Disponível em abundância no Cerrado brasileiro, o pequi é uma fruta exótica e típica da região Centro-Oeste, com presença marcante na culinária e na cultura regional. Sua árvore, chamada de pequizeiro, prospera e resiste às adversidades do clima tropical do Cerrado, garantindo safras fartas da fruta formada por uma casca verde por fora e bolinhas amarelas por dentro. Não à toa, o pequi recebeu o apelido de “ouro do Cerrado”. Com odor característico, a fruta é rica nutricionalmente e, mais que isso, também promove benefícios à saúde devido ao seu potencial anti-inflamatório e antioxidante. E tudo comprovado cientificamente.
“Há quem o ame e há quem o odeie”, resume o biólogo Cesar Koppe Grisolia, professor do Departamento de Genética do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília, um dos principais pesquisadores do pequi – são mais de 15 anos debruçado em estudos sobre o tema. O interesse em pesquisar a fruta surgiu no final dos anos 1990, devido ao amplo uso medicinal do óleo obtido da polpa do pequi por comunidades regionais (formada por indígenas e quilombolas) para o tratamento de resfriados, dor de garganta e processos inflamatórios.
“O pequi faz parte da tradição goiana por causa das suas propriedades fitoterápicas. O óleo do pequi é muito usado na medicina folclórica e, por isso, decidi pesquisar se os benefícios realmente se comprovavam na medicina baseada em evidências”, explica o professor.
Riqueza nutricional
Ao analisar a composição nutricional do fruto, descobriu-se que a polpa do pequi é rica em lipídios (o nome técnica das gorduras), proteínas, fibras, carboidratos, além de possuir uma boa quantidade de frutose. Além disso, contém diferentes substâncias antioxidantes, como ácido ascórbico, compostos fenólicos e carotenoides (como betacaroteno, licopeno, luteína, entre tantos outros). E os benefícios nutricionais não param por aí. A polpa do pequi ainda é rica em vários minerais, como cálcio, fósforo, magnésio, potássio, ferro e cobre, além de ser fonte de vitaminas A, B1, B2 e B3.
“Nutricionalmente falando, o pequi tem vários compostos importantes. É fonte de vitaminas, tem uma gordura boa, e tem um monte de substâncias benéficas para a saúde. Não tem algo que possamos dizer que é exclusivo do pequi, mas ele é interessante porque é um alimento muito encontrado numa região de cerrado e de sertão e faz parte de um contexto de cultura alimentar”, explica a nutricionista clínica Maísa Mota Antunes, pesquisadora do Departamento de Biologia Celular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Segundo Maísa, quando a fruta está madura, tem um sabor adocicado – embora sua principal forma de preparo seja tradicionalmente focada em pratos salgados: o alimento é preparado como arroz de pequi e na galinhada típica do centro oeste. Seu óleo é mais espesso, como o óleo de dendê, por isso ele não é usado em tempero de saladas, por exemplo. O pequi também é consumido como sorvete, licor e castanha. “Isso falando em produção pelas comunidades locais. Nem chegamos nos compostos isolados, que são bastante estudados em laboratórios”, disse.
A pesquisadora ressalta, no entanto, que para o pequi estar no ponto para o consumo, ele deve ter caído naturalmente da árvore – não adianta tirar do pé antes de estar totalmente maduro, como fazemos com a manga, por exemplo. “Se o pequi for colhido sem estar maduro, ele não vai amadurecer e vai ter o gosto mais amargo”, ressaltou.
Em geral, antes de ser consumido, o pequi é cozido. Ao roê-lo, é preciso ter muito cuidado para não mordê-lo de jeito nenhum. Isso porque a fruta tem uma grande quantidade de espinhos ultrafinos abaixo da polpa, que grudam na gengiva, na boca, na língua e só são removidos com auxílio de uma pinça. “Aqui na região, a gente nasce comendo pequi, então somos atentos a isso. Mas os desavisados precisam redobrar a atenção. Já vi placas em restaurantes escrito: ‘cuidado, não morder’”, brinca Maísa.
Em maio de 2001, o então senador Roberto Saturnino Braga (PSB-RJ) cometeu esse erro. Em uma viagem a Pirenópolis, cidade histórica de Goiás, que fica a 150 quilômetros de Brasília, ele mordeu um pequi. “Ninguém me avisou e, quando eu mordi, senti que alguma coisa estava errada. Fiquei com vergonha de tirar o pequi da boca. Fiquei tentando resolver e, quando fui ao banheiro, já era tarde”, contou o senador à época. Braga precisou se submeter a mais de uma sessão de retirada dos espinhos.
E os benefícios à saúde?
Os primeiros estudos do grupo do professor Grisolia foram feitos em modelos animais e confirmaram que o pequi possui atividades antioxidante e anti-inflamatória, atuando como protetor contra danos oxidativos no DNA.
Nos estudos em humanos, os benefícios se confirmam. O primeiro deles, realizado com um grupo de atletas maratonistas (corredores de fundo), concluiu que as cápsulas de óleo do pequi protegiam contra o estresse físico intenso que leva a lesões oxidativas e microlesões inflamatórias que podem ocorrer durante a corrida. “Corridas de longa distância geram um estresse oxidativo muito forte. E os atletas que correm 42 km costumam ter microlesões vasculares, principalmente nas pernas e nos pés, gerando pequenos focos inflamatórios”, explica o professor.
Para chegar aos resultados, o grupo de voluntários foi avaliado duas vezes: primeiro, eles ingeriam duas cápsulas de óleo de pequi por dia, durante duas semanas antes da corrida. Após a maratona, foram colhidos exames de sangue para análises. Depois, esse mesmo grupo de atletas correu outra maratona, sem o consumo prévio de óleo de pequi. E novamente fizeram exames de sangue.
“Comparamos os mesmos atletas que correram protegidos pelas cápsulas e sem o uso das cápsulas de pequi. As diferenças foram significativas ao demonstrar a proteção contra o estresse oxidativo e processos inflamatórios. Em Brasília, a maioria dos atletas toma as cápsulas de pequi antes de correr uma maratona”, conta o professor Grisolia, ao ressaltar que não existem contraindicações para o consumo.
O segundo estudo científico foi feito com portadores de lúpus eritematoso sistêmico, uma doença inflamatória crônica, em que o paciente produz uma quantidade maior de radicais livres. “Isso causa uma presença maior de focos inflamatórios no organismo da pessoa”, descreve.
A pesquisa foi conduzida na clínica reumatológica do Hospital Universitário da UnB e envolveu 75 pacientes. Os voluntários foram separados em dois grupos: um ingeriu as cápsulas do óleo de pequi por 90 dias, e o outro grupo era controle. Após a análise dos resultados, aqueles que tomaram as cápsulas tinham menos lesões oxidativas e menos focos inflamatórios. Os níveis de proteína C-reativa (que é um marcador de inflamação e risco cardiológico) caíram significativamente.
“O estudo demonstra que o óleo de pequi pode ser usado como um adjuvante ao tratamento convencional do lúpus sem nenhum risco, porque ele faz parte da dieta das pessoas. Só pegamos o óleo da fruta e o colocamos em cápsulas”, frisa Grisolia.
Ao final dos estudos, o grupo de Grisolia registrou as cápsulas de óleo de pequi na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como um produto nutracêutico. Também registrou a patente no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
“Nossos estudos confirmaram cientificamente que a medicina folclórica estava certa. Ratificamos o que a medicina tradicional popular afirmava. E uma forma de preservar a biodiversidade é agregar valor ao produto. Assim, manter o pequizeiro em pé é muito melhor”, finaliza o professor.
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