O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse nesta segunda-feira, 11, que o programa de vacinação contra a covid-19 pode priorizar inicialmente a aplicação de só a 1ª dose na população, para acelerar uma imunização em massa e reduzir a atual transmissão, que tem crescido nas últimas semanas. E só depois todos receberiam a 2ª dose. Estratégia semelhante já foi adotada pelo Reino Unido, que vive seu pior momento na pandemia. Pazuello, porém, evitou mais uma vez definir uma data para iniciar a vacinação no Brasil.
“Com duas doses vai a 90 e tantos por cento (a eficácia da imunização da vacina de Oxford). Com uma dose, vai a 71%. Com 71%, talvez, a gente entre para imunização em massa. É uma estratégia que o CVS (Centro de Vigilância Sanitária) vai fazer para reduzir a pandemia”, disse Pazuello, em visita na segunda-feira a Manaus, região que tem visto uma escalada de 80% nas mortes pela covid-19 nos últimos 14 dias. “Talvez o foco não seja na imunidade completa, mas na redução da contaminação. E aí a pandemia diminui muito. Podendo aplicar a 2ª dose depois de um tempo”, acrescentou.
O discurso de Pazuello segue a decisão emergencial adotada pelo Reino Unido, que sofre com ocupação quase total dos leitos de UTI. O país europeu começou a vacinar sua população em 7 de dezembro com o imunizante da Pfizer, seguindo os protocolos dos testes, com duas doses no intervalo de 21 dias. Mas, com o agravamento da pandemia, mudou o cronograma e passou a oferecer a 2ª dose em 12 semanas após a 1ª. A Pfizer, em comunicado, refutou. “Não há dados que mostrem que a proteção após a 1ª dose seja mantida após 21 dias.”
Especialistas veem a proposta com ressalvas. “O que foi testado é o que temos evidências. Qualquer mudança nesse esquema, ainda que em situação de emergência de saúde pública, a gente acaba indo para um terreno de incerteza”, critica Ethel Maciel, epidemiologista da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
“Os ensaios não foram desenhados com uma dose só. Corre o risco de não fazer efeito, de acontecer uma perda de eficácia”, enfatizou ela, que participou das discussões do plano nacional de imunização a pedido do governo federal.
No mês passado, a médica Lily Yin Weckx, coordenadora do Centro de Referência de Imunobiologia Especial da Unifesp, responsável por coordenar o estudo clínico da vacina no Brasil, disse ao Estadão que foi observado o grau de proteção de 70% após a 1ª dose, mas em um período de observação curto, de três semanas depois da aplicação. Com as duas doses, segundo ela, a quantidade de anticorpos é maior e há mais chance de duração maior da proteção.
Ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Gonzalo Vecina Neto critica o Brasil copiar planos estrangeiros, mas não acredita que a ideia deva ser ignorada. “Não é um absurdo. Está sendo discutido no mundo inteiro. Só que é uma decisão muito técnica e tem que ser tomada pela sociedade do ponto de vista científico”, disse ele, sanitarista e colunista do Estadão. “Como é que um País com as características demográficas do Brasil vai usar o mesmo plano que europeus e americanos? Tem algo errado”, aponta. “No Brasil está morrendo muito mais pobre, muito mais negro do que na Europa. Somos um país extremamente desigual. O plano de vacinação deveria ser diferente, e não é.”
Sem prazo. O ministro voltou a afirmar que a vacinação terá início simultâneo em todas as unidades da federação, mas não informou data. Disse, vagamente, que será “no dia D e na hora H”. No cenário mais otimista, a pasta projeta começar a campanha em 20 de janeiro - cerca de 50 países já começaram a vacinar.
A única garantia que deu é que os brasileiros estarão vacinados “três a quatro dias” após a aprovação do uso emergencial de qualquer vacina pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No processo mais adiantado, a Fiocruz pediu na sexta-feira o aval para aplicação emergencial da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e pela farmacêutica AstraZeneca. O ministério estima dez dias para a chegada de 2 milhões de doses do produto importadas da Índia.
O Instituto Butantã também pediu no mesmo dia autorização para uso da Coronavac, desenvolvida pelo órgão ligado ao governo paulista e o laboratório chinês Sinovac. No caso desse imunizante, porém, a Anvisa cobrou mais informações.
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