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Reações alérgicas graves podem levar ao choque anafilático; tratamento adequado é desafio no Brasil

Na Semana Nacional de Conscientização sobre Alergia Alimentar, entidades médicas chamam a atenção para o fato de a adrenalina autoinjetável, necessária para casos graves, não ser oferecida no sistema público de saúde; pacientes precisam importar o medicamento

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Foto do author Isabella Pugliese Vellani

Um levantamento da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), considerando dados de pesquisas mundiais, mostrou que 8% das crianças sofrem com alergias alimentares. Nos adultos, a prevalência é de 2%. No Brasil, a tendência é que o número de casos da condição aumente devido a mudanças dos hábitos de vida da população.

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Segundo Lucila Camargo Lopes de Oliveira, coordenadora do Departamento Científico de Alergia Alimentar da Asbai, a reação alérgica é uma resposta exagerada do sistema imunológico à uma proteína. “As reações variam de leves até às mais graves. Algumas vezes a resposta é mais intensa, com a presença de substâncias que fazem o pulmão fechar, levando a uma dificuldade do ar passar, ou causam uma vasodilatação, o que atrapalha a chegada do sangue ao cérebro. Nas alergias alimentares mais graves, geralmente acontece a manifestação cardiovascular ou respiratória. É considerado anafilaxia quando dois ou mais sistemas [respiratório, cardíaco, cutâneo] são acometidos”, explica.

Quando um paciente tem o choque anafilático, o tratamento imediato mais indicado pelos especialistas até a chegada da ajuda médica é o uso da adrenalina autoinjetável. O remédio, que idealmente deve ser aplicado na parte lateral da coxa, é capaz de reverter rapidamente a reação alérgica de crianças e adultos. No entanto, a caneta de adrenalina não é disponibilizada no Brasil ou entregue de maneira gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Para quem precisa dela, o jeito é importar a preços elevados ou recorrer a medicamentos menos eficazes.

A anafilaxia é a reação alérgica mais grave entre as alergias, e pode causar intensa dificuldade de respiração  Foto: Goffkein/Adobe Stock

“Usar antialérgicos ou corticoides, seja via oral ou injetados, pode atrasar a melhora do paciente e levar à morte”, alerta Herberto José Chong Neto, presidente do Departamento Científico de Alergia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Fora que muitos não têm o mesmo potencial da adrenalina em termos de reversão de uma reação anafilática. “E o risco de óbito também aumenta muito quando a adrenalina é oferecida mais tarde”, alerta Chong Neto.

Atualmente, tramitam na Câmara dos Deputados dois projetos de lei que prometem trazer avanços significativos na qualidade de vida e no tratamento de pacientes alérgicos no Brasil. O PL 1945/21 obriga médicos, clínicas, hospitais e centros de saúde do País a notificarem o Ministério da Saúde sobre ocorrências de choque anafilático e que podem levar a óbito. Já o PL 85/2024 estabelece o fornecimento gratuito da caneta de adrenalina autoinjetável pelo SUS.

Alimentos alergênicos

Dentre os alimentos mais associados às alergias alimentares estão castanhas, amendoins, leite, ovo, frutos do mar e frutas tropicais, como banana, kiwi e pêssego. Ainda que a especificação dos potenciais ingredientes alergênicos contidos em embalagens de alimentos facilite o dia a dia, pacientes alérgicos têm a qualidade de vida comprometida. “Eles podem ficar excluídos de atividades sociais por causa da chance de entrarem em contato com alimentos alergênicos”, explica Lucila.

Nos casos pediátricos, a condição também atinge os pais, que ficam preocupados com uma possível reação alérgica. Segundo Chong Neto, o medo e a convivência com uma série de proibições (às vezes, a criança não pode nem encostar em determinado alimento) podem afetar a saúde mental dos cuidadores.

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Lucila destaca a importância do diagnóstico correto, ressaltando que alergia e intolerância alimentar são diferentes condições. A intolerância à lactose, por exemplo, é um problema caracterizado pela falta de enzimas para a digestão do açúcar do leite. Assim, os sintomas são sobretudo gastrointestinais, como diarreia, náusea e vômito. Já nas alergias alimentares as manifestações são mais graves e podem acometer o trato respiratório, o sistema cardiovascular e a pele.

“A gente ainda sofre, aqui no Brasil, com erros de diagnóstico. Muitas pessoas são taxadas de alérgicas alimentares, mas não são. Essas pessoas podem ser submetidas a uma dieta restritiva desnecessária e ter a qualidade de vida prejudicada. Em crianças, o erro ainda pode ter várias repercussões nutricionais, caso não sejam feitas substituições adequadas”, explica a coordenadora da Asbai.

Possíveis causas por trás das alergias

De acordo com especialistas, há um conjunto de fatores capazes de explicar a crescente incidência de alergias alimentares, como mudanças no estilo de vida: nos tornamos mais urbanos, migrando da área rural para as cidades; com a globalização, ampliamos o contato com proteínas diversas e incluímos frutas exóticas e alimentos chamados “novos alérgenos” à nossa alimentação (e eles foram recebidos com surpresa do ponto de vista de tolerância imunológica); mudamos de uma dieta absolutamente natural para uma alimentação cada vez mais industrializada, com itens ultraprocessados, que recebem diversos aditivos para mudar aspectos como cor, sabor, palatabilidade, etc. Outros fatores possivelmente ligados a um aumento nos casos de alergias são o uso de determinados remédios e até o tipo de parto.

De acordo com Lucila, houve ainda uma mudança no perfil das alergias. “Estamos vendo, no mundo inteiro, o aumento das alergias alimentares, o aumento do número de alimentos envolvidos com reações alérgicas e uma maior gravidade das alergias. Hoje, existe uma persistência da condição, o que faz com que as pessoas cheguem na fase adulta ainda alérgicas.”

Em caso de suspeita do quadro, é fundamental buscar o diagnóstico correto para dar início ao tratamento adequado, que consiste na retirada dos alimentos que causam alergia e compreensão do que fazer em caso de consumo acidental e reações.

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