'Quando vemos que não tem mais jeito, iniciamos a morfina', diz médica sobre doentes sem oxigênio

Residente de hospital de Manaus se voluntariou para ventilar manualmente pacientes, mas um deles não resistiu; sedativos e analgésicos são usados para diminuir sofrimento e dar conforto ao doente nos últimos momentos de vida

PUBLICIDADE

Foto do author Fabiana Cambricoli

SÃO PAULO - Com o cenário caótico de falta de oxigênio nos hospitais de Manaus, médicos de outras alas e unidades foram chamados por colegas para atuar como voluntários na assistência a doentes que estavam entubados - a maioria com covid - e ficaram sem o insumo.

PUBLICIDADE

A mão de obra extra foi convocada informalmente por grupos de whatsapp para ajudar a ventilar manualmente pacientes por meio de uma bomba, procedimento conhecido como ambuzar.

Leia abaixo o relato de uma médica de 30 anos, residente do Hospital Universitário Getúlio Vargas, que se apresentou como voluntária na UTI covid na manhã desta quinta-feira, 14, e teve que ajudar a ambuzar três pacientes. Um deles morreu. Por medo de retaliações, ela preferiu não se identificar.

Estoque de oxigênio acabou em vários hospitais de Manaus, levando pacientes internados à morte por asfixia Foto: Bruno Kelly/ Reuters

"O estoque de oxigênio acabou no Hospital Getúlio Vargas por volta das 6h30. Sou médica residente e não costumo trabalhar diretamente no atendimento a pacientes com covid, mas, quando soube do que estava acontecendo, fui para a ala covid como voluntária porque os colegas precisavam de ajuda para ambuzar  (ventilar manualmente) os pacientes. Nesse procedimento, a gente fica apertando uma bolsa ininterruptamente para bombear manualmente o oxigênio para o paciente.

Aquilo cansa. Quando uma pessoa da equipe chega ao limite da exaustão, ela reveza com outra. Durante o tempo que fiquei na UTI, ajudei a ambuzar três pacientes. Um deles, de 50 anos, morreu na minha frente. Quando a gente vê que não tem mais jeito, iniciamos a morfina, para dar algum conforto. Tivemos que fazer isso com ele. Demos morfina e midazolam (sedativo). A gente já chorou e não sabe mais o que fazer. Só no Getúlio Vargas, foram pelo menos cinco óbitos pela falta de oxigênio.

Publicidade

Perto das 11 horas, começaram a chegar alguns cilindros vindos de doações. Os médicos fizeram campanha na internet pedindo que pessoas que tivessem algum estoque em casa levassem para o hospital. Foi isso que ajudou a controlar um pouco a situação. Mas como o número de cilindros não era grande, a gente estimou que aquilo ia dar para algumas horas só.

Saí de lá à tarde, nem passei em casa e vim direto para o pronto-socorro 28 de Agosto, outro hospital que está prestes a ficar sem oxigênio. Eles também chamaram médicos voluntários para ajudar a ambuzar pacientes. Estou aqui agora. São 17 horas e a previsão é que o oxigênio acabe daqui a uma hora. Já bebi água, já fui ao banheiro e agora, infelizmente, estou só esperando acontecer."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.