Reclamações e ações judiciais contra Hapvida NotreDame explodem após fusão das empresas

Número de processos na Justiça paulista contra a NotreDame cresce quase 57% em um ano e índice de queixas na ANS têm alta de 422% desde 2019, ambos acima da média do setor

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Foto do author Fabiana Cambricoli
Foto do author Ana Lourenço
Atualização:

O número de reclamações e processos judiciais contra as operadoras do grupo Hapvida NotreDame, maior companhia de planos de saúde do País, explodiu após a fusão das duas empresas, concluída em 2022. Como revelou o Estadão, o grupo empresarial é investigado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP) por descumprir de forma sistemática decisões judiciais. A prática teria se tornado mais frequente após a conclusão da fusão, segundo relatos de advogados e beneficiários e análise de centenas de processos feita pela reportagem. Em decisões às quais o Estadão teve acesso, magistrados dizem que os descumprimentos tornaram-se “corriqueiros” e acusam a empresa de “má-fé”, “indiferença” e “desapreço” pela vida dos seus clientes.

A impressão dos beneficiários e de seus representantes de piora na assistência oferecida após a fusão é corroborada pelo aumento expressivo de ações no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e do número de reclamações junto à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) contra as duas principais operadoras do grupo. Apesar da fusão, Hapvida e NotreDame mantiveram suas carteiras de clientes separadas. Somadas as duas empresas e outras operadoras menores adquiridas pelo grupo nos últimos anos, a companhia soma quase 9 milhões de clientes no País - o que equivale a um sexto do mercado.

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Levantamento do TJ-SP feito a pedido do Estadão mostra que o número de ações contra a NotreDame no Estado de São Paulo subiu 56,9% entre 2022 e 2023, passando de 4.578 para 7.183 no período, maior alta entre as cinco maiores operadoras do País. Mesmo quando analisado o índice relativo - número de ações por mil beneficiários - a NotreDame é a empresa que registrou o aumento mais expressivo (60,2%).

O número de ações contra a Hapvida na Justiça paulista teve alta menor, de 7,4%, mas é importante ressaltar que a operadora não tem no Estado carteira de clientes tão grande quanto no Nordeste, onde nasceu e domina o mercado.

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A alta de processos contra a NotreDame é muito superior aos 19,4% de aumento médio no número de processos contra as outras três operadoras com mais clientes no Estado no mesmo período (veja gráfico abaixo).

As reclamações protocoladas na ANS contra as duas operadoras também cresceu acima da média do setor. De acordo com dados da agência, o número de queixas relacionadas a problemas de cobertura de procedimentos subiu 633,9% no caso da NotreDame e 490,4% para a Hapvida entre 2019 e 2023. Ambos os índices são superiores aos 217,6% de crescimento no número total de reclamações registradas contra planos de saúde no período.

Analisando os índices relativos - número de reclamações por mil beneficiários - ambas as empresas registram aumento acima da média do setor. A NotreDame teve um aumento de 422,3% na taxa de reclamações no período e a Hapvida, de 246,2%, ante 193,4% de crescimento no total de queixas contra planos de saúde na agência.

Em ambos os indicadores (número absoluto e relativo), a NotreDame foi a que teve o maior crescimento de reclamações entre as cinco maiores operadoras de planos de saúde no País. Em 2023, a ANS recebeu 39.732 queixas contra a companhia relacionadas à cobertura de procedimentos - o equivalente a uma reclamação a cada 13 minutos.

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O promotor Cesar Ricardo Martins, da Promotoria de Justiça do Consumidor do MPE-SP que instaurou inquérito para apurar os reiterados descumprimentos de decisões judiciais pela NotreDame, disse ao Estadão que, na investigação, a Promotoria também está apurando negativas de cobertura que ocorrem mesmo fora da esfera judicial.

