Se você perguntar qual é a melhor posição para dormir, a resposta mais provável dos especialistas em sono e ortopedia é quase irônica: aquela na qual você consegue dormir. Mas isso, é claro, não vale para todo mundo.
Ao refinar um pouco mais a pergunta, questionando qual a posição mais indicada para evitar despertares durante a madrugada e também para começar o dia sem dor, a resposta muda: é aquela na qual você consegue manter a neutralidade muscular e do sistema osteoarticular. Em geral, isso significa dormir de lado.
Os especialistas destacam que o sono é complexo, e, por isso, a qualidade do repouso vai depender de uma série de fatores que vão muito além da posição. Regularidade, tempo, local, condição socioeconômica, estado emocional e psíquico e até o nível de preocupação com o ato de dormir são alguns dos fatores que influenciam no sucesso da missão.
Por que de lado? A resposta está nas suas curvas
Para pessoas acima de 1 ano e saudáveis, a posição mais recomendada é de lado – não importa se do esquerdo ou direito. Os especialistas baseiam essa recomendação na biomecânica do corpo.
Se olharmos uma pessoa de frente, a coluna se mostra reta: não há curvaturas. Mas, de lado, elas ficam evidentes. “Você tem curvas fisiológicas, as lordoses (em palavras simples, curvaturas para dentro) e cifoses (arredondamento das costas para a frente)”, descreve Mário Lenza, ortopedista do Hospital Israelita Albert Einstein.
“Quando você deita de barriga pra baixo ou de barriga pra cima, força um pouquinho essas curvas. Elas são empurradas”, informa.
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Quais os melhores colchão e travesseiro?
De lado, Lenza destaca que o travesseiro precisa se encaixar entre a orelha e o colchão, preenchendo o vão feito pelo ombro. Se conseguir dormir com um travesseiro entre as pernas, melhor ainda.
Quanto aos modelos ideais de colchão e travesseiro, há muito marketing e pouca ciência, alertam os especialistas. A recomendação é que não sejam nem tão moles nem tão duros e, assim, ajudem a manter a neutralidade.
Se você for dormir de barriga para cima, Lenze indica usar um travesseiro um pouco mais fino. “Para dar um apoio para a curvatura lordótica da coluna cervical.”
De bruços? Melhor evitar
Entre todas as posições, a que gera mais ressalvas é, sem dúvidas, a de bruços. Ou seja, com a barriga virada para o colchão.
“Você fica na horizontal e com o pescoço rodado. Biomecanicamente, não favorece a coluna de uma forma geral”, justifica a fisioterapeuta Priscila Kalil Morelhão, professora e pesquisadora do Instituto do Sono.
“Todo o peso do corpo está pra baixo. É como se a coluna estivesse sendo repuxada”, acrescenta Letícia Soster, médica do sono do Hospital Israelita Albert Einstein.
Recém-nascidos
Para recém-nascidos e bebês de até 1 ano, a posição correta para dormir é de barriga para cima, para evitar casos de síndrome da morte súbita. Travesseiro é contraindicado, assim como “fofurices” no berço.
Isso porque a criança ainda não tem reflexo de autodefesa. “(A posição de barriga para cima) Mantém a via aérea do bebê aberta, e ele fica mais ‘despertável’ para qualquer coisa que possa acontecer naquele cérebro que ainda não é maduro para a fisiologia do sono”, explica Letícia.
Apneia
Na apneia do sono, o indivíduo sofre com paradas respiratórias repentinas que são capazes de interromper o sono. Ela é bastante comum entre adultos.
O estudo epidemiológico Episono, tocado pelo Instituto do Sono, mostrou que 32,8% dos adultos de São Paulo sofrem com a doença. O artigo foi publicado na revista científica Sleep Medicine, em 2010.
Nesse caso, a indicação é dormir de lado. Letícia explica que nossa via aérea é um tubo de músculo, como um canudo, onde o ar entre e sai. “Quando estamos de barriga pra cima, ela ‘tampa’ com mais facilidade várias vezes à noite.”
Por quê? “Por causa do peso do nosso pescoço e do fato de a nossa língua cair pra trás, o que também ajuda a obstruir essa passagem do ar.”
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Insuficiência cardíaca
Segundo Priscila, pessoas com insuficiência cardíaca, doença caracterizada por um coração que não consegue bombear sangue adequadamente, devem evitar dormir do lado esquerdo. “Esses indivíduos já evitam naturalmente essa posição.”
Priscila explica que quem convive com a insuficiência cardíaca tem um “coração alargado”, o que gera uma “trepopneia”, isto é, dificuldade para respirar. “A principal razões para isso tem a ver com a pressão que o coração faz sobre o pulmão, porque o coração está localizado do lado esquerdo. Essa pressão também aumenta a congestão venosa pulmonar, ou seja, pode acumular líquido nos pulmões e gerar um edema pulmonar.”
Gestantes
Gestantes devem deitar-se de lado, preferencialmente do lado esquerdo, orienta a médica Joeline Cerqueira, membro da Comissão de Pré-natal da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Isso se torna particularmente importante a partir do terceiro trimestre da gestação.
“Na paciente gestante que dorme na posição supina (de costas, com a barriga para cima), há uma maior tendência de compressão da veia cava inferior pelo próprio volume do útero. Quando essa veia sofre compressão, pode impedir a boa passagem de sangue para o bebê, e isso aumenta a taxa de natimorto (nascimento de um bebê sem sinais vitais).”
Passamos a noite toda na mesma posição?
Você com certeza já deve ter passado por isso: dormiu em uma posição e acordou em outra completamente diferente. Segundo Priscila, nos movimentamos em média 24 vezes durante a noite para aliviar a fadiga. Um estudo publicado na revista Nature and Science of Sleep, em 2017, mostrou que os participantes passaram 54,1% do tempo na cama na posição lateral, 37,5% de barriga para cima e 7,3% de bruços.
Mudar o hábito de dormir em determinada posição e controlar as movimentações durante a noite não são tarefas fáceis, dizem os especialistas. Mas, para eles, é possível lançar mão de algumas estratégias, como cercar-se de travesseiros ou abraçar um.
Para alguns pacientes, principalmente os que têm apneia, os médicos podem indicar alguns dispositivos, como fitas. Letícia diz que também é possível costurar um bolso na parte de trás do pijama e colocar uma bola de tênis, evitando que ela fique de barriga para cima. Mas, nesses casos, é preciso ter acompanhamento médico.
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