Diante do diagnóstico de Alzheimer, uma das principais angústias de pacientes e familiares é entender o que vai acontecer. Por enquanto, não existe cura para a doença, mas os tratamentos ajudam a aliviar os sintomas por um período de tempo, melhorando a qualidade de vida e a funcionalidade do paciente, o que torna essa previsão cada vez mais relevante. Não à toa, pesquisadores de vários centros do mundo tentam encontrar maneiras eficazes de predizer o avanço da doença e, dessa forma, conseguir intervir mais cedo e de maneira mais eficaz.
Pesquisadores da Holanda, por exemplo, desenvolveram um modelo que pode prever com certo grau de segurança o avanço do declínio cognitivo em pacientes com comprometimento cognitivo leve ou demência leve devido à doença de Alzheimer.
Para desenvolver o modelo, o grupo se baseou em dados de quase 1 mil pacientes com a doença e analisou informações como idade, sexo, resultados de testes cognitivos, exames de ressonância magnética e de biomarcadores coletados do líquido cefalorraquidiano.
De acordo com o resultado do estudo, embora a ferramenta não indique com certeza absoluta como será o avanço do declínio cognitivo (algo muito individualizado), ela consegue sugerir uma previsão do curso da doença, diminuindo a angústia de pacientes e familiares. Mas ainda não é possível usar o modelo na prática clínica – por enquanto, um protótipo está disponível somente para uso em pesquisas científicas.
Em outra pesquisa, realizada na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, cientistas desenvolveram uma ferramenta de inteligência artificial capaz de prever se pessoas com sinais de perda da função cerebral permaneceriam estáveis ou desenvolveriam a doença de Alzheimer num período de três anos. O algoritmo atingiu 82% de acerto – 4 em cada 5 casos.
Para construir o modelo, os pesquisadores cruzaram dados de mais de 400 pacientes, incluindo os resultados de avaliações cognitivas e ressonâncias magnéticas, e depois validaram a ferramenta realizando testes com pacientes nos Estados Unidos, Reino Unido e Cingapura.
Os resultados apontam que o modelo foi cerca de três vezes mais preciso na previsão da progressão da doença de Alzheimer do que o padrão atual. Para os pesquisadores, essa abordagem poderia reduzir a necessidade de testes de diagnóstico invasivos e caros, além de melhorar o prognóstico, já que a intervenção ocorreria mais precocemente, num momento em que o tratamento traria melhores resultados.
“O campo da inteligência artificial está crescendo muito no mundo todo. Esses trabalhos são bem interessantes, mas ainda é tudo muito embrionário. Ninguém está diagnosticando demência desse jeito em nenhum lugar do mundo”, ponderou a geriatra Claudia Suemoto, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e coordenadora da Comissão de Inovação em Doença de Alzheimer e Demências da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).
“Com certeza, estamos caminhando para esse tipo de abordagem, com o desenvolvimento de dispositivos mais tecnológicos. Tudo isso vai acontecer um dia, mas ainda está muito longe da prática clínica, principalmente na área da demência”, acrescentou.
Na avaliação do geriatra Charlys Barbosa Nogueira, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e membro da comissão que estuda o tema na SBGG, exames de predição em pacientes com quadros cognitivos instalados podem ser interessantes para entender a causa do problema e melhorar o tratamento.
“Se tenho um paciente ainda com comprometimento leve e com doença de Alzheimer, posso iniciar o uso dos medicamentos mais atuais, já disponíveis nos Estados Unidos e que devem chegar ao Brasil em breve. Porém, para isso, preciso de um diagnóstico com mais certeza”, disse.
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Demências e Alzheimer
As demências são caracterizadas pela deterioração da memória, do pensamento, do comportamento e da capacidade de realização de atividades cotidianas. Existem vários tipos de demência, sendo a doença de Alzheimer a mais prevalente (representa cerca de 80% dos casos).
O Alzheimer é caracterizado pelo acúmulo de duas proteínas no cérebro: Tau e beta-amiloide. Com o passar dos anos, elas levam à morte dos neurônios e ao desenvolvimento da doença neurodegenerativa. O problema é que essas proteínas começam a se acumular cerca de 20 a 30 anos antes de os primeiros sintomas aparecerem, entre eles a perda de memória, alterações de linguagem e perda da habilidade de planejar atividades cotidianas.
De forma geral, o diagnóstico de Alzheimer é clínico. Começa com a queixa do paciente (ou de algum familiar próximo) relatando episódios de esquecimentos e problemas de memória; passa pela realização de testes cognitivos e avaliação da funcionalidade e, se constatada alguma alteração, por exames para descartar outros tipos de demência (como a demência vascular ou frontotemporal), presença de tumor ou problemas como disfunções da tireoide.
“O diagnóstico de Alzheimer exige três fatores: que exista uma queixa do paciente ou algum familiar, os testes cognitivos e a perda funcional grave o suficiente para atrapalhar o dia a dia daquela pessoa”, disse Suemoto. A certeza do diagnóstico, no entanto, só é possível por meio de exames que medem o acúmulo dessas proteínas: um deles é a análise do líquor (líquido cefalorraquidiano), outro é o PET (um exame de medicina nuclear) e o terceiro é por biomarcadores no sangue.
“São exames muito caros”, comentou a geriatra. “O PET pode chegar a custar entre R$ 7 mil e R$ 10 mil. Não é uma realidade para o paciente no Brasil e nem está disponível em todos os lugares. Para um paciente sem sintomas, será que vale a pena medir essas proteínas? Essa é uma discussão bastante atual”, afirmou.
Mesmo sendo a demência mais comum, a falta de diagnóstico ainda é o principal gargalo para o tratamento da doença de Alzheimer no Brasil. Dados do Relatório Nacional sobre a Demência no Brasil (Renade) apontam que 8 em cada 10 pacientes não são diagnosticados e não recebem tratamento.
A boa notícia é que a doença pode ser prevenida (ou ter o seu início atrasado) com o controle adequado de 12 fatores de risco: cuidar da hipertensão arterial; diminuir a baixa escolaridade na infância; cuidar da perda auditiva; evitar fumar; evitar consumir álcool; tratar a obesidade; tratar o diabetes; manter o convívio social; fazer atividade física; reduzir a exposição à poluição do ar e evitar traumatismos cranianos.
“Se todas as pessoas controlassem esses 12 fatores, reduziríamos em 48% a quantidade de quadros demenciais. É importante que invistam em novas drogas, em novas tecnologias, mas ainda não estamos fazendo o dever de casa no que diz respeito ao diagnóstico e nem em relação à promoção de saúde. Para cuidar do cérebro, tem que cuidar do corpo todo”, finalizou Nogueira.
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