Nem restrição total, nem dieta que prioriza alimentos de origem animal: os flexitarianos buscam o meio-termo. Nesse padrão alimentar, equilíbrio é a palavra-chave. Por isso, ainda que os vegetais componham a base da alimentação, como nas dietas vegetarianas e veganas, os flexitarianos abrem uma exceção em determinadas ocasiões para consumir a proteína animal. O objetivo não é eliminar a carne, mas reduzir o seu consumo.
E isso pode trazer muitos benefícios à saúde. Ao investir na proteína de origem vegetal, presente no feijão, lentilha, grão-de-bico e tofu, entre outros alimentos, é possível controlar os níveis de colesterol, o que reduz as chances de doenças cardiovasculares, como hipertensão e enfarte. Isso acontece porque os alimentos de origem animal, em especial a carne vermelha, costumam ser ricos em gorduras saturadas que, quando consumidas em excesso, podem causar complicações à saúde.
Há, ainda, outros benefícios importantes. Segundo a nutricionista Tatiana Consoli, integrante do Departamento de Medicina e Nutrição da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), esse padrão alimentar permite uma maior ingestão de fibras, que estão presentes em verduras, grãos, frutas e legumes. Aumentar a ingestão de alimentos ricos em fibras pode auxiliar na redução da absorção de açúcares e gorduras, além de melhorar a sensação de saciedade.
Como resultado, além de minimizar as chances de complicações cardiovasculares, reduzir a quantidade de carne consumida pode evitar doenças como câncer. Desde 2015, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta para o potencial cancerígeno das carnes processadas, como presunto, linguiça e bacon. A nutricionista também sinaliza para menores riscos de diabetes tipo 2, uma vez que a dieta à base de vegetais costuma ter menos gorduras e açúcares.
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Cuidados
No entanto, ao reduzir os alimentos de origem animal, é comum que uma dúvida apareça: será que estou consumindo a quantidade de proteínas necessárias? E é provável que sim. “A população brasileira tem um padrão alimentar em que o consumo de proteínas é muito acima das nossas necessidades”, explica Tatiana. “Quando comparamos uma alimentação à base de vegetais com uma em que a proteína animal é presente, vemos uma redução no consumo de proteínas, mas que ainda atinge e pode ultrapassar as necessidades que o corpo precisa.”
Em determinadas situações, como entre as pessoas que praticam atividades físicas intensas e de forma frequente, pode ser necessário a ingestão de mais proteínas do que o necessário para a média da população. Se for o caso, é importante o acompanhamento nutricional para que o especialista indique a melhor fonte e maneira de adquirir essas proteínas.
Outra preocupação é com a vitamina B12, que está presente nos alimentos de origem animal, como carnes, ovos, leite e seus derivados. Ela é responsável, entre outras funções, pela formação das células sanguíneas e dos neurônios. Por isso, quando está em níveis baixos, os principais sintomas são danos neurológicos e problemas de disposição física e mental.
A recomendação é que vegetarianos, veganos e flexitarianos façam suplementação dessa vitamina e exames frequentes para acompanhar os níveis dela no sangue. Mas essa não é uma preocupação apenas para quem faz a redução ou retirada da carne e derivados da alimentação. Pessoas que consomem proteína animal também podem apresentar baixos níveis de vitamina B12. Nesse caso, por problemas na absorção dela pelo organismo.
“Em torno de 40% da população onívora, aquela que ainda consome produtos de origem animal, têm baixos níveis de B12″, diz a nutricionista. “Por isso, é importante o acompanhamento nutricional em qualquer padrão alimentar para entender se é necessário a suplementação.”
Flexitarianos também devem se atentar ao consumo de ultraprocessados. “Às vezes, as pessoas reduzem a quantidade de carne e começam a consumir mais alimentos ultraprocessados”, explica Tatiana. Opções como hambúrgueres, salsichas e petiscos, ainda que com a promessa de serem feitos a base de plantas, são alimentos ultraprocessados e estão repletos de sódio, aditivos químicos, corantes e conservantes. A recomendação é optar por alimentos mais naturais ou fazer sua própria versão desses alimentos em casa.
