Consideradas parte do grupo de risco durante a pandemia do novo coronavírus, as pessoas com obesidade têm gerado cada vez mais preocupação na comunidade médica. Pesquisa publicada no periódico Obesity Reviews, com dados coletados nos Estados Unidos durante o primeiro semestre da pandemia, mostra que a doença aumenta em 113% o risco de internação em casos de covid-19.
Outro estudo mais recente, publicado pela Federação Mundial de Obesidade, aponta também que o risco de morte por covid-19 é dez vezes maior em países onde o excesso de peso atinge a maioria da população. No Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de indivíduos nessas condições mais do que dobrou entre 2003 e 2019. Atualmente, quatro em cada dez brasileiros apresentam esse diagnóstico, e 26,8% da população tem obesidade, reforçando ainda mais o alerta para a doença.
De acordo com Rocio Riatto Della Coletta, endocrinologista, doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP) e gerente médica de Obesidade da empresa Novo Nordisk, uma das explicações para essa relação é que a pessoa com obesidade vive em um estado inflamatório crônico de baixa intensidade, pois o tecido gorduroso produz substâncias inflamatórias continuamente. “Assim, ao contrair covid-19, a imunidade fica sobrecarregada e confusa (retardando a resposta inicial do corpo ao vírus) e não dá conta da infecção de uma maneira mais efetiva, como ocorre nos indivíduos sem obesidade. As pessoas com obesidade têm esse estado inflamatório crônico que lesiona o hipotálamo (cérebro), centro de controle da fome e saciedade, que pode ser irreversível com o passar do tempo”, explica.
Desde 2013, há um consenso entre médicos e cientistas de que a obesidade é uma doença crônica, tal como diabetes e hipertensão. “Não é uma escolha, é uma patologia que deve ser controlada. Há fases em que o indivíduo terá um melhor controle, e outras nas quais terá dificuldade. O importante é ter reconhecimento do quadro, admitir a doença e tratar de maneira adequada”, orienta a especialista.
Rompendo estigmas
Para além da má alimentação e do sedentarismo, a ciência já identifica fatores diversos que levam ao aumento de peso, entre os quais condições genéticas, metabólicas e neuronais. Contudo, um estudo internacional com dados de 11 países, denominado ACTION-IO, mostrou que mais de 80% das pessoas com obesidade ainda pensam, erroneamente, que o problema é de uma responsabilidade individual.
O equívoco se reflete diretamente no tempo que as pessoas levam para procurar ajuda adequada: em média, há uma lacuna de seis anos entre a percepção do excesso de peso e a procura por um médico.
Para Della Coletta, esse pensamento é fruto de conceitos antiquados que ainda rondam o tema na sociedade. “O estigma da obesidade é perverso e joga a responsabilidade sobre o indivíduo. No momento em que ele sente culpa e vergonha pela doença, ele deixa de procurar ajuda, e isso piora a situação.”
A endocrinologista ressalta também que tratar a obesidade não tem nada a ver com perder alguns quilos para caber em uma roupa. “É uma questão de saúde. Não devemos basear a conversa em estereótipos de beleza ou na busca de um índice perfeito, mas sim entender que perder e manter essa perda entre 5% e 15% do peso já proporciona mais qualidade e anos de vida.”
Foco no longo prazo
Quem já se encontrou com o índice de massa corporal (IMC, índice obtido ao dividir o peso do indivíduo em quilos pelo quadrado de sua altura em metros), acima de 30 sabe que a busca pelo “peso ideal” pode ser desgastante. Ainda de acordo com o estudo ACTION-IO, 81% das pessoas que hoje se identificam com a doença fizeram esforço para emagrecer no passado. De acordo com Della Coletta, isso acontece porque, além de crônica, a obesidade é também recidivante, levando os indivíduos a apresentarem o conhecido “efeito ioiô”.
Segundo a médica, mesmo quem atingiu o peso desejado precisa manter o acompanhamento. “Na maioria das vezes, a pessoa que emagrece e não mantém o tratamento logo volta a engordar.”
Por isso, o segredo para encontrar mais saúde estaria na busca pela perda com estabilidade, aponta, e em procurar um especialista, que vai indicar o tratamento mais adequado, além de mudar hábitos. “A pessoa com obesidade sempre precisará controlar a doença, mesmo após fazer dieta, cirurgia bariátrica ou um tratamento com medicamentos”, alerta a endocrinologista.
Nesse percurso de mudança de hábitos, a médica sugere calcular as perdas em porcentagens. “Reduzir e manter a perda de peso entre 2,5% e 5% já oferece a pessoas com obesidade e sobrepeso benefícios como redução na taxa de glicemia, melhor índice de colesterol, menos gordura no fígado e potencializa a qualidade de vida”, exemplifica a endocrinologista (veja mais detalhes no quadro a seguir).
Seguindo o raciocínio, uma pessoa com 115 quilos poderia ter benefícios de longo prazo mesmo com uma redução inicial de 5,75 quilos – desde que não retorne mais ao peso anterior. Entre os primeiros seis meses e um ano de tratamento, é possível otimizar o emagrecimento. Após esse tempo, a pessoa precisará manter, buscando sempre a saúde.
