Não foram apenas as vacinas de RNA mensageiro que tiveram seu desenvolvimento acelerado por pesquisas prévias, feitas anos antes do primeiro caso de covid-19. Outros imunizantes com eficácia já anunciada ou que estão na fase final dos testes clínicos foram beneficiados por estudos originalmente iniciados para outros fins.
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“Como já tínhamos tido outros dois surtos de coronavírus no mundo, o de SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave), em 2002, e o de MERS (Síndrome Respiratória do Oriente Médio), em 2012, isso permitiu que fossem feitas pesquisas na área que adiantaram algumas descobertas, como a de qual proteína é responsável por se ligar ao receptor da célula humana. Isso é fundamental para descobrir a forma de neutralizar o vírus”, explica Jorge Kalil, professor titular da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (Incor).
A vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford em parceria com a farmacêutica AstraZeneca - e que no Brasil será produzida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) - usa uma tecnologia criada para responder a outras doenças que assustaram o mundo: o MERS e o Ebola.
Trata-se da plataforma de vetor viral, quando um outro vírus, com menor potencial de causar doença, é usado como vetor para levar o material genético do novo coronavírus para dentro das células humanas, passando as instruções para produção de uma proteína que irá provocar a resposta imune. A mesma técnica é usada na vacina Sputnik V, desenvolvida pelo Instituto Gamaleya, da Rússia. Em ambos os casos, o vetor é o adenovírus, causador de resfriado comum.
Os testes de uma vacina contra a MERS usando essa plataforma já haviam sido iniciados anos atrás pelos pesquisadores de Oxford, mas não foram finalizados porque o vírus praticamente desapareceu, tornando difícil, portanto, a comprovação da eficácia.
“Como MERS é causada por um coronavírus, foi muito fácil aproveitar a plataforma e inserir o SARS-CoV-2 (causador da covid-19) dentro dessa plataforma para se chegar a uma vacina. Muitos estudos de fase pré-clínica já estavam feitos”, explica Sue Ann Costa Clemens, coordenadora dos centros de pesquisa da vacina de Oxford no Brasil e diretora do Instituto para a Saúde Global da Universidade de Siena.
A Coronavac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantã, foi colocada rapidamente em testes com humanos também graças a estudos prévios feitos pela companhia asiática de um imunizante contra o coronavírus causador da SARS. Na época do surto, entre 2002 e 2003, a companhia chegou a realizar a fase 1 de testes clínicos do imunizante, o que agilizou as pesquisas de uma vacina contra a covid-19.
Além das pesquisas prévias, foi fundamental no processo um investimento pesado nas pesquisas de covid-19 e em estudos anteriores que já previam o surgimento de novas doenças.
Uma das iniciativas foi a criação, em 2017, da CEPI (Coalizão para Inovações em Preparação para Epidemias). A organização, criada por governos, fundações e empresas, tem como objetivo financiar pesquisas para novos patógenos que podem representar uma ameaça global. No caso da covid-19, já foi investido US$ 1,1 bilhão para o financiamento de pesquisas de dez vacinas. “Esse investimento foi crucial porque pesquisa custa caro”, diz Sue Ann.