Por que nosso intestino funciona de forma diferente nas viagens?

Diarreia e intestino preso são comuns entre viajantes; veja o que fazer para prevenir

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Por Trisha Pasricha

Chegou aquela época do ano em que os pacientes da minha clínica de gastroenterologia me falam sobre seus planos de viagem – e os temidos cenários que os acompanham. Depois de um longo hiato, eles finalmente podem se imaginar afundando os dedos dos pés na areia da praia ou caminhando por uma trilha perfeita até chegarem a uma vista deslumbrante. Mas eles também podem imaginar o estômago borbulhando de repente durante essas atividades, dando-lhes o sinal urgente de que está na hora de correr para o banheiro, principalmente quando não tem nenhum à vista.

Mesmo a pessoa mais regulada às vezes perde seus hábitos intestinais durante as viagens. E, quando a natureza chama em um momento inoportuno (ou então não chama nunca), pode deixar os viajantes na pior.

Mudança de rotina e estresse podem acarretar em diarreia ou intestino preso durante as viagens Foto: Unsplash.com

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“Toda pessoa vive algum nível alteração na função intestinal quando viaja”, disse o especialista em motilidade intestinal Satish Rao, professor de medicina da Faculdade de Medicina Geórgia da Universidade Augusta. “É extremamente comum, embora ninguém goste de falar sobre isso”. Ele enfatizou que os viajantes devem tomar medidas proativas para continuarem regulares, em vez de esperarem até que algo desconfortável aconteça.

Veja por que essas mudanças desagradáveis acontecem e como você pode evitar que elas estraguem suas próximas férias.

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DIARREIA DO VIAJANTE

Agora que voltamos a viajar, você deve estar ciente de que 11,5% dos pacientes com covid-19 apresentam diarreia, de acordo com uma revisão de 43 estudos em 2020. Uma outra revisão de 2020 descobriu que até um em cada seis desses pacientes de covid apresentam apenas sintomas gastrointestinais. Portanto, vale a pena ter testes rápidos de antígeno à mão nas férias.

Mas a diarreia do viajante também deve estar no nosso radar, aconselhou Ronald Blanton, presidente do Departamento de Medicina Tropical da Escola de Saúde Pública e Medicina Tropical da Universidade de Tulane. Até metade dos viajantes de regiões ricas do mundo desenvolve diarreia, que geralmente é causada por bactérias como a E. coli, segundo um estudo de 2017 publicado por pesquisadores de Helsinque.

Hoje, poucos médicos recomendariam tomar antibióticos para prevenir diarreia nas viagens por causa dos efeitos colaterais e pelo fato de que a maioria dos casos se resolve por conta própria (geralmente em cinco dias). Regina LaRocque, especialista em doenças infecciosas do Hospital Geral de Massachusetts, estudou bactérias nas fezes de 608 viajantes norte-americanos que retornaram de viagens ao exterior e descobriu que as pessoas que tomaram antibióticos para a diarreia do viajante eram mais propensas a ter em suas vísceras cepas bacterianas resistentes a medicamentos que lá permaneceram mesmo meses depois das viagens.

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Em vez de antibióticos, Blanton aconselha a tentar tomar diariamente Pepto-Bismol, que contém subsalicilato de bismuto e pode ser até 65% eficaz na prevenção da diarreia do viajante. De modo geral, alimentos bem cozidos são menos propensos a transmitir patógenos. (Se você for consumir alimentos crus, é mais seguro escolher itens com casca que você mesmo tira, como bananas e laranjas). Blanton também incentiva a ajustar os horários das refeições de acordo com os costumes locais. “Se você for jantar às 18 horas na Cidade do México, essa comida provavelmente está lá desde o meio-dia, porque as pessoas comem muito mais tarde do que isso”, explicou ele. “Então a comida é preparada muito mais tarde.”

Quanto às bebidas, embora o café e o chá fumegantes geralmente sejam bons, você deve usar apenas água engarrafada. Mas, mesmo se seguir todas as regras, você ainda poderá ficar doente. Se tiver diarreia do viajante, é fundamental manter a hidratação.

