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País tem ao menos 51 processos por mês por exercício ilegal da Medicina, mostra levantamento do CFM

Conduta criminosa ocorre tanto em casos de pessoas que se passam por médicos quanto por profissionais que realizam procedimentos que só podem ser feitos por formados em Medicina

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Foto do author Paula Ferreira
Foto do author Fabiana Cambricoli
Atualização:

Ao menos 51 casos de exercício ilegal da Medicina foram registrados por mês no Brasil nos últimos dez anos, segundo um levantamento feito pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) com base em dados dos tribunais de Justiça estaduais e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Foram 6.189 casos do tipo que chegaram ao Judiciário entre 2014 e 2023.

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O CFM levantou ainda com as Polícias Civis 3.377 boletins de ocorrência registrados por esse tipo de crime no período de 2012 a 2023, com algumas dezenas deles resultando na morte ou lesão grave dos pacientes prejudicados. No caso dos BOs, cinco Estados não informaram os dados: Alagoas, Espírito Santo, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Sul.

Apenas a Polícia Civil do Rio de Janeiro informou os dados com o detalhamento do desfecho do caso para o paciente: foram 11 óbitos e 31 registros de lesão corporal grave.

De acordo com o Código Penal brasileiro, o crime de exercício ilegal da medicina é caracterizado pelo ato de “exercer, ainda que a título gratuito, a medicina sem autorização legal ou fora dos limites impostos pela legislação”. A pena prevista é detenção de seis meses a dois anos, e multa, se o crime for praticado com o fim de lucro.

Podem ser enquadrados nesse crime não só casos de falsos médicos, mas também situações em que outros profissionais, de saúde ou não, realizam procedimentos que, pela chamada Lei do Ato Médico, só podem ser executados pelos médicos. O tema, no entanto, é polêmico e ainda não há um entendimento consensual da Justiça (leia mais abaixo).

Exercício ilegal da Medicina é crime previsto no Código Penal Foto: BetterPhoto/Adobe Stock

Segundo Rosylane Nascimento das Mercês Rocha, 2ª vice-presidente do CFM, estariam enquadrados no exercício ilegal da Medicina casos como o de realização de harmonização facial por profissionais de saúde não médicos ou avaliação oftalmológica por técnicos de óticas.

“Mesmo em casos de procedimentos estéticos, é preciso haver um diagnóstico e uma análise para que o procedimento não cause problemas. Vemos casos de deformidades, necroses e infecções porque o profissional que realizou não tinha o domínio da técnica”, diz ela.

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Rosylane diz acreditar que o número de casos de exercício ilegal da Medicina seja bem maior do que o levantado pelo conselho, já que nem todos os pacientes levam à situação ao Judiciário ou à polícia. “Alguns pacientes procuram profissionais sem a devida habilitação pela facilidade, por uma condição financeira mais atrativa e porque não tem noção do risco que estão correndo. E quando acontece algum problema, alguns sentem medo ou constrangimento de denunciar”, diz a vice-presidente do CFM.

Ela recomenda que, antes de realizar qualquer procedimento de saúde, mesmo que estético, a pessoa se certifique se os profissionais que se apresentam como médicos ou especialistas têm um registro profissional válido. Para isso, é preciso levantar o nome e o CRM do médico e conferi-lo no portal do CFM, que traz o cadastro de todos os médicos brasileiros e informa se o registro do profissional está regular. Rosylane recomenda ainda que procedimentos invasivos não sejam feitos com profissionais não médicos.

Lei do Ato Médico

Alguns casos classificados como exercício ilegal da Medicina pelo CFM, no entanto, são alvos de controvérsia entre diferentes conselhos de classe e o próprio Judiciário. Sancionada em 2013, a lei do Ato Médico determinou um rol de atividades que só podem ser executadas por médicos. Nesse escopo estão cirurgias, procedimentos invasivos mesmo que diagnósticos, para tratamento ou estéticos. Atos como realização de biópsias, endoscopias e sedação profunda também estão restritos aos médicos.

Na época, a legislação gerou amplas críticas entre os profissionais de saúde que argumentaram, entre outros pontos, que a regra teria como pano de fundo uma tentativa de reserva de mercado por parte dos médicos, além de enxergar a regra como um cerceamento de suas atividades profissionais.

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Apesar da legislação, o CFM argumenta que conselhos de outras profissões têm flexibilizado a regra por meio de resoluções internas - seria o caso de autorizações concedidas, por exemplo, para realização de harmonização facial por dentistas.

Embora haja questionamentos judiciais constantes, o Judiciário ainda não tem uma jurisprudência clara sobre o tema. O CFM vem entrando com ações para questionar essas normas criadas por outros conselhos profissionais. De acordo com o coordenador do Departamento Jurídico do CFM, Alejandro Bullon, alguns dos pedidos foram acatados pelos magistrados, outros não. Para ele, outros conselhos profissionais infringem a lei quando autorizam procedimentos que seriam expressamente proibidos pela legislação do ato médico.

“O ato médico tem sido atacado por vários conselhos de fiscalização profissional que deveriam estar primando pela legalidade e não estão. Porque só pode fazer, em termos de regulamentação profissional, o que a lei permite que você faça. No Brasil, só tem uma lei que permite esses atos expressamente: a lei do Ato Médico. Qualquer outra profissão que permita ao seu profissional fazer algo nesse sentido, é uma resolução ilegal”, disse.

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Em comunicado enviado ao Estadão, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) diz que “os profissionais devem atuar dentro dos marcos legais e normativos vigentes, e que a saúde coletiva deve prevalecer sobre eventuais interesses corporativos”.

Segundo a entidade, não há objeção à regulamentação de atos privativos dos profissionais médicos, desde que não entrem em conflito com prerrogativas legais de outras categorias nem afetem diretamente o direito à saúde. “Obtivemos importantes vitórias judiciais, que reafirmam, por exemplo, a legalidade da inserção de dispositivo intrauterino (DIU) por enfermeiros devidamente capacitados e o direito das mulheres de optarem por assistência multiprofissional em seus partos”, informam.

“Eventuais irregularidades cometidas por profissionais de Enfermagem devem ser denunciadas ao respectivo Coren, estando sujeitas a processo ético-administrativo”, apontam.

O Estadão procurou também o Conselho Federal de Odontologia (CFO) e o Conselho Federal de Fisioterapia Terapia Ocupacional (Cofitto), mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.

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