Por que ainda não temos vacinas contra covid-19 para crianças mais novas no Brasil?

Aprovadas para bebês a partir dos 6 meses nos EUA, Pfizer e Moderna ainda não submeteram pedido no País; solicitação de aplicação da Coronavac em pequenos de 3 a 5 anos está há cerca de 100 dias sem decisão da Anvisa

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Foto do author Leon Ferrari

Enquanto o Ministério da Saúde amplia o público elegível ao reforço contra a covid-19, crianças com menos de 5 anos seguem sem imunizante disponível para iniciar a cobertura vacinal. Por quê? Nos Estados Unidos, as vacinas da Pfizer e da Moderna receberam aval para aplicação em bebês a partir dos 6 meses, mas nenhuma das farmacêuticas submeteu pedido para a faixa etária no País. Enquanto isso, a solicitação de uso da Coronavac em crianças de 3 a 5 anos aguarda decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) há cerca de 100 dias.

Pediatras destacam que a imunização dos pequenos contra o novo coronavírus se mostra cada vez mais importante. Isso porque o Brasil vive uma “epidemia” de vírus respiratórios na população pediátrica, e embora adultos tenham sido mais acometidos, a covid também leva jovens a óbito. Ao mesmo tempo, o País enfrenta nova alta de casos alavancada por variantes mais transmissíveis.

Fila para vacinação infantil contra covid-19 na zona oestes da capital paulista Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO - 22/01/2022

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O Instituto Butantan, parceiro do laboratório chinês Sinovac, protocolou a solicitação de aplicação da Conovac em crianças de 3 a 5 anos  no dia 11 de março, mas segue sem uma resposta. Essa é a terceira vez que o centro de pesquisa tenta a liberação do imunizante nessa faixa etária. A vacina já é aplicada em pessoas a partir de 3 anos em países como China, Chile, Colômbia e Equador.

As últimas atualizações dadas pela Anvisa sobre o processo foram de que, em 1º de junho, o Butantan submeteu dados adicionais para análise, e de que, no dia 8, a agência fez reunião com especialistas externos. Ao Estadão, o órgão regulatório informou ter recebido “pareceres das sociedades médicas” e que “vai dar continuidade ao processo”.

A primeira solicitação de dados complementares foi feita pela Anvisa em 14 de abril. Em 11 de maio, o instituto disse ter submetido novos dados para dar suporte ao pedido de extensão do uso pediátrico da Coronavac.

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No material, conforme postagem no site oficial do Butantan, foi anexado um relatório que calculou quantas mortes teriam sido evitadas se a vacina tivesse sido aprovada para a faixa etária. “O estudo demonstra que ao menos 1.471 vidas teriam sido poupadas se as crianças de 3 a 5 anos tivessem sido vacinadas entre 1º de dezembro e 21 de março 2022, que teríamos 58% menos hospitalizações, 57% menos mortes e 599 hospitalizações evitadas.”

Nova tentativa

Essa já é a terceira vez que o Butantan tenta liberação para aplicação do imunizante a partir dos 3 anos. Em julho do ano passado, foi feito o primeiro pedido de inclusão do público de 3 anos a 17 anos em bula, negado em agosto. Em dezembro, a solicitação foi feita novamente.

Em janeiro, o centro de pesquisa recebeu autorização da Anvisa para aplicar o imunizante em pessoas de 6 anos até 17 anos sem imunodepressão. A agência considerou que não havia dados robustos que sustentassem a liberação para as crianças mais novas.

Criança recebe dose da vacina Coronavac contra a covid-19em Bogotá, Colômbia. Foto: Luisa Gonzalez/REUTERS - 31/10/2021

O médico pediatria Eduardo Jorge da Fonseca Lima, ligado à Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), diz confiar na Anvisa, mas que, de fato, a decisão “tem demorado mais do que o esperado”. Na visão dele, a agência pode estar esperando pela publicação dos dados de segurança e eficácia da vacina em crianças de 3 a 5 anos serem publicados em revista científica e revisado por pares.

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Lima destaca que os dados apresentados, enviados pelo Ministério da Saúde do Chile, são “bem convincentes”. A SBP, assim como a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), foram consultadas pela agência.

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O pediatra afirma que não pode falar sobre o teor do parecer apresentado pela associação à qual é ligado, no entanto, diz esperar que a inclusão em bula seja aprovada. “Por ser uma vacina de uma plataforma inativada, portanto, uma plataforma muito usada na pediatria, muito segura.”

Marcelo Otsuka, infectologista e vice-presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), concorda que a agência está demorando para se posicionar. “É um atraso que não procede, que não deveria ocorrer. São situações que acabam prejudicando a população, até porque nós temos muito mais facilmente a Coronavac aqui do que outras vacinas.”

“A partir do momento que nós temos uma infecção grave, todos os fatores que forem benéficos para o controle ou tratamento dessa infecção devem ter agilidade”, explica. “É lógico que nós precisamos de dados robustos. É uma liberação que precisa ser embasada em uma teoria, em uma confiabilidade muito grande. Nós temos isso pra Coronavac? Temos. Inclusive, no Chile tem sido feita a utilização da vacina acima de 3 anos há um bom tempo.”

