Pesquisa diz que 1/3 dos médicos ainda acredita na cloroquina, comprovadamente ineficaz contra covid

Levantamento com 3,8 mil profissionais é da Associação Médica Brasileira; presidente da entidade diz que há impacto da falta de diretriz de autoridades públicas e privadas; remédio não ajuda no tratamento nem no combate do vírus

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Levantamento da Associação Médica Brasileira (AMB) apontou que mais de 1/3 dos médicos vê algum tipo de eficácia no dito "tratamento precoce" para infectados da covid-19, cuja ineficácia contra a doença já foi comprovada cientificamente. Segundo a pesquisa, feita com 3.882 profissionais em formato online, 34,7% fazem essa avaliação para a cloroquina e 41,4% para a ivermectina. O uso desses dois remédios tem sido defendido pelo presidente Jair Bolsonaro e até distribuídos em algumas redes públicas, como as de Porto Alegre e do Amazonas. Para a entidade, a falta de consenso sobre o tema causa confusões.

A pesquisa abordou temas gerais da pandemia, como a situação atual nos locais em que os profissionais atuam, avaliação sobre a segunda onda, a saúde mental dos médicos e o posicionamento deles sobre o "tratamento precoce". "Mais de 60% acreditam que a cloroquina é ineficaz, mas alguns ainda acreditam que é para prevenção (pesquisas científicas também já comprovaram que não há benefício no uso desses remédios para evitar a infecção pela covid). Hoje, os estudos controlados, que têm validade para atestar a eficácia, apontam que esses medicamentos não atenuam e não reduzem mortalidade", diz César Eduardo Fernandes, presidente da AMB.

Hidroxicloroquina pode causar efeitos colaterais graves. Foto: REUTERS/George Frey

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"Essas medicações não são isentas de efeitos colaterais, que podem ser graves", acrescenta ele. Remédios desse tipo, muitas vezes tomados até sem orientação médica, podem causar reações adversas nos pacientes, como aumento de pressão arterial, tontura e alterações gastrointestinais, e até resistência bacteriana. 

Segundo Fernandes, os médicos estão sendo impactados pela falta de uma diretriz sobre o uso dessas medicações. "Eles recomendam pela falta de fala uníssona das autoridades públicas e privadas. É como ter, em uma trincheira de luta, um soldado que atira para a frente e outro, para trás. A manutenção de 28,2% de colegas que ainda acham que é eficaz (apenas para as manifestações iniciais) é por causa da confusão que as autoridades têm causado", afirma. 

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Para o médico sanitarista Gonçalo Vecina Neto, posicionamentos incorretos dos órgãos oficiais do Sistema Único de Saúde (SUS) pesam nesse cenário, além da falta de clareza dos conselhos da categoria. "Apesar das pesquisas, os médicos continuam acreditando porque uma parte não está muito plugada na ciência. São médicos que não acompanham ciência e estão buscando a salvação dos pacientes deles. Acreditam no que querem acreditar", diz ele, colunista do Estadão e ex-secretário municipal de Saúde de São Paulo. 

"Posso dizer que tomei ivermectina e sarei. Posso também dizer que comi pudim todo dia e sarei. Uma coisa não tem relação com a outra. O fato de você tomar precocemente um remédio quando achava que estava doente não foi necessariamente o que te curou. Talvez tenha sido a história natural da doença e, se não faz uma boa pesquisa clinica, não tem como saber", alerta Vecina. 

Presidente da Associação Paulista de Medicina (APM), José Luiz Gomes do Amaral diz que a polarização interfere. "Certas doenças evoluem bem com tratamento, sem tratamento e apesar do tratamento. O que não se pode deixar prevalecer é um clima de torcida de futebol. Que as nossas lideranças deixem para os técnicos as questões técnicas, que elas sejam respeitadas e não, via polarização, tentar desacreditar o que a ciência busca confirmar ou orientar." Sobre a vacina, 97,5% afirmaram que não só vão tomar, como vão prescrever para seus pacientes.

A pesquisa foi feita por meio de questionário online e foi respondida por médicos de todas as regiões do País em janeiro - os profissionais de São Paulo responderam entre 18 de dezembro de 2020 e 18 de janeiro. A margem de erro é de um ponto porcentual para mais ou para menos. Entre os mais de 3 mil médicos que participaram, 54% atuam na linha de frente de combate ao vírus em instituições públicas e privadas.

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Em relação aos profissionais que atendem pacientes com o novo coronavírus, 91,5% afirmaram ter notado tendência de alta em algum grau e 69,1% notaram esse mesmo quadro em relação às mortes. Para 80,8% dos médicos, a segunda onda é tão grave ou pior do que a primeira. O levantamento apontou ainda que, por causa da atuação contra a doença, 92,1% dos médicos relatam sintomas como ansiedade (64%), estresse (62%), sensação de sobrecarga (58%), exaustão física ou emocional (54,1%).

Os médicos avaliam também que não há uma compreensão da população de que as medidas de proteção, como uso de máscaras e evitar aglomerações, devem ser adotadas. Metade (50,5%) respondeu que nenhuma medida tem adesão suficiente da população.

Também não estão sendo realizadas pelas autoridades de Saúde. A falta de rastreamento de contactantes foi marcada por 88% dos médicos, assim como ventilação de ambientes (80,5%), testes (77,7%), isolamento em caso de sintomas (76,1%). Assim, 78,5% avaliaram a atuação do Ministério da Saúde como regular ou ruim/péssima. Sobre as secretarias estaduais, o índice foi de 63,8%.

Três em cada quatro profissionais observem sequelas em pacientes

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Além de abordar casos e óbitos da doença, a pesquisa também englobou as sequelas em pacientes que se curaram da covid-19. E 72,8% afirmaram ter constatado essa situação. Mais da metade (56,5%) recebeu pacientes com sequelas mais brandas, como dor de cabeça incessante, fadiga e dores no corpo, mas há relatos de fibrose pulmonar (13,2%), trombose (10,9%), perda de olfato e paladar (8,5%), problemas cardíacos (6%) e acidente vascular cerebral (5,4%).

"Isso precisa ser mais divulgado. Não está bem entendido pela população que não basta não ir a óbito. Algumas sequelas são relevantes."/ COLABOROU ANDREZA GALDEANO

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