Quem passa pela Avenida Doutor Arnaldo e observa o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) percebe que, em breve, o hospital público de 28 andares e cerca de 500 leitos ganhará uma fachada nova. A reforma deve ficar pronta em dezembro, graças a uma inusitada doação de R$ 8,2 milhões. O dinheiro foi deixado em testamento pelo advogado Orlando Di Giacomo Filho, sócio do escritório Demarest.
Aos 72 anos, ele morreu de câncer de pulmão no Hospital Sírio-Libanês, após um árduo tratamento de três anos. A experiência com a doença e o convívio com o médico Paulo Hoff, diretor-geral do Icesp, despertaram nele o interesse pela pesquisa em oncologia e pelas necessidades dos doentes. Solteiro e sem filhos, Di Giacomo Filho decidiu destinar 90% do patrimônio aos dois hospitais. Sem dizer nada ao médico que o tratou, fez duas doações de igual valor: uma para o hospital do Sistema Único de Saúde (SUS) e outra para o privado. “Foi uma grande surpresa”, diz o oncologista Hoff. “Ele era um paciente agradável, bom de conversa. Demonstrava curiosidade pelos tratamentos e preocupação social, mas nunca revelou que faria um gesto dessa magnitude”, afirma.
O advogado morreu em 2012. O inventário levou anos para ficar pronto porque envolveu 13 legatários (afilhados e outras pessoas próximas) a quem ele destinou a menor parte dos bens. A doação só foi recebida pelos hospitais em 2019. Os recursos chegaram em ótima hora ao Icesp, o maior centro especializado em oncologia da América Latina. O prédio do instituto tem cerca de 30 anos e precisava de manutenção. Há tempos Hoff queria trocar o revestimento de pastilhas. Com a ação do vento, elas se desprendiam. A estrutura exposta poderia começar a sofrer infiltrações e havia risco de as pastilhas em queda machucarem alguém. “A realidade brasileira é de apertos orçamentários”, diz Hoff. “É difícil conseguir recurso público para trocar fachada, embora a obra fosse necessária. Como houve essa benesse, pudemos realizá-la sem ter de mexer no orçamento destinado ao tratamento dos pacientes”, afirma.
Raro
Além de resolver o problema do revestimento, a doação deixada por Di Giacomo Filho foi destinada à reforma de auditórios usados para atividades de ensino. E ainda sobrou dinheiro para outras necessidades. “Esse tipo de doação é raro no Brasil”, afirma Hoff. “Vivemos em um país muito desigual. Quem tem alguma sobra no orçamento pode ajudar a melhorar a vida dos brasileiros.” No Sírio-Libanês, os R$ 8,2 milhões doados pelo paciente foram destinados a projetos de pesquisa sobre câncer.
Ao longo de sua trajetória profissional, Di Giacomo Filho foi advogado de grandes empresas. Liderou a criação do Centro de Estudos das Sociedades dos Advogados (Cesa) e ocupou vários cargos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Trabalhou durante 47 anos no Demarest e foi colega, desde o início da carreira, do advogado Altamiro Boscoli, sócio do mesmo escritório. Boscoli cuidou de fazer a doação chegar aos hospitais.
Durante a internação do colega, ele e a mulher se revezavam no Sírio-Libanês para fazer companhia ao doente. “Éramos quase irmãos”, diz Boscoli. Nas últimas semanas, a conversa dos dois girava em torno do essencial: as amizades. “Orlando era extremamente cordial; vivia para cultivar amigos”, conta.
“Um dia ficamos animados porque ele conseguiu sair da cama e caminhar até a poltrona. Disse que iríamos brindar. Comprei um bom vinho italiano e levei para ele, mas não deu tempo.” Di Giacomo Filho morreu no dia seguinte, o mesmo em que o amigo completou mais um ano de vida. A última garrafa não foi aberta.
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