casos específicos, podem levar à perda de até 20% do peso corporal.

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“O efeito é muito modesto e gradual”, afirma Tarcila. “Ainda assim, incluir fibras na alimentação diária deve ser incentivado, independentemente de a pessoa fazer uso de medicamentos como a semaglutida ou não.”

Há riscos no uso?

Mesmo sendo natural, o indicado é usar o psyllium com a orientação de um profissional de saúde. Isso porque ele não está livre de riscos e pode causar problemas se consumido de forma inadequada.

A primeira dica é que a hidratação se torna ainda mais essencial quando o psyllium entra na rotina. Sem água suficiente, a “superfibra” pode causar constipação, dor abdominal e, em casos graves, até obstrução intestinal — para quem já teve problemas intestinais ou passou por cirurgias na região, o perigo é ainda maior.

Além disso, consumir em grandes quantidades ou aumentar a dose muito rápido pode provocar gases, inchaço, desconforto abdominal e até diarreia — principalmente entre quem não tem o hábito de ingerir fibras (ou seja, boa parte da população).

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“Como qualquer suplemento de fibra, é essencial beber bastante água, começar com doses pequenas e ter a orientação de um profissional de saúde”, resume Tarcila.

Como deve ser o consumo?

Não há um consenso rígido sobre a forma ideal de usar o psyllium, mas a dose máxima diária geralmente recomendada é de até 30 gramas. Para Lara, essa quantidade é alta e só faria sentido em situações específicas, sempre com acompanhamento profissional. “Trinta gramas é muito, mas pode ser que alguns profissionais trabalhem pontualmente com essa quantidade, com um acompanhamento bem de perto.”

Para o uso seguro, a nutricionista recomenda começar com 3 a 5 gramas ao dia. Depois, se o corpo estiver se adaptando bem, é possível aumentar aos poucos. A nutricionista orienta que o máximo ideal por dia seja entre 5 e 10 gramas, divididas em uma ou duas vezes, preferencialmente antes das principais refeições — como o almoço e o jantar.

Também é muito importante beber bastante água, tanto na hora de consumir o produto quanto ao longo do dia, para ajudar o organismo a funcionar bem.

“O psyllium pode ser consumido em pó, misturado a um copo grande de água, suco, vitaminas, shakes ou até adicionado a receitas e iogurtes”, orienta a nutricionista. “Também existem cápsulas, geralmente com 500 mg cada. A parte negativa delas é que, para atingir as doses indicadas, costuma ser necessário ingerir várias delas.”

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Para perder peso de forma saudável, é necessário ir além

A fibra até pode ajudar a aumentar a sensação de saciedade, mas não faz milagres. Perder peso de maneira saudável e sustentável exige uma combinação de hábitos: alimentação equilibrada, prática regular de exercícios, sono de qualidade e manejo adequado do estresse. Comer devagar e apreciar a comida também são medidas importantes, de acordo com Lara.

“Tudo isso é importante: comer de forma consciente, devagar, e aproveitar o prazer da alimentação. Só assim conseguimos bons resultados”, explica. “A fibra pode ajudar? Pode, mas não faz tudo sozinha. Se não houver mudanças comportamentais, não teremos o efeito desejado. Existe todo um contexto que precisa ser considerado.”

Além disso, casos de obesidade e sobrepeso — doenças crônicas e multifatoriais —, via de regra, exigem acompanhamento multidisciplinar. “Apenas uma equipe especializada pode indicar tratamentos seguros e individualizados, combinando alimentação, medicação e mudanças de comportamento de forma eficaz”, alerta Tarcila.