Produtos de limpeza naturais ganham adeptos preocupados com o bem-estar

Intoxicação na hora da faxina pode se dar através da pele e do sistema respiratório. Marcas alternativas investem em sustentabilidade

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Foto do author Ana Lourenço

Você nunca colocaria produtos tóxicos para dentro do seu corpo. Isso é certo. No entanto, algumas práticas corriqueiras podem pôr nossa saúde em risco a depender se estamos atentos ou não para essa questão. No caso de produtos de limpeza para a casa, esse contato se dá, principalmente, através da pele e do sistema respiratório. Por isso mesmo, muitas pessoas buscam alternativas para minimizar os problemas.

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“Um dos desafios que temos no Brasil é que aqui a limpeza é terceirizada. Não somos eu e você que botamos a mão na massa. Diferentemente de lá fora. Justamente por isso, acho que esse segmento é mais evoluído lá. E a gente está tão acostumada que a limpeza tem de ser agressiva, que tem de ter aquele cheiro forte, que a gente está morrendo ao achar que está desinfetando. Temos de desmistificar isso”, conta Becky Weltzien, sócia-diretora da Bio Wash. A marca foi uma das pioneiras no conceito de limpeza verde, que preza por produtos naturais, veganos e sustentáveis para a faxina do lar. 

Lembro da primeira vez em que vi minha mãe mexendo com água sanitária para lavar alguma coisa em casa e reparei nas chamativas luvas amarelas de borracha. Em resposta à minha curiosidade, ela falou sobre o cheiro forte que o produto deixa na mão. Porém, muito mais do que os problemas da inalação, o produto pode causar alergias e até queimaduras se tiver contato direto com a pele. Isso além dos diversos problemas que pode gerar caso seja misturado com um agente de limpeza. 

Produtos testados pela reportagem não contêm substâncias tóxicas; a Garoa Eco diz que respeita pessoas,pets e planeta Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Se, por um lado, a pandemia fez com que os casos de intoxicação aumentassem – segundo a Anvisa, mais de 23% durante janeiro e abril de 2020 em comparação com o mesmo período de 2019 –, por causa do exagero de esterilizar a casa, por outro, foi durante esse momento que muitas pessoas passaram a se importar com outras informações além do preço e do aroma dos produtos. “As pessoas em casa passaram a ter de conviver com produtos sintéticos e a sentir seus efeitos: alergias, irritações e até mesmo intoxicações causadas por eles”, explica Marcelo Ebert, sócio-fundador da empresa YVY Brasil.

Com a empreendedora Nicole Berndt, a descoberta aconteceu um pouco mais cedo. “Em 2016, eu estava muito estressada, passando por uma transição de carreira, e comecei a ter várias alergias. Em busca de soluções, o meu médico da época falou para eu repensar tudo, inclusive os produtos de limpeza para roupas.”

Na busca, ela conheceu o conceito do lixo zero e decidiu aplicar tais princípios no seu dia a dia. O resultado foi o canal Casa Sem Lixo, do qual ela, o marido Paulo e os dois filhos do casal, Théo, de 11 anos, e Nina, de 6, fazem parte. 

“Acho que o ponto é fazer as pessoas entenderem que não é só economizar os recursos do planeta, mas também economizar nas suas despesas principais. O simples fato de começar a produzir em casa os produtos de limpeza fez uma economia gigante na nossa conta”, afirma Paulo, que ainda cita a economia dos remédios. “É um tanto de produto químico que usamos e que estraga nossa pele, para daí usarmos mais produtos químicos para corrigir o que foi afetado. Você não vai na causa, vai na consequência.”

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SUSTENTABILIDADE

De modo geral, veganos, alérgicos, donos de pet e famílias com bebês pequenos são os maiores públicos do mercado de produtos naturais. Afinal, todos buscam soluções que afetem menos a pele dos animais e dos moradores. Porém, é possível ver o crescimento da demanda entre aqueles que buscam ter uma vida mais sustentável e, assim, se preocupam com o meio ambiente. 

De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Higiene, Limpeza e Saneantes (Abipla), anualmente, no Brasil, são produzidos mais de 5,5 bilhões de litros de produtos de limpeza, a maioria tendo plástico como embalagem. Apesar de já existirem alternativas para a reciclagem, um estudo feito em novembro de 2020 pela fundação Heinrich Böll Stiftung mostra que uma média de 400 milhões de toneladas de plásticos são produzidos por ano no mundo, sendo que as embalagens representam mais de um terço de todo o plástico produzido. "O que devemos fazer é fomentar a a cadeia de reuso do plástico", afirma Paulo Engler, diretor-executivo da Abipla.

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A bióloga Camila Victorino, que criou o blog Pensando Ao Contrário em 2012 para dividir alternativas para um mundo sustentável, tenta justamente mudar esse cenário, produzindo os próprios produtos e evitando o plástico de uso único. “Segundo a minha mãe, eu sempre me interessei por reciclagem, plantas, animais. Virei vegetariana bem cedo e hoje sou vegana”, conta ela. “Para mim, a necessidade de fazer os produtos caseiros veio justamente porque queria algo que fosse muito natural e que eu ainda não encontrava para vender. Mas também porque eu queria trazer o veganismo para as pessoas que não tivessem como achar”, explica.

