No ano passado, as pessoas foram expostas, em média, a 50 dias a mais de “calor perigoso à saúde” do que seria esperado sem as mudanças climáticas, de acordo com o 8º relatório anual de indicadores do Lancet Countdown on Health and Climate Change, lançado na noite de terça-feira, 29. Tratam-se de dias nos quais a temperatura ultrapassou um “limite ideal” e, com isso, há aumento no risco de eventos adversos em saúde e mortes.
O documento revela que a mortalidade relacionada ao calor entre pessoas com mais de 65 anos atingiu novo recorde. Além disso, mostra como a exposição a temperaturas elevadas colocou indivíduos que praticam exercícios ao ar livre em risco de estresse térmico e prejudicou a qualidade do sono da população mundial.
O relatório, financiado pela Wellcome Trust, instituição filantrópica britânica, e desenvolvido em estreita colaboração com a Organização Mundial da Saúde (OMS), ganha uma edição a cada ano desde que o Acordo de Paris de 2015 foi firmado — um compromisso global para evitar o aquecimento de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais até 2100. Segundo os pesquisadores, esta edição “revela os achados mais preocupantes até agora nos oito anos de monitoramento da colaboração”.
“As políticas e ações atuais, se mantidas, colocam o mundo em um caminho para um aquecimento de 2,7°C até 2100. Portanto, os impactos vistos até agora podem ser apenas o começo de um futuro cada vez mais perigoso, com impactos devastadores nos sistemas naturais dos quais a humanidade depende”, diz o documento.
Em comunicado à imprensa, Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, defendeu que a crise do clima é também uma crise de saúde. “A última edição do Lancet Countdown deixa claro: as mudanças climáticas não são um perigo distante, mas um risco imediato à saúde.”
“O ano passado quebrou recordes de mudanças climáticas, com ondas de calor extremas, eventos climáticos mortais e incêndios devastadores afetando pessoas ao redor do mundo. Nenhum indivíduo ou economia no planeta está imune às ameaças à saúde provenientes das mudanças climáticas”, destacou Marina Romanello, diretora-executiva da Lancet Countdown, da University College London, em comunicado à imprensa.
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“Apesar dessa ameaça, vemos que os recursos financeiros continuam sendo investidos em coisas que prejudicam nossa saúde”, fala ela. Os pesquisadores defendem que os trilhões de dólares que são direcionados à indústria de combustíveis fósseis todos os anos sejam usados para “promover uma transição justa e equitativa para a energia limpa e eficiência energética”.
“Pessoas em todas as partes do mundo estão sofrendo cada vez mais com os efeitos financeiros e de saúde das mudanças climáticas, e as comunidades desfavorecidas em nações com recursos limitados são muitas vezes as mais afetadas, mas recebem as menores proteções financeiras e tecnológicas”, frisou Wenjia Cai, co-presidente do grupo de trabalho 4 do Lancet Countdown, da Universidade de Tsinghua.
As mudanças climáticas não são um perigo distante, mas um risco imediato à saúde
Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS
Exposição ao calor extremo
Em 2023, a temperatura média global da superfície ultrapassou todos os recordes, alcançando 1,45 °C acima dos níveis pré-industriais, diz o relatório. Novos recordes foram registrados ao longo de 2024: entre maio de 2023 e abril deste ano, a temperatura ficou 1,61 °C mais elevada em relação ao século 19.
Com isso, o relatório aponta que a mortalidade por calor de pessoas com 65 anos ou mais aumentou 167%, um recorde em comparação com o registrado na década de 1990. O índice é mais do que o dobro do que a taxa esperada de 65% se as temperaturas não tivessem subido desse jeito – tomando como base a trajetória do envelhecimento populacional.
Por ora, no mundo, morre-se mais no frio do que no calor. No entanto, considerando o cenário de alto aquecimento, os pesquisadores acreditam que isso vai mudar. Além dos idosos, outro grupo particularmente suscetível aos prejuízos de temperaturas extremas é o de bebês com menos de 1 ano.
O relatório também calcula quantos dias por ano, em média, essa parcela mais vulnerável da população foi exposta a ondas de calor, descritas como um período de dois ou mais dias em que as temperaturas mínima e máxima estiveram acima do esperado.
Em 2023, pessoas de grupos etários vulneráveis experimentaram uma média recorde de 13,8 dias de ondas de calor por pessoa. Se a incidência dessas ondas tivesse permanecido constante desde o período entre 1986 e 2005, o esperado seria uma média de 4,7 dias, ou seja, 45% menos do que foi registrado, de acordo com o documento.
Especificamente no Brasil, no período de 2014 a 2023, os bebês com menos de 1 ano e pessoas com 65 anos ou mais experimentaram, em média, um aumento de 250% e 234%, respectivamente, no número de dias de ondas de calor por ano, em comparação com o período de 1986 a 2005.
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Sono
Pela primeira vez, o relatório traz estimativas do impacto das mudanças climáticas no sono. De acordo com os pesquisadores, as temperaturas noturnas têm subido mais rapidamente do que as diurnas em várias regiões do mundo, o que aumenta “o risco de desfechos de saúde adversos devido à baixa qualidade do sono”.
Os resultados sugerem que temperaturas noturnas elevadas levaram a uma média estimada de 5% mais horas de sono perdidas no período de 2019 a 2023 em comparação com o período de 1986 a 2005. O recorde foi atingido em 2023, com 6% de horas de sono perdidas.
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Exercício físico
O exercício físico é amplamente reconhecido como um hábito promotor da saúde. Segundo a OMS, adultos deveriam realizar ao menos 150 minutos semanais de práticas moderadas ou intensas.
Contudo, segundo o relatório, o estresse térmico, no qual o corpo sofre para regular sua temperatura devido a altas temperaturas externas, pode tanto reduzir a disposição para praticar exercício físico quanto aumentar os riscos à saúde para quem se movimenta ao ar livre.
Em 2023, as pessoas foram expostas, em média, a um recorde de 1512 horas durante as quais o calor ambiente representava pelo menos um risco moderado de estresse térmico durante o exercício leve ao ar livre. Foram 328 horas (27,7%) acima da média anual da década de 1990 a 1999, conforme o documento.
Adaptação
O cenário de mudanças climáticas pede ações de mitigação e adaptação. A primeira tem a ver com a redução da emissão de gases de efeito estufa, a fim de descontinuar a tendência de elevação das temperaturas acima dos 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Já a segunda assume que alterações irreversíveis já ocorreram e, por isso, é preciso investir em medidas que ajudem as cidades a evitar perdas humanas e a interrupção de serviços básicos para a população.
“É importante ressaltar que os indicadores que capturam resultados de saúde sugerem que a adaptação não está acompanhando os crescentes perigos. À medida que os riscos climáticos aumentam, os países precisarão dedicar cada vez mais esforços e recursos para evitar os piores impactos à saúde”, alerta o relatório.
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