Estar vivo é trabalhar. Os homens das cavernas já ralavam para sobreviver. O surgimento das cidades multiplicou a necessidade de trabalho. Pois não há forma de sobrevivermos como espécie senão trabalhando. Até podemos individualmente escapar do trabalho – por motivos justos, como incapacidades, ou condenáveis, como a simples folga. Claro: se uns poucos não trabalharem, o grosso das pessoas dá conta do recado e o mundo segue em frente.
Mas haveria um problema muito grande se mais e mais pessoas começassem a não querer trabalhar, pensando algo como “só meu esforço não faz falta”. Precisamos plantar, colher, preparar, comer, limpar, e quanto menos pessoas colocando a mão na massa, mais sobrecarregados ficariam os outros. Paradoxalmente, contudo, quanto maior é o grupo, maior a tendência de as pessoas não se esforçarem tanto, se fiando que a coletividade suprirá sua falta de esforço, que talvez nem seja notada.
O primeiro a notar essa contradição foi o engenheiro agrônomo francês Max Ringelmann, no século passado. Numa de suas experiências ele descobriu que ao acrescentar pessoas para puxar uma corda o desempenho do grupo melhorava menos do que seria esperado pelo acréscimo de indivíduos. Cunhou o efeito Ringelmann: indivíduos diminuem sua eficiência conforme os grupos crescem.
É por isso que a preguiça é tão malvista desde sempre. Da fábula em que a cigarra, que não trabalha, é condenada à morte pelo inverno, à recomendação do apóstolo Paulo aos cristãos em Tessalonica (de quem não trabalha também não come), fazemos de tudo para impedir os preguiçosos de se aproveitarem do suor alheio.
A vergonha e julgamento social são instrumentos poderosos para evitar essa folga: quando se permite que a energia que cada um investe numa tarefa seja identificada o efeito Ringelmann é reduzido. (O que os outros vão pensar de mim, afinal.) Mas deixem o empenho anônimo para ver no que dá.
Por outro lado, se não fosse a preguiça, talvez a humanidade não houvesse avançado da mesma forma. Eis o quanto somos contraditórios em nós mesmos. “A preguiça é a mãe do progresso”, segundo o poeta Mário Quintana. “Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda”, diz. Ele conta que certa vez apresentou sua coluna literária toda em branco, com o título ‘Preguiça’, que, para sua indignação, não foi aceita pelos editores.
Pensei em usar a mesma estratégia por aqui. Mesmo se minha editora não aceitasse, esse espaço do jornal poderia ser preenchido pelo trabalho dos outros colegas, não é? Mas a coluna é assinada, identificada. E aí, já viu: o que iriam pensar de mim?
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