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Estilo de vida em ascensão
A relações públicas Grazi Massonetto, de 32 anos, faz parte do grupo que resolveu adotar o flexitarianismo como um estilo de vida. Depois de 10 anos em uma dieta vegetariana, ela resolveu que era hora de flexibilizar o consumo, mas sem deixar a consciência ambiental e o apoio à causa animal de lado. “Eu comecei a sentir falta da carne e fui voltando aos poucos”, conta. “Mas como em situações específicas: quando vou na casa de algum parente ou em ocasiões especiais, como o Natal. Não costumo consumir na minha casa e não me faz falta.”
Legumes, frutas e verduras são, portanto, a base da alimentação dela e de sua família, formada pelo marido, que é vegetariano há mais de 20 anos, e pela filha, que pela influência dos pais já adota um estilo de vida flexitariano aos 2 anos. “Moramos juntos há três anos e nunca fomos ao açougue”, brinca ela, que não tem planos de voltar ao vegetarianismo.
Assim como ela, o flexitarianismo tem atraído muitos adeptos justamente por exigir poucas adaptações e oferecer diversos benefícios. Segundo pesquisa do Ipec, realizada em 2021, 46% dos brasileiros já deixaram de consumir carne, por vontade própria, ao menos uma vez na semana. Essa tendência está expressa nos números da indústria nacional de alimentos plant based. Em 2015, o faturamento do setor foi de US$ 48,8 milhões, segundo dados da agência Euromonitor. Cinco anos depois, em 2020, o valor quase dobrou: foram US$ 82,8 milhões de lucro. E a estimativa para 2025 é que o segmento venda US$ 131,8 milhões.
É um mercado em pleno crescimento, mas que, ainda assim, divide opiniões. “Parte do movimento vegano não gosta muito do termo”, pondera Ricardo Laurino, presidente da SVB, que não descarta a relevância desse padrão alimentar, mesmo com as divergências. “O flexitarianismo representa aquelas pessoas que, de forma consciente, buscam a redução no consumo de produtos de origem animal pelos mais diferentes motivos”, diz.
Laurino enxerga várias motivações para adoção desse estilo de vida. Há quem encontre no flexitarianismo uma forma de colaborar para a redução dos impactos ambientais gerados pela produção dos alimentos de origem animal. Outros, se tornam flexitarianos em uma tentativa de se posicionar contra a crueldade animal. Seja qual for o motivo, é um estilo de vida em ascensão. “Quando a gente olha o panorama ambiental do mundo, entendemos porque os flexitarianos estão surgindo e porque a busca pela redução de produtos de origem animal tem crescido cada vez mais.”
Como se tornar flexitariano?
- Transição gradativa. A redução dos alimentos de origem animal não precisa ser abrupta. E isso vale tanto para a frequência, quanto para a quantidade consumida. Pode ficar mais fácil garantir o sucesso desta transição quando ela acontece de forma gradativa e respeitando limites e vontades pessoais.
- Conheça outras fontes de proteínas. É possível adquirir proteínas de alimentos de origem vegetal. Grão-de-bico, feijão, ervilha, lentilha, nozes, tofu, chia, quinoa e soja são algumas boas apostas para quem vai reduzir a quantidade de carne.
- Combine com os cereais. É importante incluir os cereais na dieta flexitariana, como aveia e trigo. De acordo com a nutricionista, a combinação tradicional brasileira de arroz com feijão é bastante nutritiva e recomendada para flexitarianos.
- Planeje seu cardápio. Pode ser que criar um cardápio semanal te ajude na transição. Definir os pratos para os sete dias da semana ou até mesmo cozinhar e colocar em marmitas pode facilitar.
- Consulte um especialista. Ao reduzir a quantidade de carne consumida, pode ser necessário fazer a suplementação de vitaminas, proteínas ou nutrientes. Por isso, o acompanhamento nutricional é fundamental. O especialista poderá avaliar se há ou não necessidade de suplementação.
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