A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou nesta quarta-feira, 18, uma mudança no estudo clínico da vacina Butanvac, desenvolvida pelo Instituto Butantan. Voluntários na primeira fase da pesquisa não receberão mais o placebo (substância inativa) como estava previsto anteriormente. A alteração, segundo a Anvisa, foi feita a pedido do Butantan diante da dificuldade de convocar voluntários para o estudo com placebo.
A Butanvac é uma das vacinas contra a covid-19 em etapa mais avançada de desenvolvimento no Brasil. Como o Estadão mostrou, a fase inicial da pesquisa planejava separar os voluntários em um grupo que receberia placebo (uma injeção sem vacina) e outro que receberia a Butanvac. Para a primeira etapa, o Butantan previa selecionar jovens entre 18 e 30 anos ainda não vacinados e que não tivessem contraído a covid-19.
O avanço da vacinação no Estado de São Paulo, porém, dificultou a convocação de pessoas não vacinadas para tomar placebo. A disponibilidade de vacinas no mercado torna antiética a condução de um estudo com placebo, substância sem nenhum componente ativo. Nesta quarta-feira, 18, São Paulo iniciou a vacinação de adolescentes após cobrir boa parte da população adulta com a primeira dose.
Com a mudança autorizada pela Anvisa, a pesquisa agora vai separar os voluntários em grupos que vão receber ou a vacina em teste (a Butanvac) ou a Coronavac. Nesse tipo de pesquisa, é feita a comparação entre os dois imunizantes para estimar se a nova vacina em desenvolvimento protege tão bem ou mais do que a vacina que já existe.
Segundo a Anvisa, “a alteração foi solicitada pelo Instituto Butantan, que, em seu pedido, relatou dificuldades na mobilização de voluntários para o estudo com placebo”. O aval para a mudança no formato do estudo foi publicado nesta quarta-feira, 18, no Diário Oficial da União.
"Com a evolução do esquema vacinal, (manter) o grupo placebo se tornou praticamente impossível. Hoje não temos mais voluntários nem seria eticamente justificável aplicar placebo nessa situação em que a vacina está disponível", justificou o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas.
As incrições para os testes da Butanvac começaram ainda em junho, com boa adesão de interessados em participar dos estudos. O pré-cadastro recebeu mais de 90 mil inscrições. Os primeiros voluntários para a pesquisa da Butanvac foram mobilizados no dia 9 de julho. Naquele dia, houve apenas a realização dos primeiros exames antes da aplicação da vacina em um grupo pequeno de voluntários.
No fim da semana passada, o Instituto Butantan fez um apelo nas redes sociais para a participação de voluntários nos testes. "Dimas Covas faz um apelo a jovens e adultos de Ribeirão Preto e região interessados em participar dos testes da Butanvac. O Butantan busca quem ainda não foi vacinado nem contraiu a doença para se tornar voluntário", escreveu o Instituto, nas redes sociais.
A publicação do Butantan recebeu comentários de jovens que se diziam interessados em participar dos testes, mas que já haviam recebido a primeira dose ou estavam prestes a ser chamados para a vacinação pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI).
O estudante Marcos Vinicius Henrique, de 26 anos, foi um deles. De São Carlos, município próximo a Ribeirão Preto, ele se inscreveu para ser voluntário da Butanvac logo que o Butantan abriu o formulário. Também incentivou parentes e amigos a fazerem o mesmo. "Fiquei bem entusiasmado de contribuir para a ciência", diz o jovem.
Quando recebeu um e-mail do Butantan chamando para fazer uma triagem no Hospital das Clínicas de Ribeirão, porém, Henrique já havia tomado a primeira dose da Coronavac pelo PNI. Ele recebeu o imunizante no início deste mês. "Até tentei ligar no Hemocentro (de Ribeirão, para saber se ainda poderia participar), mas não consegui falar com ninguém."
O médico Jorge Venâncio, diretor da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), disse que não houve necessidade de uma manifestação da comissão em relação ao uso de placebo pela Butanvac. A própria dificuldade em recrutar voluntários, afirmou, levou o Instituto Butantan a mudar o desenho do estudo.
Segundo Venâncio, o protocolo com o uso de placebo foi definido meses atrás, em um momento em que a vacinação no Brasil estava menos adiantada no Brasil. Novas vacinas brasileiras em desenvolvimento, como a Spintec, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), deverão dispensar o uso do placebo, justamente pela dificuldade em convocar voluntários não vacinados.
A primeira fase do estudo da Butanvac vai envolver 400 voluntários. Nesse momento, o imunizante é testado em relação à sua segurança. Depois, serão convocados seis mil voluntários com 18 anos ou mais. Os estudos, então, avançam para identificar se a vacina em teste induz resposta imunológica e se é eficaz para prevenir a covid-19.
A vacina será aplicada com duas doses, em um intervalo de 28 dias entre a primeira e a segunda. A pesquisa deve ser realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.
A Butanvac é uma aposta do Instituto Butantan diante da possível necessidade de revacinação da população no ano que vem. Caso se mostre eficaz, o imunizante poderá ter produção 100% brasileira. Após uma sequência de adiamentos - inicialmente, a promessa era aplicar a Butanvac na população em julho - a previsão agora é concluir os estudos este ano.
Em coletiva nesta quarta-feira, 18, Dimas Covas afirmou que a primeira fase dos estudos com a Butanvac deve ser concluída nos próximos 15 dias.
Como será a medida a eficácia das novas vacinas
Sem usar placebo, as novas vacinas em desenvolvimento no Brasil terão de ser estudadas em comparação com imunizantes que já existem no mercado. No modelo, todos os voluntários recebem vacinas: uma parte toma imunizantes já em uso nos postos de saúde, e a outra parte, doses do produto que se quer testar.A Butanvac será aplicada em um grupo de voluntários e testada na comparação com outro grupo, que receberá Coronavac.
O dilema será: como medir a eficácia da Butanvac? Para o Butantan, o imunizante poderia já ser usado na população após análise da resposta imune produzida no grupo que tomou Butanvac, na comparação com o grupo da Coronavac. Esse modelo dispensaria a fase 3 de testes, que verifica as hospitalizações e infecções nos dois grupos.
Em julho, o Estadão questionou a Anvisa sobre a possibilidade de que pesquisas com vacinas brasileiras possam excluir a análise de infectados ou hospitalizados (fase 3 clássica) e considerar como desfecho só a resposta imune. A Anvisa diz que, para isso, seria preciso definir um anticorpo “padrão ouro” obtido pelas vacinas da covid comprovadamente eficazes. O novo produto, então, seria analisado quanto à possibilidade de gerar este mesmo anticorpo no organismo de quem recebeu a injeção.
Mas, segundo a Anvisa, há discussões internacionais sobre como definir esse “padrão ouro” e ainda “não existe consenso”. Por isso, “neste momento”, informou a agência em julho, mesmo com proposta de comparação entre vacinas, “estudos de fase 3 seriam necessários para verificar o desempenho na prevenção de casos graves e sintomáticos de uma vacina versus outra”.
A medida de eficácia com base na análise de quantas pessoas adoeceram ou não deve fazer com que os testes das vacinas brasileiras demorem muito mais tempo do que os estudos feitos até agora e demandem muito mais voluntários. Isso porque, no estudo comparativo, em que ambos os grupos tomam vacinas, o aparecimento de infecções ou hospitalizações tende a ser mais raro. Os testes com as vacinas anticovid que conhecemos hoje andaram rapidamente, entre outros motivos, porque havia alta circulação do vírus e boa parte da população estava desprotegida.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.