A calvície pode ser um pesadelo para muitas pessoas. Essa é, inclusive, uma das principais queixas de pacientes no consultório dermatológico. Mas é preciso entender que nem toda queda de cabelo é calvície, apesar de o termo ser popularmente usado como sinônimo para se referir ao problema. Existem várias causas por trás da queda de cabelo e chegar ao diagnóstico correto é primordial para definir um tratamento realmente efetivo.
“É muito comum as pessoas chamarem toda perda de cabelo de calvície. Mas a calvície é apenas mais um tipo de queda de cabelo, e seu nome correto é alopecia androgenética. Existem mais de 50 tipos de alopecias e, por isso, é tão importante que o diagnóstico seja feito por um especialista”, alerta Fabiane Mulinari Brenner, diretora da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e coordenadora do Ambulatório de Distúrbios do Cabelo do Hospital das Clínicas de Curitiba, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
A calvície (ou alopecia androgenética) é a causa mais comum de perda dos cabelos em todo o mundo. Trata-se de um problema geneticamente determinado e que tem forte influência da atuação dos hormônios masculinos no folículo do cabelo: a cada ciclo da haste capilar (que dura mais ou menos seis anos), os fios vão se tornando progressivamente mais finos, deixando o couro cabeludo mais rarefeito e aberto.
A calvície vai aumentando com o avanço da idade e é mais comum em pessoas brancas (caucasianos), depois nos asiáticos e, por último, nos negros.
Mulheres também sofrem com calvície
Ela é mais frequentemente associada aos homens, mas estudos indicam que, na faixa dos 50 anos, pelo menos metade das pessoas (tanto homens quanto mulheres) sofrerão com algum grau de calvície – alguns de forma mais intensa, outros de forma mais branda. Sim, pode parecer estranho, mas as mulheres são tão afetadas quanto os homens, a diferença é a forma como a calvície se manifesta nos dois sexos.
“A do homem começa, na maioria das vezes, com o aumento das entradas, ou seja, com um espaço maior na região das têmporas e na região da coroa”, explica a dermatologista Juliana Campos, membro da SBD e também especialista em cabelos.
Nas mulheres, acontece diferente. “Nelas, a área frontal do couro cabeludo normalmente é mantida e a perda de volume de cabelos ocorre na região central do couro cabeludo, num padrão que chamamos de ‘árvore de natal’”, descreve a médica.
Apesar de normalmente ser identificada após os 40 anos, alguns estudos têm mostrado o início da calvície desde a pré-puberdade e até mesmo na adolescência, sugerindo que ela pode passar a se manifestar a partir do momento que os hormônios masculinos começam a agir, tanto na menina quanto no menino adolescente. Lembrando, no entanto, que a alopecia androgenética é um processo crônico e progressivo, que acontece ao longo do tempo e com o passar da idade.
“A alopecia androgenética acontece de forma lenta, mas persistente. O folículo tende a perder o fio e ficar em repouso. Dessa forma, temos mais fios caindo do que fios em crescimento. O fio vai ficando cada vez mais fino e com menor comprimento. Ao longo do tempo, acontece uma perda de volume”, explica Juliana.
Outros tipos de perda de cabelo
Apesar de ser a mais comum, a calvície não é o único tipo de alopecia. Uma outra forma bastante conhecida é a alopecia areata, que geralmente ocorre subitamente em uma pequena área do couro cabeludo, provocando uma queda importante dos fios e deixando áreas redondas de falhas em algumas semanas.
Estima-se que esse tipo de alopecia atinja entre 1 e 2% da população e seja de origem autoimune, embora cerca de 20% das pessoas com o problema também tenham um histórico familiar.
“A alopecia areata é uma doença inflamatória autoimune, muitas vezes associada a outros problemas autoimunes, como problemas da tireoide, artrite. Ela causa uma falha bem específica e arredondada no couro cabeludo, mas pode evoluir com queda total. O cabelo cai subitamente, em chumaços”, explicou a dermatologista Fabiane.
Outra causa bem conhecida de queda de cabelo é o eflúvio telógeno, que é caracterizado por uma queda importante dos fios, quando a pessoa percebe fios no chão do banheiro, na cozinha, no travesseiro, no banho. “É uma perda de fios muito mais volumosa, que geralmente está relacionada a um gatilho, algum processo que aconteceu meses antes, como infecção pela covid-19, dengue, processos cirúrgicos, períodos de estresse, entre outras coisas”, elencou Juliana.
Há ainda outros tipos de alopecias: as inflamatórias, que não causam destruição do folículo, e as cicatriciais, que são mais graves porque levam à destruição total do folículo e, por isso, o cabelo não volta a crescer naquele local. Deficiências nutricionais (de ferro, de zinco, vitamina D, vitamina B12) também são importantes fatores que influenciam na queda de cabelo – especialmente nas mulheres.
