Porta-bandeira do Brasil em Paris superou câncer; veja como exercícios podem ajudar no tratamento

Novo estudo mostra que a prática de atividades físicas pode contribuir para o aumento de glóbulos brancos que atacam o tumor

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Por Layla Shasta

Raquel Kochhann, de 31 anos, que desfila como porta-bandeira do País na Cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos de Paris 2024, é a primeira atleta brasileira a disputar a competição após se recuperar de um câncer.

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A jogadora de rugby de sete foi diagnosticada com câncer de mama e no osso esterno, no tórax, em 2021, um ano após competir nas Olimpíadas de Tóquio. Ela passou por cirurgia, quimioterapia e radioterapia e, em conjunto com o tratamento, realizou exercícios adaptados para se manter em forma e próxima ao grupo da seleção.

“Nunca vi nada parecido na minha vida. A Raquel mostrou uma força incrível nesse período, vinha treinar todos os dias mesmo durante o tratamento. E, quando não estava treinando, ajudava a equipe da forma que podia: filmando as atividades, levando água para as companheiras ou motivando a equipe. É um exemplo para todos nós”, elogiou o treinador da seleção feminina, Will Broderick.

Raquel Kochhann e Isaquias Queiroz serão os porta-bandeiras do Brasil na cerimonia de abertura da Olimpíada de Paris Foto: Gaspar Nobrega/COB

Decisões como a da atleta, de manter a prática de atividade física durante o tratamento oncológico, são apoiadas por pesquisadores. Diversos estudos têm mostrado que o exercício é um aliado das pessoas com câncer.

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Os benefícios da prática incluem redução da fadiga e das dores, equilíbrio dos níveis de hormônio e promoção de bem-estar. Agora, um estudo finlandês adiciona um novo item a essa lista: praticar exercício por apenas 30 minutos por dia pode aumentar a proporção de células de defesa que combatem o tumor em pacientes com câncer de mama.

A pesquisa, liderada por pesquisadores da Universidade de Turku e divulgada na revista Frontiers, reuniu 19 pacientes com a doença, com idade entre 36 e 68 anos, que ainda não tinham iniciado seus tratamentos.

Para a análise, as pacientes pedalaram em uma bicicleta ergométrica por 30 minutos, com resistência de sua escolha. Foram, então, coletadas amostras de sangue antes, durante e após a pedalada.

Os cientistas descobriram que, durante o exercício, o número e a proporção de células do tipo T citotóxicas, que reconhecem e destroem células tumorais, aumentam na corrente sanguínea. Além disso, com a atividade, houve a redução ou manutenção no número de células que podem estimular o tumor a crescer.

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Próximos passos do estudo

Tiia Koivula, primeira autora do estudo, explica em comunicado da Universidade de Turku que o equilíbrio entre esses dois tipos de células é essencial para determinar se o sistema imunológico atuará contra ou a favor do câncer. “Se houver mais células destruidoras do que células promotoras de câncer na área do tumor, o corpo será mais capaz de combater a doença”, afirma.

Agora, novos estudos deverão examinar o significado dessa mobilização de células de defesa. É preciso entender se, uma vez ampliada a proporção com os exercícios físicos, elas realmente se voltam para o combate às células tumorais – em análises prévias, pré-clínicas, foi observada uma migração para a área do tumor.

“De acordo com o conhecimento atual, é benéfico para todos os pacientes com câncer se exercitarem, e nosso estudo apoia essa noção”, encoraja Koivula.

Mais benefícios

Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), a atividade física promove o equilíbrio dos níveis de hormônios, reduz o tempo de trânsito gastrointestinal, fortalece as defesas do corpo e ajuda a manter o peso corporal adequado. Com isso, contribui para o cuidado com diversos tipos de câncer, havendo fortes comprovações científicas especialmente dos benefícios para o enfrentamento dos tumores de intestino, endométrio, mama e próstata.

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Mas não para por aí. Como explica o oncologista Paulo Bergerot, representante da América Latina na Sociedade Internacional de Oncologia do Exercício, os benefícios são válidos para todos os tipos de câncer. A atividade física também melhora a circulação sanguínea e, principalmente, reduz a fadiga e a dor típicas do quadro.

