SÃO PAULO - Apesar de ser considerado menos letal que outros vírus da mesma família, o novo coronavírus assusta pela rapidez da sua transmissão. Enquanto o vírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), que causou um surto de pneumonia entre 2002 e 2003, demorou três meses para infectar pessoas fora da China (país onde começou), o novo coronavírus alcançou o feito em apenas um mês.
O vírus da Sars infectou 8 mil pessoas em cerca de dez meses de surto. Já o novo “membro” da mesma família viral já deixou mais de 40 mil pessoas doentes em apenas dois meses. Neste domingo, 9, a Comissão Nacional de Saúde da China informou que o novo vírus já matou 908 pessoas, superando as 774 mortes causadas pela Sars.
Segundo especialistas, o novo vírus, embora ainda em estudo, parece ter características que o fazem mais transmissível e adaptável ao ser humano. No entanto, a transformação radical pela qual a China passou nas últimas duas décadas pode ter ajudado o novo coronavírus a ser mais eficiente em sua meta de buscar novos hospedeiros.
“Tem aspectos ligados ao vírus e aspectos relacionados à nossa cultura e sociedade que influenciam na velocidade de transmissão”, diz Celso Granato, professor de infectologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretor médico do Grupo Fleury.
A sociedade chinesa de hoje é completamente diferente daquela de duas décadas atrás. E no caso de um surto, isso tem aspectos positivos e negativos.
De acordo com dados do Banco Mundial, a China de 2002, que vivenciou o surto de Sars, tinha apenas 38% da sua população vivendo em área urbana. A China de 2020 tem mais de 60% dos seus habitantes morando em cidades, o que aumenta o adensamento populacional e o contato entre as pessoas. Nesse período, a China ganhou pelo menos 100 milhões de novos habitantes.
Na China de 18 anos atrás, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita eraU$ 1.110. Quase duas década depois, o valor cresceu mais de 8 vezes, passando a U$ 9.460. O crescimento econômico e a modernização levaram mais empresas ao país e propiciaram que mais chineses viajassem para destinos domésticos e internacionais.
“Quando ocorreu a epidemia da Sars, entre 2002 e 2003, o PIB chinês representava 4,4% do PIB mundial. Hoje, representa 15%. É a segunda maior economia do mundo, mais pessoas foram para a classe média e o fluxo de chineses no exterior é impressionante”, ressalta Evandro Menezes de Carvalho, coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV Direito Rio.
“O desenvolvimento econômico aumenta o risco de uma disseminação mais rápida de um vírus e, ao mesmo tempo, dá melhores condições para o enfrentamento do surto”, completa o especialista.
Para Deisy Ventura, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP), o avanço da tecnologia e a consequente globalização trazem como “efeito colateral” um risco maior de propagação de doenças. E na China, o risco acaba maximizado.
“Com mais tecnologia, o tráfego de pessoas é cada vez mais intenso. No ano passado, foram 1,5 bilhão de viagens internacionais. É um cenário internacional de propagação de doenças. Mas pelas características demográficas da China e da relação que existe entre o homem e o animal, imaginávamos que a primeira pandemia viria de lá”, diz ela. A primeira foi no México, com o surto de H1N1, mas agora estamos vendo o novo coronavírus”, diz.
Para Deisy, considerando que os deslocamentos internacionais e a globalização só vão se intensificar, é importante investir em saúde e ciência para lidar com novas ameaças. “O que a gente precisa é ter sistemas de saúde bem estruturados e investimento em ciência para tentar antecipar essas mutações de vírus”, destaca.
Particularidades do novo coronavírus
Quanto às características próprias de cada vírus que o tornam mais ou menos transmissível, os especialistas destacam vários fatores, como a via de transmissão, a sua capacidade de se adaptar a um novo hospedeiro, o tempo que sobrevive suspenso no ar e sua velocidade de replicação.
Os vírus de transmissão respiratória costumam ser os mais “eficientes” na contaminação de suas vítimas. Mas outro ponto importante é o quanto o vírus consegue se adaptar a diferentes tipos de hospedeiro, como animais ou seres humanos.
“Alguns têm mais facilidade de aderir às nossas células e aos nossos receptores virais. Esse parece estar se adaptando melhor ao ser humano do que os coronavírus da Sars e da Mers (Síndrome Respiratório do Oriente Médio)”, explica Nancy Bellei, consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia.
O local onde o vírus gosta de ficar concentrado também pode interferir no seu potencial de transmissão. “O vírus da Sars a gente sabe que ficava mais concentrado na parte baixa do sistema respiratório, nos pulmões. Outros vírus ficam mais concentrados na parte superior, como nariz, garganta. Esses são mais transmissíveis”, explica Granato.
A boa notícia é que, caso o novo coronavírus esteja se adaptando bem ao ser humano, a tendência é que ele continue provocando quadros mais leves. “Quando o vírus está bem adaptado, ele provoca infecções mais leves porque sabe que se ele matar o seu hospedeiro ele morre também. Então ele tende a provocar doenças menos graves por uma questão evolutiva”, explica Granato.
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