Geralmente, é seguro tomar um medicamento como Imodium para diminuir a frequência das fezes – sobretudo se você estiver em uma situação restrita, como prestes a embarcar em um voo – mas os antidiarreicos devem ser evitados se suas fezes estiverem com sangue ou se houver febre alta. Nesse caso, procure ajuda imediatamente. Outros sintomas preocupantes são tontura, desidratação ou incapacidade de segurar qualquer alimento no estômago.

Outro motivo para procurar atendimento médico é se os sintomas persistirem por mais de duas semanas, seja em casa ou na viagem. Isso pode ser sinal de uma infecção atípica (como de um parasita). Ou pode ser o resultado da síndrome do intestino irritável – uma interrupção de longo prazo nos hábitos intestinais às vezes desencadeada por infecção – que acontece com quase um terço dos pacientes após sofrerem de diarreia infecciosa.

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CONSTIPAÇÃO DO VIAJANTE

Embora menos conhecido, o desenvolvimento de constipação durante as viagens é tão comum quanto o desenvolvimento de diarreia (um estudo de 2003 estimou que afeta cerca de 40% dos viajantes internacionais). Ao contrário de uma etiologia infecciosa, a constipação do viajante tende a surgir de interrupções na rotina do intestino.

“Sabe-se que a constipação ocorre entre trabalhadores noturnos, pessoas como atendentes de companhias aéreas ou enfermeiros, cujos horários variam constantemente”, disse Rao, que estuda a maneira como as atividades diárias afetam o movimento do intestino. Nas décadas de 1990 e 2000, ele conduziu experimentos em voluntários saudáveis examinando como o cólon respondia a alimentação, sono, exercícios e estresse físico e psicológico.

Ele e sua equipe descobriram que, à noite, o cólon “dorme” em um estado mais quiescente, mas, assim que acordamos, começa a zumbir com uma taxa de atividade três vezes maior que dura cerca de 1h30. É por isso que muitas pessoas acham mais fácil defecar logo pela manhã.

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“Seu cólon tem um ritmo e um relógio intrínsecos”, disse Rao. “Quando você viaja, não pode esperar que seu cólon funcione normalmente, porque esse relógio fica completamente alterado.” Além disso, é difícil se exercitar nas férias. “Mesmo se você for relativamente ativo, ficar sentado num avião por horas vai deixar você quase completamente imóvel”, disse. “Isso não ajuda seu cólon”.

O estresse – uma característica comum de muitas férias em família – também pode ter um grande efeito em como fazemos cocô. Embora o estresse psicológico possa estimular os movimentos intestinais, a maioria das pessoas precisa de um banheiro “seguro”, limpo e de preferência privado para se sentir confortável fazendo cocô, disse Rao. Às vezes é difícil de encontrar um banheiro assim durante a viagem, o que pode levar à constipação.

Alguns fatores, no entanto, estão mais sob o controle dos viajantes. Se suas férias envolverem alimentos com baixo teor de fibras, o que pode agravar a constipação, tente consumir mais frutas e vegetais ou tomar um suplemento diário de fibras para manter as coisas em movimento. Para combater a desidratação, que pode ressecar as fezes, recomendo que meus pacientes bebam bastante líquido. Por fim, como beber café com cafeína também aumenta as contrações no cólon, incorporar isso em seu ritual matinal pode dar aquele impulso de que você precisa. “Aconselho a todos os meus pacientes: tente manter sua rotina o máximo possível”, disse Rao.

DE OLHO NO RELOGINHO

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Viajar é pesar riscos e benefícios. Deliciar-se com a culinária local e fugir da rotina são ótimas partes das férias. Saber que seus hábitos intestinais provavelmente mudarão durante a viagem, tomar medidas proativas para se manter regular e ter um plano caso as coisas piorarem podem manter o foco no relaxamento – e, esperançosamente, minimizar o tempo que você passa no banheiro.

TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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