Mortes entre crianças

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A demora no processo se dá em um momento em que a vacinação pediátrica se mostra cada vez mais essencial. Lima destaca que, por mais que tenha acometido mais os adultos, foram cerca de 3 mil óbitos de crianças por covid entre 2020 e 2021. “É uma das doenças infecciosas prevenidas por vacina que teve maior impacto no Brasil nos últimos anos.”

Por outro lado, há incertezas sobre a síndrome de covid longa nos mais jovens. “Hoje há uma linha de entendimento que aquela hepatite misteriosa está associada a uma forma de covid longa. É uma preocupação a mais”, afirma o pediatra ligado à SBP.

Além disso, conforme explica Lima, o País vive “a pior epidemia de doenças respiratórias em pediatria dos últimos anos”. Ele destaca, porém, que a covid não representa a maior parte dos casos. Conforme mostrou o Estadão no final de maio, Estados como São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Pernambuco viram explosão de crianças internadas, o que tem causado sobrecarga nas unidades, com falta de leitos de UTI e mortes à espera de vaga.

Otsuka lembra que o País também vive nova alta de casos da covid puxada pelas sublinhagens BA.4 e BA.5 da Ômicron. Conforme a Organização Mundial da Saúde, as duas carregam mutação que parece estar relacionada a maior transmissibilidade e escape imune – seja de infecções anteriores ou da vacina.

“A partir do momento que nós temos uma população que é suscetível a infecção, a gente propicia maior circulação e maiores chances de mutações de variantes que podem eventualmente ser mais graves. A BA.4 e a BA.5, de uma certa forma, têm uma maior gravidade pulmonar do que a BA.1”, frisa.

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Na segunda-feira, 20, o Ministério da Saúde divulgou que apenas 37,5% das crianças de 5 a 11 anos completaram esquema vacinal primário de duas doses contra covid. Lima considera que essa taxa é “preocupante”. O pediatra avalia que o resultado aquém do esperado se dá devido à associação de fake news com uma “inércia” do governo em divulgar informação que tranquilize os pais e estimule-os a vacinar os pequenos.

“Não é desleixo dos pais. É o medo de eventos adversos, por isso que a gente ressalta tanto que os eventos adversos das vacinas já administradas no Brasil no público pediátrico, seja Coronavac, seja a Pfizer, são, na densa maioria, leves”, destaca o médico. Além de mais campanhas, ele pede por imunização nas escolas.

Aprovadas nos EUA, Pfizer e Moderna não submeteram pedido de uso de vacinas em crianças a partir de 6 meses no Brasil

A Food and Drug Administration (FDA), órgão americano equivalente à Anvisa, expandiu na sexta-feira, 17, a aplicação das vacinas amticovid da Pfizer e Moderna para bebês acima dos 6 meses de idade. A agência concluiu que os benefícios superam riscos, e atestou segurança e eficácia dos imunizantes. A decisão foi endossada pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).

Conforme a Anvisa, nenhuma das farmacêuticas protocolou pedido de expansão para esse público no Brasil. Questionado se, frente à aprovação do órgão americano se mobilizava para estimular que as farmacêuticas protocolassem solicitação no País, o Ministério da Saúde respondeu apenas que “considera a vacinação de todos os públicos desde que aprovada pela Anvisa”.

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No Brasil, crianças de 5 a 11 anos recebem as vacinas Pfizer e Coronavac Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO - 22/01/2022

Ao Estadão, a Pfizer Brazil disse que a companhia trabalha para submeter pedido a outras agências, inclusive à Anvisa, porém, ainda “não há uma previsão exata de data para submissão”.

Nos EUA, o imunizante da Pfizer foi aprovado em um esquema primário de três doses. As duas primeiras são aplicadas em um intervalo de três semanas. A terceira injeção é aplicada ao menos oito semanas após a segunda. A dosagem é de 3µg (microgramas).

Para crianças de 5 a 11 anos a dosagem utilizada é de 10 microgramas e para pessoas a partir de 12 anos, 30 microgramas. Para ambos, o esquema primário é de duas doses.

Na terça-feira, 21, a Anvisa recebeu pedido da Pfizer para a inclusão da dose de reforço na bula da vacina para crianças de 5 a 11 anos. A solicitação é de aplicação da injeção após 5 meses da segunda. O prazo da análise é de 30 dias. O reforço do imunizante já é aprovado para pessoas com 12 anos ou mais.

A Moderna ainda não tem registro para aplicação do imunizante Spikevax em nenhuma faixa etária no País. Mas assinou contrato com a Zodiac Produtos Farmacêuticos, subsidiária do Adium no Brasil, para distribuir doses por aqui.

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Em maio, ao Estadão, a Zodiac disse que pretendia submeter o imunizante ao crivo da agência ainda no primeiro semestre deste ano. Isso ainda não aconteceu. “Como há a inclusão das indicações para todas as faixas etárias, a documentação é mais extensa e demanda um trabalho maior. Todos os esforços estão sendo realizados, para que a submissão à Autoridade Sanitária e a disponibilização para população ocorra o mais brevemente possível”, declarou, em nota.

No caso da Moderna, a FDA incluiu em bula o uso de imunizante para pessoas de 6 meses até 17 anos. O imunizante é administrado em uma série primária de duas doses – com intervalo de um mês –, com liberação de reforço (terceira dose) ao menos um mês após completar o ciclo para alguns indivíduos com imunodepressão.