O governo do Paraná vai anunciar nesta quarta-feira, 12, um acordo com o Ministério de Saúde da Rússia para a produção de uma vacina contra o coronavírus. O acordo prevê que o Estado realize testes, produza e distribua a vacina após a validação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que vai analisar os resultados das pesquisas russas. Nesta terça-feira, 11, o presidente Vladimir Putin afirmou que a Rússia se tornou o primeiro país do mundo a aprovar a regulamentação da vacina chamada de Sputnik V.
O embaixador da Rússia no Brasil, Sergey Akopov, tem encontro agendado com o governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), nesta quarta-feira, às 14h. A expectativa é de que o encontro formalize a parceria para a produção da vacina. O chefe do fundo soberano da Rússia, Kirill Dmitriev, afirmou que a vacina deveria ser produzida no Brasil após aprovação regulatória.
Após a assinatura do acordo, o próximo passo é o compartilhamento do protocolo russo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil para a liberação das próximas etapas. O Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) deve ser um dos polos de produção e distribuição da imunização para a América Latina e representante técnico na parceria. O instituto seria a "ponte" com o Instituto Gamaleya de Epidemiologia e Microbiologia, localizado em Moscou, onde estão sendo produzidsa as vacinas russas.
"Possivelmente nesta semana será assinado um termo de cooperação entre o governo do Paraná e a Rússia para iniciar as tratativas técnicas. Nós não vamos avançar se não tivermos a anuência dos órgãos reguladores como a Anvisa e a Comissão Nacional de Ética e Pesquisa. Ainda é uma fase inicial", afirma o biólogo Jorge Augusto Callado Afonso, diretor-presidente do Tecpar.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou nesta terça-feira, 11, que não recebeu ainda pedidos de autorização para pesquisa ou de registro da vacina russa. "Desta forma, não é possível para a Agência fazer qualquer avaliação ou pronunciamento em relação a segurança e eficácia deste produto antes que tenha acesso a dados oficiais apresentados pelo laboratório", disse o órgão em nota. A agência também afirmou que não pode prever o tempo necessário para dar o aval ao uso da droga.
O convênio entre o Paraná e a Rússia deve prever a realização da fase 3 dos testes em pacientes paranaenses. Embora tenha sido registrado, o imunizante ainda será submetido a ensaios clínicos para testar sua segurança e eficácia. Caso a imunização seja aprovada pela Anvisa, o estado paranaense estará autorizado a produzir e distribuir a vacina em seu território, o que garante certa vantagem na transferência de tecnologia. A assinatura do convênio permite ainda que o Estado saia na frente em uma eventual campanha de vacinação, por exemplo, considerando uma futura validação do imunizante. Por outro lado, se a vacina for aprovada, ela será produzida em larga escala, tanto no Brasil como na Rússia, e será fornecida para o Ministério da Saúde. O modelo é semelhante ao adotado na parceria entre o Instituto Butantã, em São Paulo, e a empresa chinesa Sinovac Biotech para a produção da vacina Coronavac, que também está na fase três de testagem.
Segundo país do mundo em número de casos e mortes por covid-19, atrás apenas dos Estados Unidos, o Brasil tem recebido consultas constantes e representantes de outros países interessados em trazer a medicação para imunizar a população contra a covid-19. O primeiro acordo foi para a fabricação na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford, do Reino Unido, e a farmacêutica AstraZeneca. Na última terça-feira, 4, o Ministério da Saúde realizou reunião com a empresa chinesa Sinopharm. No mesmo dia, as tratativas foram sobre sobre vacina da Rússia com representantes do Fundo de Investimento Direto da Rússia (RDIF).
Dúvidas
Os estudos sobre a vacina russa geram dúvidas na comunidade científica mundial. O Ministério da Saúde da Rússia informa que as pesquisas estão na fase 3, a última e mais importante das etapas de produção de uma vacina, mas não divulgou estudos em nenhuma revista científica sobre os resultados, duração e os detalhes das fases anteriores. Na Rússia, é possível registrar vacinas após a primeira fase de testes, realizadas com pequenos grupos. Além disso, a vacina foi aprovada após menos de dois meses do início dos testes em humanos.
"Temos de respeitar a questão de sigilo do laboratório. No momento das validações e autorizações, os dados serão divulgados no âmbito técnico e científico. Como não temos ainda nada assinado, não podemos pedir informações. Antes de pensar na produção da vacina, nós temos de pensar na validação dos resultados", explica Jorge Callado, que já foi secretário do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Paraná e diretor superintendente da Fundação Parque Tecnológico Itaipu (PTI).
Embora o governo russo tenha programado uma vacinação em massa contra a covid-19 para outubro, Callado mostra cautela em relação às eventuais campanhas de imunização no País. "A comunidade científica no Brasil cita o período do segundo semestre de 2021 como um prazo responsável. Antes disso, você está arriscando muito. Depois de pronta, a vacina passa por muitos testes, que levam algum tempo antes da disponibilização para a população. A Rússia pode programar a vacinação para outubro lá, mas aqui é outra situação".
Embora ainda dependa da assinatura formal, a parceria paranaense é bastante significativa do ponto de vista científico, na opinião do presidente do Tecpar. "Essa parceria não envolve apenas o repasse de um produto acabado. Ela envolve transferência de tecnologia. Isso auxilia o País a ter maior autonomia e a entrar no circuito internacional dos imunizantes", afirma o cientista. (COLABOROU MATEUS VARGAS)
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