Planos de saúde criam obstáculos para liberar pagamento bilionário a hospitais, diz entidade

Associação que representa hospitais afirma que valores retidos nunca foram tão elevados; operadoras informam que crise no setor tornou análise de contas mais rigorosa, mas que pagamento das instituições está garantido

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Foto do author Thaís Manarini

“Uma situação sem precedentes.” É assim que Antônio Britto, diretor-executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), interpreta os resultados de um levantamento que a entidade realizou na semana passada. Segundo informações levantadas com 48 hospitais, essas instituições estão com R$ 2,3 bilhões retidos em pagamentos por serviços já prestados a operadoras de saúde.

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Esse montante se refere a todos os tipos de procedimentos que são realizados por quem tem um convênio médico: desde o atendimento na emergência e a realização de exames até o pedido por internação. “A conta de todos os serviços prestados no hospital é enviada para a operadora”, resume Britto.

Mas, com as dificuldades que as operadoras estão enfrentando, a Anahp entende que elas passaram a criar obstáculos em todo o caminho que leva até o pagamento.

De acordo com a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), as operadoras registraram em 2022 prejuízo operacional de R$ 10,7 bilhões. Trata-se do pior resultado desde o início da série histórica, em 2001. De janeiro a junho de 2023, a conta já está negativada em R$ 4,3 bilhões, e a perspectiva é que, até o final deste ano, o valor chegue de novo à casa dos R$ 10 bilhões.

De acordo com entidade que representa hospitais, planos de saúde estão atrasando pagamentos referentes a serviços já prestados. Foto: Patrícia Cruz/Governo de São Paulo/Divulgação

As barreiras enfrentadas por hospitais

Segundo a Anahp, as operadoras definiram um único dia para que os hospitais lancem a fatura de um mês inteiro, o que complica o processo de pagamento. Outra estratégia nesse sentido foi fixar um limite de pagamento por mês. “Não importa quantas pessoas foram atendidas, elas só lançam contas até certo valor”, afirma Britto. E, mesmo que tenham dado autorização prévia para determinado procedimento, depois ocorrem questionamentos sobre o que foi feito.

Para ele, os planos têm o direito de recorrer ao que se chama de glosa, que é colocar em análise uma conta com a qual não concordam. Acontece que esse índice quase triplicou. Antes, era de 3,5%. Ou seja, se os planos recebiam uma conta de R$ 100, questionavam R$ 3,50. Agora, a taxa saltou para 9%. “O espírito da glosa é permitir a discussão daquilo que é discutível. Não é um instrumento para arrumar o caixa das operadoras às custas dos hospitais”, afirma.

Já o prazo para os hospitais receberem por todos os atendimentos que prestaram quase dobrou. “E nenhum hospital tem caixa suficiente para contar com esse valor só 50, 70 dias depois”, afirma. “Isso vem criando uma dificuldade muito grande”.

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Déficit dos hospitais deve ser ainda maior

Embora a Anahp tenha ouvido 48 instituições, a entidade representa, no total, 120 instituições. Mas o Brasil conta com mais de 3 500 hospitais privados. “E todo hospital que presta serviço aos planos de saúde está na mesma situação”, informa Britto.

Ele nota ainda que não são só hospitais que oferecem atendimentos a usuários de planos de saúde: há laboratórios, clínicas e serviços de hemodiálise, por exemplo. “São milhares de prestadores de serviços de saúde”, diz o diretor-executivo da Anahp.

Setor vive crise financeira

Segundo Marcos Novais, superintendente executivo da Abramge, todos os atendimentos que aconteceram e não foram pagos estão provisionados, ou seja, o valor referente aos procedimentos está separado e vai cair na conta dos hospitais. “Isso só não aconteceu por causa de algum motivo que arrastou o processo, como a análise de certos gastos”, comenta.

O executivo frisa que o setor vive uma crise financeira nunca vista antes, e esse é um dos motivos que levaram as operadoras a aumentar os filtros diante das cobranças que recebem. “A discussão passa a demorar mais mesmo”, diz. “Quando você está em meio a uma crise, vivendo no prejuízo, os critérios realmente mudam, porque cada centavo importa. O cenário é de falta de recursos na ponta. O que estamos cobrando de mensalidade não está pagando as despesas médicas. Então, precisamos avaliar se a despesa médica está de fato coerente”, defende.

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Mas ele reforça que, embora a apuração das contas tenha se alongado, o dinheiro para o pagamento dos hospitais está reservado. “Dos valores glosados, alguns são devidos e serão pagos. Outros, não”, diz. “No fim, o prejuízo ficará com a operadora.” Novais ressalta que os planos vivem três anos seguidos de prejuízos. “É um momento complicado.”

Entre os motivos apontados para o rombo nas contas, as operadoras costumam citar as fraudes, a chegada de terapias com custo na casa dos milhões, o aumento de idosos na carteira de clientes, a regra que permite número ilimitado de terapias e a judicialização.

Britto faz questão de ressaltar que a Anahp entende a crise enfrentada pelas operadoras de saúde. “Mas ela precisa ser solucionada com diálogo”, afirma. “Esse é um problema que não vai se resolver isoladamente, ou seja, com as operadoras transferindo o problema para os hospitais”, diz. “Precisamos encontrar uma saída para o setor como um todo”, acrescenta. “As pessoas que são antigas e experientes na área dizem que nunca viram nada nem perto desses valores.”

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Novais afirma que essa comunicação já existe, e que nunca foi tão madura como agora. “Hoje, quando as operadoras e os hospitais sentam à mesa para conversar, existe uma sensibilidade. As engrenagens vão começando a dar problemas nesse grande sistema, mas a gente percebe que todos os lados estão tentando se encaixar para dar certo.”

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