“A atividade física deve ser vista como um ‘remédio’ para o tratamento do câncer. Por isso, se o seu médico não abordou essa questão com você, converse com ele, calce um tênis e comece o quanto antes a praticar exercícios”, encoraja a oncologista Gisah Guilgen, membro da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e uma das autoras do Guia de Atividade Física e Câncer, elaborado pela SBOC, Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde (SBAFS) e Inca.

Exercícios durante e após o tratamento

A atividade física ajuda antes, durante e depois da doença – a mortalidade específica por câncer, inclusive, é 31% menor em pessoas fisicamente ativas após o diagnóstico em comparação com as sedentárias, segundo estudos do American College of Sports Medicine.

Um estudo liderado por Bergerot também mostrou que pacientes com mais de 65 anos em tratamento oncológico tiveram melhora na qualidade de vida e alivio de efeitos colaterais dos medicamentos de imunoterapia e quimioterapia após 12 semanas cumprindo uma rotina de atividade física moderada.

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“Se a pessoa está fazendo tratamento oncológico, ela vai sentir menos fadiga, menos problemas mentais, mais qualidade de vida, mais força, qualidade do sono e capacidade de realizar as atividades diárias. Isso tudo com uma evidência científica alta”, afirma o educador físico Rafael Deminice, professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e coordenador do Guia de Atividade Física e Câncer.

Recomendações para crianças e adolescentes

Segundo o oncologista pediátrico Sidnei Epelman, líder da especialidade de oncopediatria da Oncoclínicas, o tratamento do câncer em crianças é bem diferente do que em adultos, principalmente no que diz respeito aos medicamentos e à frequência das sessões de quimioterapia e radioterapia.

As crianças geralmente têm tumores mais agressivos e, por isso, recebem doses maiores de quimioterapia e com mais frequência, o que pode ocupar grande parte do dia. Por isso, embora a prática de exercícios seja interessante, muitas não têm condições de realizá-los.

Além disso, Epelman destaca que há poucas evidências científicas dos benefícios da prática de esportes ou atividades físicas para crianças e adolescentes em tratamento oncológico.

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Mas há recomendações para que se mantenham ativas: é importante que elas frequentem a escola, brinquem e se movimentem com os amigos sempre que possível, mesmo durante o tratamento.

Após o término dos cuidados, é importante que a criança retorne à sua rotina normal, brincando e participando de atividades e esportes que costumava realizar, considerando, é claro, especificidades de cada caso.

Como começar e quais os melhores exercícios para quem tem câncer?

O guia recomenda começar com menor tempo duração e intensidade (esforço) e, à medida que for progredindo, estabelecer sessões com maior duração e intensidade.

Bergerot recomenda a combinação entre exercícios aeróbicos, de resistência e ganho muscular com atividades de mobilidade, como alongamentos. Ele também destaca que aquilo que é considerado um esforço “moderado” ou “intenso” é muito particular e que o melhor exercício é aquele que o paciente gosta de fazer e se sente bem ao praticar.

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Deminice também aborda a questão dessa forma, e explica: “é mais importante que a ação seja contínua e que a aderência seja grande do que seguir um tipo específico de exercício”. Nesse sentido, as opções vão desde caminhar, andar de bicicleta, dançar, passear com o animal de estimação e praticar esportes recreativamente, até ginástica e musculação. Todas serão benéficas, desde que incorporadas à rotina.

Quais os cuidados e contraindicações?

As contraindicações e cuidados são específicos para cada tipo de câncer e paciente. Por isso, embora não seja uma exigência, é importante o diálogo com o oncologista. Além disso, recomenda-se que as atividades sejam monitoradas por profissionais de educação física.

“O profissional indicado deve estar apto para entender as necessidades individuais de cada um e suas limitações. Entretanto, se não for possível, é mais importante fazer atividade física, mesmo que sozinho, do que não fazer”, diz Gisah.

De maneira geral, a prática é contraindicada quando há presença de infecções, hérnias relacionadas à ostomia, febre, dor intensa ou qualquer dor no peito ainda não investigada. Pacientes com câncer de pulmão, mulheres que passaram por mastectomia e pacientes com linfedema também têm recomendações específicas.

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Além disso, pessoas com sintomas de desequilíbrio devem evitar atividades com risco de queda e pessoas com mestástase óssea, osteoporose ou ostomia devem evitar atividades de contato físico, como futebol e basquete.

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