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Por que as pessoas acreditam em ‘fake news’? Psicólogo Steven Pinker responde

Em congresso no Rio, professor de Harvard diz que isso tem a ver com tribalismo político: acreditamos naquilo que faz nossa tribo parecer bem, mesmo que fatos não comprovem a ideia

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Foto do author Leon Ferrari
Atualização:

ENVIADO ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO* - O psicólogo e linguista canadense Steven Pinker decidiu que queria ensinar e escrever sobre racionalidade humana. A ideia era falar sobre ferramentas como lógica, probabilidade, estatística, teoria da escolha racional, teoria dos jogos, correlação e causalidade. No entanto, as pessoas estavam interessadas em outra coisa. “Elas queriam saber por que o mundo estava enlouquecendo”, conta ele, que é professor da Universidade Harvard, autor do best-seller Enlightenment Now: The Case for Reason, Science, Humanism, and Progress (O novo Iluminismo: Em defesa da razão, da ciência e do humanismo, no título em português) e já foi considerado, mais de uma vez, uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista Time.

“Por que as pessoas acreditam em teorias da conspiração? Notícias falsas? Em tratamentos médicos malucos, como a homeopatia, mas ao mesmo tempo negam as vacinas? Por que as pessoas acreditam em percepção extra-sensorial? Clarividência? Ver o futuro e vidas passadas? É nisso que as pessoas estão realmente interessadas, não tanto em por que somos ruins em probabilidade e estatísticas”, disse ele neste sábado, 29, durante participação no Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções, realizado no Rio de Janeiro entre os dias 26 e 29 de junho.

Steven Pinker discursa no Brain Congress, no Rio de Janeiro Foto: Leandro Martins/Brain Congress

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Ele segue aconselhando que as pessoas se dediquem às ferramentas básicas, no entanto, lançou-se ao desafio das questões com as quais foi confrontado. “São vários motivos, não apenas um”, fala.

Entre eles, algumas crenças ou “intuições” humanas, como dualismo (“acreditamos que cada humano tem um corpo e uma mente”), essencialismo (“pensamos que os seres vivos têm algum tipo de substância invisível ou química neles que os torna vivos, que lhes dá forma e poderes”) e teleologia (tudo o que fazemos tem uma razão/propósito), mas, para Pinker, o mais importante é o que ele chama de tribalismo político.

“Poucas pessoas mudam de opinião por causa das notícias falsas. As notícias falsas reforçam os preconceitos políticos delas”, afirma. “As pessoas se dividem em setores, tribos ou coalizões, e as ideias que acreditam não são as ideias que são verdadeiras, mas as ideias que fazem a coalizão delas parecer mais inteligente, mais competente, mais moral e nobre do que as outras tribos.”

E é por isso que ele lança o seguinte desafio, que pode parecer óbvio, mas, segundo ele, contra intuitivo para a natureza humana: “você deve acreditar apenas em coisas para as quais há evidências, para as quais há uma boa razão para acreditar que são verdadeiras”.

“Cheguei à conclusão de que essa é a ideia mais radical na história humana”, afirma. “É uma boa lição moral para os jovens: a ideia de que você pode estar errado. Você deve deixar os fatos dizerem o que é certo e errado. Esta é uma ideia muito estranha, exótica, não natural, mas é uma ideia importante, e acho que temos que apoiar a ideia de que somos ignorantes sobre a maioria das coisas.”

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“A única maneira de estar certo é tentar testar nossas ideias, tentar ver o que as tornaria falsas, ver se elas sobrevivem a testes de falsificação. Este é, basicamente, a mentalidade da revolução científica, mas não penetrou toda a população, nem mesmo toda a população de cientistas.”

Negacionismo

A exacerbação desse tribalismo é o que, para Pinker, nos colocou cara a cara com a negação da ciência. Mas como chegamos até aqui?

Ele sugere duas respostas. A primeira é de que as redes sociais fazem as pessoas viverem em bolhas. “Elas são uma máquina para reforçar o tribalismo.” No entanto, ele acha que esse fenômeno não responde por completo, nem mesmo é a mais importante explicação. Pinker avalia que, ao longo das últimas décadas, houve um aumento significativo da “segregação por educação e classe”.

“Cada vez mais pessoas com diplomas universitários vivem próximas em áreas urbanas centrais. Pessoas que não são tão graduadas vivem nos subúrbios mais distantes ou nas áreas rurais”, pontua. “As pessoas são muito mais propensas a apenas viver com pessoas que têm as mesmas crenças. É mais fácil demonizar as pessoas que você nunca conheceu.”

‘É preciso despolitizar a ciência’

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Alguns, diz Pinker, avaliam que, para enfrentar o negacionismo científico, o ideal seria ensinar mais ciência às pessoas. Ele não acha que essa seja a solução.

“A maioria dos cientistas tem a teoria errada sobre por que as pessoas negam a ciência. Eles pensam que as pessoas que negam a mudança climática, vacinas ou a evolução humana são ignorantes. Na verdade, se você der testes de alfabetização científica a eles, como ‘o que é maior: um átomo ou um elétron?’, vão ter as mesmas pontuações do que aqueles que acreditam.”

Isso nos leva de volta ao tribalismo. Para ele, é preciso, então, tirar a ciência dessa polarização, despolitizando-a. “Precisamos tornar as questões científicas não alinhadas com um lado político ou outro, e restaurar a confiança nos cientistas, nas agências governamentais, jornalistas e estatísticos.”

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Como? “Temos que admitir quando somos ignorantes, e mudar de opinião à medida que as evidências mudam.”

“Não somos anjos, não somos deuses, apenas fazemos o nosso melhor”, aponta. “A ciência realmente descobriu algumas coisas. Existem realmente células. Há realmente algo chamado DNA. Mas nunca estamos 100% certos.”

Esse raciocínio, claro, pode nos levar ao completo ceticismo. No entanto, Pinker destaca que o consenso é importante. É assim, por exemplo, que determinamos e aplicamos políticas públicas. O psicólogo aponta o melhor caminho para chegarmos até ele.

“Muitas vezes haverá discordância, mas você realmente tem que dizer sim ou não. Por exemplo, no caso de um paciente com alguns sintomas e alguns exames médicos, você nunca tem 100% de certeza se ele tem uma doença ou não. Opera ou não opera? Dá o remédio ou não dá?”

Aí, segundo ele, precisamos acionar a teoria da decisão estatística. “Você analisa quão ruim seria estar errado em cada direção. Ou seja, quão ruim se ela não tiver a doença, um falso positivo, em que o paciente poderia passar por uma cirurgia desnecessária, e quão ruim seria se você estivesse errado, um falso negativo, se for um câncer, talvez ele cresça rapidamente.”

“Você junta essas coisas e, pelo menos, isso lhe dá uma base racional para tomar uma decisão quando não pode ter certeza da verdade.”

*O repórter viajou a convite do Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções

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