Ele diz ter solicitado dados de plataformas como o Reclame Aqui e o Procon. De acordo com a portaria de instauração do inquérito civil, o Reclame Aqui informou a existência de 492 reclamações sobre o tema da investigação. O Procon, por sua vez, disse ter registro de 3.188 queixas contra a empresa nos últimos 12 meses, das quais 107 são “possivelmente referentes ao objeto dos autos”.

“Vamos ver primeiro qual é o conteúdo dessas reclamações, o que está sendo negado, para ver se isso pode se referir a uma questão puramente econômica que leva a uma política de protelação por parte da empresa”, diz ele.

NotreDame Intermédia concluiu sua fusão com a Hapvida em 2022, formando a maior empresa de planos de saúde do País Foto: Aline Bronzati/AE

Descumprimentos judiciais pioraram após fusão e resultados financeiros ruins

O aumento expressivo de reclamações e processos judiciais contra o grupo Hapvida e NotreDame e do descumprimento de ordens da Justiça por parte da companhia ocorre após o anúncio da fusão das duas operadoras e coincide com um período de situação financeira desfavorável e pressão dos investidores pela redução de custos e da sinistralidade (percentual de gastos assistenciais sobre o valor arrecadado com as mensalidades).

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Em 2022, quando Hapvida e NotreDame concretizaram sua fusão, as ações da NotreDame deixaram de ser negociadas na bolsa de valores brasileira e o grupo passou a estar listado no mercado somente com as ações da Hapvida (HAPV3). Na ocasião da fusão, os papéis do grupo empresarial foram apontados por analistas de investimentos como uma das grandes apostas no setor de saúde.

Isso porque a Hapvida dominava o mercado no Nordeste e tinha como trunfo uma rede assistencial altamente verticalizada (com unidades próprias), característica que permite maior controle de custos. Já a NotreDame era a maior operadora do Sudeste. A fusão das duas, portanto, era vista com otimismo pelo mercado financeiro.

Em março de 2023, porém, quando foram apresentados os resultados do último trimestre de 2022, as expectativas não se confirmaram e as ações da companhia, que já vinham em queda, despencaram 33% em apenas um dia. O tombo foi motivado por fatores como o prejuízo de R$ 316,7 milhões e aumento de nove pontos percentuais na sinistralidade. Desde a incorporação da NotreDame pela Hapvida, em fevereiro de 2022, o valor da ação já acumula queda de 64% - passou dos R$ 12 para os R$ 4,30 registrados no momento de conclusão desta reportagem.

No segundo e terceiro trimestres de 2023, últimos com dados disponíveis, a companhia ensaiou uma recuperação e, desde então, vem tentando reconquistar a confiança dos investidores com um discurso focado na redução de custos e da sinistralidade. A postura, porém, vem tendo reflexo negativo na prestação de serviços, segundo advogados e beneficiários, com aumento de negativas de cobertura após a fusão e o mais recente fenômeno de descumprimento sistemático de ordens judiciais.

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O grupo Hapvida NotreDame foi questionado sobre a alta de ações judiciais e reclamações, e disse que isso não representa “um atestado de má prática dos serviços prestados”. Para o grupo empresarial, “trata-se de um percentual mínimo diante do tamanho da operação e dos serviços oferecidos aos seus clientes”.

Em 2023, diz a empresa, foram realizadas 40 milhões de consultas e 83 milhões de exames, além do atendimento de 32 mil pacientes com câncer, o que, segundo a empresa, evidencia “o compromisso da companhia com a excelência e a eficiência”. A companhia afirmou ainda que “faz melhorias na prestação de serviços de forma permanente e respeita cada um de seus beneficiários”.

Questionada sobre os reflexos da fusão na qualidade da assistência prestada, a companhia disse que “a fusão entre as empresas tem como propósito primordial assegurar uma constante melhoria nos serviços oferecidos” e que, “apesar da ocorrência ocasional de desafios operacionais, inerentes e naturais ao período e a uma operação dessa magnitude, os dados atestam uma evolução contínua na prestação de serviços aos clientes”, com monitoramento e correção de eventuais falhas.

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