Acompanhamento médico
Para emagrecer ainda mais, Della Coletta orienta reforçar o acompanhamento médico, pois novas estratégias serão necessárias a cada ciclo de emagrecimento. “Após um ano de controle, acontece o efeito platô, que estabiliza o peso e faz com que muitos desistam do tratamento. O metabolismo desacelera, os hormônios da fome aumentam, e a pessoa não consegue mais emagrecer.”
Nesses momentos, é preciso fugir de dietas rápidas ou mirabolantes, dessas que geralmente prometem dezenas de quilos em poucas semanas. “A obesidade é uma doença individualizada. Fuja de remédios ou indicações sem orientação de um profissional, e nunca copie o tratamento de outra pessoa, pois o que funciona para um não serve para todos”, alerta a médica.
Como recomendação geral, a endocrinologista enfatiza: “Está perdendo o controle? Busque ajuda. Converse com um médico e veja qual o seu caso. Pode ser que você precise de dietas, exercícios, apoio psicológico, medicação ou até cirurgia, mas sempre com orientação e indicação profissional”.
A médica orienta ainda que, seja qual for o tratamento, ele não pode ser encerrado ou substituído sem a devida orientação. “Antes de trocar de dieta ou parar uma medicação, a pessoa deve buscar ajuda. Às vezes, ela atinge o platô e pensa que o tratamento não está mais funcionando, quando, na verdade, ele está ajudando a manter o que já foi perdido. Se a pessoa parar assim que emagrecer, voltará a engordar logo. Hoje já sabemos cientificamente como esse processo acontece”, completa.
A obesidade nunca está sozinha
Impacto direto da doença em outros quadros clínicos acende alerta para comorbidades
Além de ser uma doença em si, a obesidade também tem impacto negativo em outros quadros clínicos, aumentando significativamente o risco de desenvolvimento de mais de 200 doenças crônicas, segundo estudo publicado no Journal of Translational Medicine. No caso de diabetes tipo 2 e hipertensão, por exemplo, o estudo aponta um risco três vezes maior em pessoas com obesidade.
“Não é uma condição, é uma patologia crônica que pode agravar uma internação, ser um gatilho para diabetes ou uma recidiva de um câncer de mama, favorecer o aumento de gordura no fígado, a infertilidade na mulher e a impotência no homem. Contudo, às vezes os indivíduos não se dão conta dessas relações”, explica a gerente médica em Obesidade da Novo Nordisk, Rocio Riatto Della Coletta.
Ela diz ainda que mesmo quem tem exames clínicos com parâmetros adequados sofre impactos negativos e limitações. “Não existe indivíduo metabolicamente saudável quando há obesidade, pois ela faz com que o organismo produza substâncias inflamatórias em pequenas doses. É uma questão de tempo até apresentar outros quadros relacionados.”
Informação sem complicação
Portal sobre obesidade faz a ponte entre médicos e quem busca por ajuda
Em tempos de fake news, informação de qualidade é primordial. Foi pensando nisso que a Novo Nordisk lançou na última semana uma nova edição do portal da campanha Saúde Não Se Pesa, que traz dados atualizados e de fontes confiáveis sobre obesidade e excesso de peso. Além dessas informações, o site também ajuda a localizar médicos especializados nas mais diversas regiões – o que pode dar uma força para quem ainda não buscou ajuda.
A ação faz parte de uma série de iniciativas da empresa global em parceria com a Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) para desmistificar a doença. A campanha, que tem personalidades como o ator Leandro Hassum entre seus embaixadores, já vem atuando desde 2016 para conscientizar e oferecer a mais pessoas a possibilidade de diagnosticar e tratar a doença.
Para saber mais, aponte a câmera do seu smartphone para o QR code ao lado e acesse o portal saudenaosepesa.com.br.
Alto risco para o futuro
Obesidade na infância e adolescência pode ter reflexos irreversíveis na vida adulta
De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde de 2019, do IBGE, 11% dos brasileiros de 5 a 19 anos têm obesidade, e 17,2% têm sobrepeso. No mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 38,2 milhões de crianças com menos de 5 anos de idade já apresentam esses quadros.
A genética é, segundo a endocrinologista Rocio Riatto Della Coletta, um dos principais fatores indicativos da doença na infância. “Há uma hereditariedade de pai e mãe diretamente relacionada à obesidade primária, uma carga genética em torno de 60%, o restante sendo moldado pelo ambiente”, explica.
Para a médica, a grande preocupação é crianças e adolescentes muito acima do peso se tornarem adultos com obesidade, um risco de aproximadamente 84%. “Quanto mais tempo a criança passa com a doença nessa fase inicial da vida, maior será o grau de inflamação crônica no longo prazo.”
Estudo conduzido na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por exemplo, evidenciou lesões irreversíveis no centro de controle da fome e saciedade em crianças com problemas no peso. “A obesidade infantil não pode ser vista como antigamente, quando os pediatras pensavam se tratar de algo temporário relacionado à fase de crescimento. Ela deve ser acompanhada o quanto antes, para reverter esses riscos permanentes”, completa a médica.
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