Cerca de dois terços da população mundial receberam ao menos a 1ª dose de uma das vacinas contra a covid-19, mas a desigualdade entre as taxas de vacinação em diferentes lugares foi um dos fatores considerados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para manter o status de emergência sanitária internacional para a pandemia da doença no último 19 de outubro.
“Embora seja óbvio que a situação global melhorou desde que a pandemia começou, o vírus continua a sofrer mutações e a incerteza e muitos riscos permanecem”, disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. No total, o mundo teve 6,1 milhões de mortes e quase 630 milhões de infecções registradas - especialistas apontam, porém que houve alta subnotificação em grande parte dos países.
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O presidente do Comitê de Emergências da OMS, o cirurgião Didier Houssin, relatou que, desde o começo da pandemia, foi a primeira vez que o grupo considerou revogar a declaração de emergência internacional. Pesaram incertezas como as chances de evolução do vírus, que pode sofrer mutações e escapar da imunidade conferida pelas vacinas, e a dificuldade de calcular o impacto clínico de futuras variantes sobre os sistemas nacionais de saúde e complicações da doença.
Para Carlos Magno Fortaleza, infectologista e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o cuidado adicional é justificado. “A Organização Mundial da Saúde tem uma noção muito clara da desmobilização de ações em relação à covid que vai ocorrer no momento em que ela declarar que a pandemia está terminada; um efeito dominó de desmonte de redes laboratoriais de diagnóstico, fechamento de leitos para internação e redução na vigilância da ocorrência de novos casos”, avalia.
Cenário atual
A chegada das vacinas colocou o mundo em uma posição mais próxima do fim da ameaça sanitária apresentada pela covid-19. Ainda assim, segundo dados reunidos pela Rede Análise Covid-19, cerca de 30% da população mundial está protegida com a dose de reforço aplicada após as duas primeiras doses do imunizante. Mas essa cobertura vacinal é discrepante – no continente africano, por exemplo, a dose de reforço foi aplicada em menos de 5% dos habitantes.
Além das chances de que um grande número de pessoas não imunizadas aumente as possibilidades do surgimento de uma variante resistente à imunidade adquirida graças às vacinas disponíveis, o comportamento imprevisível do vírus também preocupa especialistas. Como apontam levantamentos como o Boletim InfoGripe da Fiocruz, o SARS-CoV-2 ainda não apresenta um padrão claro de sazonalidade – ao contrário de outras infecções respiratórias.
“Obviamente, está melhor que antes porque tem as vacinas, mas quando comparada com outras doenças que também têm vacinas para prevenir óbitos e reduzir internações (como gripe e sarampo) e comparada com ela mesma nos últimos seis meses, a covid-19 ainda está forte em bastante países”, pontua Isaac Schrarstzhaupt, pesquisador e coordenador da Rede Análise Covid-19.
Nos últimos 50 dias, os países da União Europeia vivem o crescimento das médias móveis que mostram o aumento de óbitos e de novos casos da doença. No dia 9 de outubro, a média móvel de sete dias da taxa de crescimento de novos casos no bloco era de 40,53%; no dia 20, encontrava-se em 67,87%.
“A Europa está em uma onda bem visível em que aumentaram os casos, 15 dias depois, as hospitalizações e agora estão aumentando os óbitos. Quando olhamos para o Brasil, não vemos esse movimento, mas há um porém: a gente quase parou de testar”, explica Schrarstzhaupt. Outra preocupação dos médicos é sobre as taxas de cobertura vacinal com as doses de reforço: só metade dos brasileiros, por exemplo, tomou a 3ª dose do imunizante.
Nesta semana, a Agência de Medicamentos Europeia (EMA) alertou que a crise sanitária não terminou e que haverá uma nova onda nas próximas semanas, motivada por novas subvariantes da Ômicron. Marco Cavaleri, chefe de Estratégia de Vacinação da EMA, explicou que, um mês depois da chegada do outono, já “vemos um incremento geral dos casos de covid e dos mortos”, além do número de idosos hospitalizados.
A subvariante conhecida como BQ1 foi identificada em pelo menos cinco países do continente e, segundo as autoridades, ameaça ser predominante entre o fim de novembro e o início de dezembro. Segundo Cavaleri, o “vírus é mais rápido do que podemos ser em termos de adaptar as vacinas” para novas cepas.
Fim do estado de emergência
Para o professor da Unesp, a importância da testagem aumenta diante da flexibilização de medidas de prevenção contra a covid-19 e ainda mais quando se cogita o fim do status de emergência sanitária internacional. A possibilidade de identificar uma eventual tendência de aumento, analisa, é o preço a ser pago para que a retirada das medidas seja feita com certa tranquilidade.
“O que temos de manter de forma muito intensa é a rede laboratorial de diagnóstico e a acurácia da vigilância epidemiológica. Precisamos manter esse estado de alerta, que é diferente dos cuidados restritivos que nós precisamos manter nos anos anteriores”, destaca.
Ainda que a situação do vírus não vá ser uniforme em todo o globo, Carlos Magno prevê que a decisão da OMS de levantar o status de emergência deve levar em conta aspectos técnicos e políticos. “Provavelmente, vai considerar a situação da doença nos países que são mais conectados a outros por rotas de viagens e migrações, porque esses são os principais potenciais disseminadores, mesmo que algum país mais periférico ou menos conectado ainda esteja vivendo uma situação não controlada.”
A expectativa é que a situação seja reavaliada ao fim do ano, com a possibilidade de que o fim da emergência da pandemia seja, desta vez, decretado. /COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS
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