Um estudo realizado pelas universidades federais do Rio Grande do Norte (UFRN) e do Paraná (UFPR), em parceria com instituições de saúde do Reino Unido, trouxe novas evidências sobre os efeitos do ciclismo no cérebro. Publicada nesta quarta-feira, 2, na revista científica Plos One, a pesquisa revela que pedalar— especialmente com os olhos fechados — organiza a atividade cerebral, o que pode beneficiar pessoas com condições neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer.
A motivação para a pesquisa surgiu de um estudo holandês que observou um paciente com Parkinson avançado cuja capacidade de andar de bicicleta se mantinha intacta, mesmo que caminhar já não fosse uma tarefa tão simples assim, conta o neurocientista John Fontenele Araújo, professor do Departamento de Fisiologia e Comportamento da UFRN e um dos autores do novo artigo.
“Esse paciente apresentava a chamada ‘marcha congelada’, caracterizada por instabilidade postural, tremores e passos lentos. Porém, ao ser colocado na bicicleta, ele conseguia pedalar tranquilamente, com um simples impulso nos pedais. Na pesquisa atual, nosso objetivo foi investigar os mecanismos que possibilitaram isso”, explica Araújo.
No estudo, a atividade cerebral de 24 adultos saudáveis foi analisada durante a pedalada e em períodos de descanso. Utilizando uma bicicleta estacionária horizontal, semelhante a um pedalinho, os pesquisadores observaram a entropia dos participantes, um indicador de desorganização. Os resultados mostraram que, durante a pedalada, especialmente com os olhos fechados, a entropia diminuía e a atividade cerebral ficava mais organizada, facilitando os movimentos.
“Isso é particularmente relevante para pessoas com Parkinson, que frequentemente apresentam entropia elevada mesmo em repouso. Ou seja, as atividades cerebrais estão quase sempre desorganizadas”, observa o pesquisador.
A redução na complexidade cerebral durante a pedalada pode estar ligada à natureza repetitiva da atividade. Segundo Araújo, os movimentos constantes e os estímulos sensoriais gerados pela prática, como a sensação das pernas em movimento, ajudam a sincronizar os impulsos nervosos, diminuindo o esforço cerebral necessário e tornando essa atividade mais simples do que a caminhada.
Embora o estudo tenha utilizado um tipo específico de bicicleta, o pesquisador ressalta que o importante é pedalar, independentemente do modelo do equipamento. No caso das pessoas com doenças neurodegenerativas, contudo, é melhor que o exercício seja feito com cadeiras mais seguras, como aquelas que possuem encosto.
“Não é preciso fazer força. Você pode até usar um motor nos pedais. O efeito não vem da força muscular, mas da ativação sensorial nos joelhos e nas pernas, resultante do movimento. O pedalar possui uma característica essencial: enquanto se pedala, os movimentos das duas pernas são simétricos, pois os pedais estão acoplados. Essa simetria gera um retorno sensorial importante”, explica o professor.
Benefícios físicos, cognitivos e mentais
São vários os benefícios envolvidos na prática, de acordo Araújo. No caso do Parkinson, a lentidão nos movimentos é uma característica comum. No entanto, ao pedalar, o movimento se torna mais fluido, o que promove redução das dificuldades motoras e melhoria do sistema cognitivo.
“Alguns pacientes que enfrentam dificuldades para falar conseguem se comunicar melhor após começarem a pedalar. O mesmo acontece com a caminhada. É como se, no Parkinson, o paciente estivesse preso e o ato de pedalar o libertasse”, afirma. O pesquisador também ressalta que a atividade pode fortalecer o sistema cardiorrespiratório, crucial para a melhora do quadro clínico.
Para pessoas que não possuem doenças neurodegenerativas, Araújo ressalta dois efeitos principais do ato de pedalar. Primeiro, ao ativar os neurônios de maneira específica, a prática funciona como um tipo de treinamento para o córtex cerebral, promovendo uma ativação saudável e agradável. “Isso significa que as pessoas tendem a se sentir melhores durante e após a atividade, resultando em uma melhora no estado de humor e na saúde mental.”
Em segundo lugar, pedalar aprimora a capacidade de respostas motoras, contribuindo para um desempenho físico mais eficiente no cotidiano.
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Os pesquisadores pretendem, agora, avaliar a complexidade e o padrão de sinais emitidos pelo cérebro em condições diferentes de pedalada. O objetivo é investigar possíveis diferenças entre modelos de bicicleta, ambientes de realidade virtual, atletas de alto desempenho e pacientes diagnosticados com condições neurodegenerativas, por exemplo.
Segundo o professor, estudos centrados em pacientes com Parkinson já estão sendo realizados, visando contribuir para tratamentos que preservem o controle motor durante a doença, mas não seria necessário aguardar os resultados dessas pesquisas para dar os primeiros passos. Diante dos benefícios do pedalar, Araújo defende que seria importante gestores das áreas de saúde e infraestrutura urbana considerarem essa prática em suas políticas.
“Hoje, não temos tratamento para esse tipo de condição. Mas pode ser que daqui a 5, 10 anos, nós tenhamos. Oferecer uma melhor qualidade de vida para essas pessoas agora significa possibilitar que, lá na frente, elas possam se beneficiar de possíveis tratamentos da melhor forma.”
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