Um dia depois de seu aniversário, a servidora pública Michele Salek, de São Paulo, recebeu um diagnóstico que lhe tirou o chão: câncer de mama. Michele retirou os dois seios – reconstruídos com próteses de silicone –, fez 16 sessões de quimioterapia e 18 de radioterapia. Durante o tratamento, aproveitou o embalo do Outubro Rosa para compartilhar a novidade com seus seguidores no Instagram, até então amigos e familiares. Outras pacientes começaram a procurá-la, organicamente, para tirar dúvidas sobre a enfermidade. Sem planejar, a servidora se tornou influenciadora, unindo-se a um corpo cada vez maior de indivíduos que compartilham a sua jornada com o câncer nas redes.
“É um sentimento comum entre pessoas que passam por doenças graves querer ajudar outras na mesma situação. Sei o que é estar desesperada e não conseguir falar com alguém”, explica Michele. Quando a demanda de perguntas ficou alta demais para serem respondidas individualmente no Instagram, ela decidiu gravar e postar doze vídeos no YouTube (youtube.com/salekmi), detalhando cada etapa do tratamento. O mais visto deles, “Como eu descobri um câncer de mama aos 26 anos”, tem 221 mil acessos. Na descrição, os vídeos são recheados de links com fontes confiáveis sobre o tema. “Eu quero que quem vá para o Google encontre não somente o meu relato, mas também informações úteis, como a cartilha de direitos do paciente”, diz a servidora.
Hoje, três anos e meio depois de terminar o tratamento, Michele segue engajada no objetivo de disseminar informações e empoderar pacientes. “Muitas pessoas assumem uma postura passiva no tratamento. Não sabem o nome do remédio que tomam ou a dose. Eu defendo que elas façam perguntas aos seus médicos, busquem outras fontes de conhecimento e se apropriem da sua saúde”, aponta.
Antes dela, em 2011, a escritora Ana Michelle Soares, de São Paulo, compartilhou o diagnóstico de câncer de mama com os seguidores do blog que escrevia sobre decoração. A partir daí, conheceu online outras pessoas que, como ela, receberam o diagnóstico na juventude. “Eu não sabia tanto sobre a doença e achava que ninguém mais tinha câncer aos 28 anos”, diz. Junto com Renata Lujan, médica que também se tratava da moléstia e morreu em 2018, criou no Facebook a comunidade Meninas de Peito, formada principalmente por pacientes da mesma faixa etária.
Quando Ana Michelle descobriu uma metástase do fígado, em 2015, a acolhida esperada não veio. “Eu me senti escanteada pelas pacientes no Facebook, a maioria com diagnóstico primário. Elas mesmas não conseguiam lidar com esse medo”, aponta. Incomodada com o olhar de pavor das pessoas diante de uma metástase, Ana Michelle e Renata criaram o perfil Paliativas (@paliativas). “O paciente com câncer é celebrado como um guerreiro. Ou ele vence, ou ele morre. Nessa narrativa agressiva, eu não venci, mas também não morri. Então quem sou eu? Valia a pena provocar esse questionamento.”
Viver bem
Com o perfil, Ana Michelle queria mostrar aos pacientes sem perspectiva de cura que eles podem viver bem. “Pessoas que se curaram às vezes não têm tanta qualidade de vida como uma paciente metastática com as emoções bem manejadas”, diz ela, criadora também da comunidade Casa Paliativa (www.facebook.com/groups/casapaliativa), dedicada ao acolhimento de pacientes com doenças graves e seus familiares.
Para ela, compartilhar seus medos e alegrias com os semelhantes ajuda no seu tratamento. “Ajudar outro ser humano deveria ser a nossa missão neste planeta. A minha existência não é em função do meu ego. Me sinto feliz e em paz se uma pessoa fizer uma emsua vida a partir de algo que eu tenha falado”, afirma ela. No dia 11 de agosto, Ana Michelle lançará seu segundo livro, Vida Inteira (Editora Sextante), no qual discorre sobre a finitude e a dimensão do sagrado no dia a dia.
Voluntária na Casa Paliativa, a advogada Maria Paula Bandeira, do Recife, também criou um perfil no Instagram depois do diagnóstico de metástase, a partir de um câncer de mama. Pela internet, conheceu outras pessoas na mesma situação. “Eu me sentia bastante sozinha em relação à doença, porque as dores da minha mãe, do meu marido e minha são diferentes. Compartilhar com outros pacientes é falar com quem nos entende”, diz ela.
No Lenço do Dia (@lencododia) ela descobriu outro propósito: a possibilidade de ressignificar o câncer. “Sou muito focada no hoje e agora. O contato com a finitude me fez enxergar que a gente não pode condicionar os nossos planos a um ‘quando’, porque muitas vezes esse futuro pode não chegar. Aprendi a viver mais intensamente o agora, a enxergar a beleza no hoje”, reflete.
“Muitas pessoas assumem uma postura passiva no tratamento. Não sabem o nome do remédio que tomam
Michele Salek, Servidora pública
Nessa narrativa agressiva, eu não venci, mas também não morri. Então, quem sou eu?
Ana Michelle Soares, Escritora
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