Meus filhos aprenderam o conceito de inteligência quando eram bem novos. Para eles, “inteligente” significava ser bom nas coisas que a maioria das escolas nos diz que são importantes: ler e escrever bem, entender matemática, terminar os testes rapidamente. Ambos os meus filhos, hoje com 15 e 13 anos, se mediam de acordo com esse padrão e – para a surpresa de ninguém – sempre se sentiam aquém do esperado.
Um deles é um leitor relutante que por anos ficou marcado na escola porque estava “abaixo do nível da série”. O outro é bom aluno, mas um pouco disperso: ele pensa em cinco coisas ao mesmo tempo, muitas vezes quando se espera que preste atenção em uma só. E sempre ouvia que estava desatento.
Durante a pandemia, acompanhei de camarote como cada um deles prosperou para além das limitações da escola tradicional.
Meu leitor relutante consegue jogar com diversas variáveis visuais na cabeça de uma forma que lhe permite vencer toda a família no xadrez e nos jogos de estratégia. Ele usou o YouTube para explorar tópicos como mineração de asteroides, sua cidade favorita (Dubai) e se o açúcar realmente deixa as crianças hiperativas. Seu irmão assistiu a Grey’s Anatomy, decidiu que quer ser cirurgião e pesquisou na internet para aprender a dissecar um feto de porco e dominar os fundamentos da sutura cirúrgica.
Assim como muitos pais e mães, sofro com uma tensão dolorosa: vejo o brilho dos meus filhos, mas também sei que sua luz não consegue brilhar dentro de um sistema educacional que mede a “inteligência” de um jeito muito diferente. Embora as crianças aprendam de maneiras diferentes, em ritmos diferentes, priorizamos certas funções cognitivas e damos grande ênfase à obediência, à quietude e à capacidade de prestar certos tipos de atenção.
A interrupção educacional da pandemia de coronavírus foi um lembrete de que “inteligente” passou a representar uma ideia achatada e muito desumanizada – e de que nossos filhos são muito mais que isso.
Pais e mães precisam dar um passo atrás e parar de se concentrar nas notas para descobrir como seus filhos são inteligentes, em vez de ficar se perguntando se eles são inteligentes. Converse com seus filhos e reflita sobre o período de aprendizado remoto. O que funcionou para eles? Do que eles gostaram? O que foi difícil? Discuta como eles podem encarar a escola de maneira diferente.
A filha de um amigo descobriu que trabalhava melhor com um horário mais flexível, escolhendo quando e como concluir as tarefas. Ela tinha percebido os momentos em que se sentia mais focada e menos distraída.
Outra criança descobriu que terminava as tarefas muito mais rapidamente em casa, quando não tinha as distrações da escola. Perguntou aos professores se poderia usar fones de ouvido com cancelamento de ruído.
E uma terceira percebeu que era muito melhor criando vídeos para projetos escolares do que escrevendo as mesmas ideias no papel. Tem perguntado aos professores sobre oportunidades para demonstrar seu conhecimento de outras maneiras além dos textos.
GOSTOS
Pergunte o que seus filhos têm mais curiosidade de aprender. Se não tiverem certeza do que acham interessante, peça que pensem em como escolheram passar o tempo extra que não era preenchido com suas atividades habituais.
Após identificar um tema pelo qual eles mostram interesse em explorar, ajude-os a criar projetos que possam realizar por conta própria. Procure na internet pessoas que trabalhem nesse campo – e entre em contato com perguntas ou solicitações específicas. As pessoas estão ocupadas, mas muitas arranjam tempo para ajudar um jovem interessado em aprender.
INDIVIDUALIDADE
Também é importante falar sobre habilidades subjetivas como formas de aprendizado, pois são habilidades importantes que ajudarão nossos filhos a se tornarem adultos bem-sucedidos.
“Pensamento crítico, comunicação, gerenciamento de tempo, funcionamento executivo, metacognição: se uma criança domina isso, ela não apenas se sairá melhor nas aulas, mas também levará essas ferramentas para qualquer outro contexto”, diz Kelsey Komorowski, proprietária da KOMO, uma organização educacional.
Ela acredita que nos concentramos demais em quão bem as crianças estão se saindo em disciplinas específicas e em melhorar as notas. Em vez disso, ela disse, devemos nos concentrar nas habilidades subjetivas que podem ser transferidas entre diferentes disciplinas e contextos. Essas habilidades podem estar presentes em crianças de todas as idades. Mesmo as muito pequenas têm o desejo de entender e planejar seus dias, criar e manter a ordem e fazer perguntas sobre o mundo.
As escolas são organizadas de maneiras que podem funcionar bem para alguns e não tão bem para outros. Muitas esperam que as crianças trabalhem em um ritmo e em uma ordem definida pelos adultos, mesmo que isso não funcione para o desenvolvimento delas.
Várias pessoas se lembram da escola como um lugar que nos diziam todas as maneiras pelas quais ficamos aquém das expectativas, em vez de ser um lugar onde nos concentramos em nossos pontos fortes e construímos a partir deles.
“Perguntamos aos alunos: o que você gosta ou acha fácil fazer? Como você prefere aprender? Em seguida, desenvolvemos a partir dessas habilidades”, explicou Philippe Ernewein, diretor de educação da Denver Academy, um programa desenvolvido para alunos que não prosperaram em ambientes convencionais. Em um mundo onde a tecnologia nos permite acessar, capturar, interagir e distribuir conhecimento de tantas maneiras, parece mais importante ajudar as crianças a aprender e a desenvolver essas habilidades.
Faça um balanço do que vocês têm aprendido na pandemia
Embora seja verdade que talvez haja algumas coisas que seus filhos não aprenderam muito bem por causa do ensino a distância na pandemia, há outras coisas importantes que eles aprenderam porque estavam em casa, prestando atenção em aspectos diferentes.
Eles provavelmente notaram coisas novas sobre a injustiça no País e em suas comunidades; observaram como a economia funciona (ou não) quando uma pandemia global interrompe as cadeias de suprimentos; e aprenderam uma coisa ou outra sobre a ciência das vacinas.
As conversas sobre esses e outros acontecimentos cotidianos são oportunidades de aprendizado. É útil lembrar a nós mesmos e aos nossos filhos que, quando conseguimos ver nossas experiências através dessa lente, a aprendizagem acontece em todos os lugares, o tempo todo. /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.