Assim, ela passou a produzir a maioria dos seus produtos de limpeza para a casa: desde lava-louças até desinfetantes – algo muito comum na era do Faça Você Mesmo. No entanto, não é todo mundo que tem tempo ou vontade de fazer isso. Além disso, o aspecto psicológico de ver uma embalagem caseira e sem cheiro ou cor de limpeza ainda atua fortemente na hora da escolha. 

CamilaVictorino cria seus produtos de limpeza em prol do meio ambiente Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Por isso, Marcella Zambardino, co-CEO e sócia-fundadora da empresa Positiv.a, investe em embalagens amigáveis e atrativas. “Sempre tive um incômodo muito grande com os produtos de limpeza nos mercados e eu tenho um perfil de transformar meus incômodos em solução”, diz. Depois de um tempo morando na Itália e percebendo as possibilidades de ter uma vida sustentável, ela decidiu criar a empresa, que hoje é a única de produtos de limpeza certificada pelo Sistema B – tipo de negócio que equilibra propósito e lucro, considerando o impacto de suas decisões em seus trabalhadores, clientes, fornecedores, comunidade e meio ambiente.

Em 2017, ela conta que a empresa percebeu que era preciso investir em educação, em conscientização pela comunicação. “Passamos a escrever muitos textos para o blog da marca, porque entendemos que as pessoas precisavam primeiramente entender o problema que existia no produto de limpeza tradicional, para aí sim entenderem por que a Positiv.a existia”, explica.

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POSTURA DE VIDA

 Nicole, do Casa Sem Lixo, acredita que a decisão de mudar passa por refletir sobre a limpeza em si e entender as consequências da escolha dos produtos para a casa. “Eu acredito que a nossa noção de limpeza vai de qual é o custo para uma casa estar limpíssima. Há um custo de inalação, um custo daquilo que a gente envia pelo ralo e vai parar nos rios e mares e tem o custo da nossa pele. Então quando a gente entende isso, começa a questionar o que é uma casa limpa mesmo”, afirma Nicole.

Ao que tudo indica, o questionamento passou a ser feito por muitos brasileiros também. De acordo com o estudo Crescimento do Consumo Sustentável Online, conduzido pelo Mercado Livre, nós representamos 56% dos consumidores latino-americanos interessados em mercadorias com proposta sustentável entre junho de 2019 e maio de 2020. No mesmo período, a plataforma registrou 150 mil novos compradores nessa categoria, dos quais 81 mil são do Brasil. 

Há um custo de inalação, um custo daquilo que a gente envia pelo ralo e vai parar nos rios e mares e tem o custo da nossa pele. Quando a gente entende isso, começa a questionar o que é uma casa limpa mesmo

Nicole Berndt

Como toda tendência, a mudança não necessariamente será de um dia para o outro. Porém está ocorrendo. “É importante ter em mente que, assim como o processo de formação dos nossos atuais hábitos foi desenvolvido ao longo de toda a nossa vida, a transição para estilos de vida mais saudáveis e a adoção de práticas mais conscientes também é um processo longo, que deve ser aplicado aos poucos”, lembra Fernanda Iwasaka, analista de Conteúdos e Metodologia do Instituto Akatu. No meio tempo, seguimos tentando.

Testamos 8 marcas naturais; confira o resultado

Repórter Ana Lourenço testou os produtos durante três semanas Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Durante três semanas, testamos 8 marcas de produtos: Positiv.a, Bio Wash, YVY Brasil, Um Ultra Moléculas, Garoa Eco, Bio Z Green, Tao e Amway. Contamos abaixo algumas das nossas percepções sobre elas.

Prós

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  • Existem diversas opções de produtos, para limpar todas as partes da casa. Além disso, eles são muito concentrados e multiúso, o que diminui consideravelmente o número de itens guardados na área de serviço. 
  •  A maioria dos produtos é elaborada à base de água, óleo de coco, bicarbonato de sódio e óleos essenciais. Após lavar muitos itens, é notável a diferença que isso faz para a pele das mãos. 
  • De modo geral, todas as marcas demonstram uma preocupação com a embalagem, procurando alternativas recicláveis.
  • Ambientes e roupas ficam com um cheiro agradável. Podem ser cítricos ou remeter a ingredientes como lavanda e canela. A limpeza ganha ares de aromaterapia. 

Contra

  • Como a demanda ainda não é alta e a produção precisa ser mais cuidadosa, algumas opções ainda têm o preço maior do que os produtos de limpeza comum. Além disso, os valores de frete da entrega online são altos.
  • Muitas marcas usam empresas terceirizadas para a entrega. O produto pode atrasar e também vir com mais plástico na embalagem, para garantir a segurança dos itens, mas fugindo da proposta sustentável.
  • Os produtos não agem como aqueles a que estamos acostumados. Muitas vezes, não fazem espuma nem retiram manchas mais resistentes. É preciso se acostumar.

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