Queda de cabelo é sintoma, e não diagnóstico
É normal todo mundo perder de 50 a 150 fios de cabelo todos os dias – esse é um processo fisiológico e natural. A percepção de que essa perda passou do ponto vai depender muito do volume de cabelo que cada um tem.
“Perder 150 fios por dia para a Elba Ramalho pode não ser muito, mas, para a Xuxa, talvez seja. Por isso, falo para os pacientes observarem se mudou o padrão de queda. Se começam a notar que o cabelo está caindo muito, que pequenos chumaços de fios ficam nas mãos, isso é um sinal de alerta e é preciso procurar um médico”, frisa Juliana.
“A sensação que o paciente tem é que queda de cabelo é um diagnóstico, mas não é. Queda de cabelo é um sintoma, como febre. Diversas doenças fazem febre, assim como diversas doenças causam queda de cabelo. Cabe ao médico dermatologista investigar e encontrar a causa do problema e nem sempre isso é tão simples como parece”, destacou Fabiane.
O diagnóstico é essencialmente clínico, baseado no relato dos sintomas e numa boa anamnese do paciente. Para auxiliar, muitas vezes os médicos recorrem à dermatoscopia, um exame que amplia o couro cabeludo e permite enxergar os folículos e os fios de cabelo mais nitidamente.
Nesse exame, é possível observar sinais precoces de afinamento da espessura dos fios, indicando um processo de calvície, por exemplo. Também é possível observar se o couro cabeludo tem inflamação, descamação, oleosidade e outras alterações nos fios.
Mais raramente, os especialistas recorrem a uma biópsia, em que retiram um pequeno fragmento do couro cabeludo num procedimento simples no próprio consultório para que o diagnóstico seja bem preciso.
A calvície não é mostrada em exames de sangue – eles são usados para controle geral da saúde, acompanhamento de deficiência dos nutrientes e possíveis alterações hormonais.
Tratamento certo depende da origem do problema
Não há cura para a calvície nem para muitos dos outros tipos de alopecias – mas existe controle. A escolha vai depender do diagnóstico correto e passa por vários pilares para evitar fazer tratamentos errados, que não vão trazer resultado e vão custar caro.
“Errar no tratamento é perder tempo e cabelo. Tempo é cabelo. Tratar queda de cabelo é um processo de difícil manejo, muitas vezes é um desafio. Usar medicamentos sem base científica só nos faz perder tempo”, alertou Juliana.
No caso da calvície androgenética, por exemplo, são usadas medicações que diminuem a ação dos hormônios masculinos no folículo, pois é isso que vai promover o afinamento capilar – são os chamados remédios antiandrógenos, como finasterida e dutasterida.
Vale ressaltar que a calvície é um processo que acontece ao longo do tempo e que não tem cura. Logo, se parar de tratar, o problema avança novamente.
Para alguns casos, há a indicação do uso de laser de baixa potência para complementar o tratamento da calvície, além de algumas medicações de uso tópico. Também há trabalhos em torno da microinfusão de medicamentos, uso de plasma rico em plaquetas (inclusive para outros tipos de alopecias além da calvície), mas nada ainda com comprovação científica.
Na alopecia areata, por se tratar de uma doença autoimune, muitas vezes são usados anti-inflamatórios bem potentes (como corticoides) na recuperação o cabelo, mas eles causam muitos efeitos colaterais. Mais recentemente, surgiram outros imunossupressores mais específicos, com menos efeitos adversos. E, no início do mês, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou um medicamento biológico, com indicação específica para a alopecia areata.
“É como se fosse a chave-fechadura. Enquanto os corticoides desligam a chave mestra e causam um grande apagão, esses novos imunossupressores desligam uma chave específica. O problema é que, a princípio, o paciente terá que usar essa medicação pelo resto da vida e o custo mensal é muito alto, em torno de 5 mil reais”, pondera Fabiane.
E fica o alerta: recorrer a suplementos vitamínicos ou xampus antiqueda por conta própria não adianta e pode acabar gerando mais frustração por não tratar a origem do problema.
O transplante capilar é indicado como última tentativa, quando o paciente já fez vários tratamentos e não obteve resultados satisfatórios. Ou também quando o paciente procura ajuda profissional com o problema muito avançado – nesses casos, os medicamentos orais talvez não atinjam o resultado esperado.
Mas, atenção: é preciso ter uma área doadora desses folículos e a dermatologista Juliana ressalta ainda que fazer o transplante capilar não elimina a necessidade de continuar o tratamento. “Por isso, o transplante precisa ser muito bem indicado”, finaliza.
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