Repelentes funcionam contra o carrapato da febre maculosa? Saiba como prevenir a doença

Prevenção exige mudanças comportamentais, que incluem evitar o habitat do inseto transmissor e usar roupas adequadas

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Foto do author Leon Ferrari
Atualização:

O Estado de São Paulo já confirmou três mortes e investiga um quarto óbito por febre maculosa. A doença infecciosa transmitida por picada de carrapato é prevenível por meio de medidas comportamentais.

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Em relatório publicado no ano passado, o Ministério da Saúde destaca que, sem possibilidade de prevenção por vacina ou quimioproflaxia (prescrição preventiva de antibiótico para paciente com histórico de picada), o mais importante é a “prevenção ao parasitismo por carrapatos”. Isso significa que a saída é investir em certos hábitos, como evitar ambientes infestados pelo aracnídeo e usar roupas adequadas e repelente.

Especialistas ouvidos pelo Estadão destacam ainda que é essencial observar o próprio corpo, para detectar rapidamente a presença de algum carrapato. Além disso, ter atenção ao tempo de fixação do aracnídeo na pele e buscar a remoção correta são as chaves para evitar o quadro infeccioso.

O que é a febre maculosa?

A febre maculosa é uma doença zoonótica infecciosa causada pela bactéria Rickettsia rickettsii, que é transmitida pela picada do carrapato do tipo Amblyomma cajennense, popularmente chamado de carrapato-estrela.

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Os humanos, porém, são hospedeiros acidentais, ou seja, não há transmissão de pessoa para pessoa.

A doença é caracterizada por febre e pela presença de manchas vermelhas na pele (as máculas). Se houver demora na busca de tratamento, o risco de morte é altíssimo.

A febre maculosa brasileira, causada pela Rickettsia rickettsii, é a doença transmitida por carrapatos de maior importância no País, sendo endêmica na Região Sudeste, segundo o Ministério da Saúde.

Evitar o habitat

A primeira linha de defesa, segundo a pasta da Saúde, é evitar áreas de alto risco de infestação de carrapato-estrela, principalmente durante os períodos de atividade de “estágios imaturos” dos aracnídeos (o micuim), que ocorre entre junho e novembro.

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“Aqui, no Brasil, a principal espécie transmissora é a Amblyomma cajennense e também a Amblyomma aureolatum, que são os carrapatos conhecidos popularmente como carrapato-estrela ou micuim. Ele é muito comum em áreas rurais, porque está associado a animais de grande porte”, diz Joziana Barçante, coordenadora do Núcleo de Pesquisa Biomédica e professora do Departamento de Medicina da Universidade Federal de Lavras (UFLA).

O aracnídeo é encontrado de forma mais frequente em equídeos, como é o caso das capivaras. Mas, eventualmente, bovinos acabam carregando esse tipo de carrapato.

Caso não seja possível evitar áreas rurais e/ou com maior probabilidade de infestação de carrapatos, é essencial tomar uma série de cuidados. É preciso, por exemplo, usar roupas de proteção e repelentes, além de observar o corpo a cada duas horas.

Placas alertam para a presença do carrapato, transmissor da febre maculosa, em área da zona norte de São José dos Campos Foto: Claudio Vieira - PMSJC

Que tipo de roupa devo usar para evitar picada do carrapato?

Conforme o manual do Ministério da Saúde, o traje é composto por “meias grossas e compridas (como as de uniformes de futebol), macacão com fechamento em zíper ou um conjunto composto de calças compridas enfadas nas meias e camisa de mangas compridas”.

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O ideal é que as peças sejam de tons claros (de preferência, brancas), para que seja mais fácil detectar a presença de um carrapato acoplado ao corpo.

“O ideal é que você use uma uma bota alta e com a calça para dentro, para que o carrapato não suba na sua perna, porque ele faz isso de uma maneira imperceptível”, diz Marcelo Simão, chefe do serviço de moléstias infecciosas do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

Se quiser uma proteção extra, é possível encontrar, em lojas específicas de caça e pesca, calças e camisas impregnadas com um princípio ativo chamado permetrina.

“É o mesmo utilizado em mosquiteiros. Essas roupas costumam manter efetividade para proteção contra picadas de insetos e carrapatos mesmo após seis lavagens. Basta manter os cuidados do fabricante”, indica a infectologista Tânia Chaves, professora da Universidade Federal do Pará, consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e presidente da Sociedad Latino Americana del Viajero.

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A permetrina não pode ser aplicada diretamente na pele, apenas nas roupas.

Qual repelente devo usar?

O manual do Ministério da Saúde também recomenda o uso de repelentes. Segundo documento, estudos mostram que a aplicação dos produtos na pele nua e/ou nas vestimentas reduz a chance de picada pelo carrapato. A pasta indica o uso de repelentes que tenham como princípio ativo DEET, IR3535 ou Icaridina.

Joziana e Otsuka destacam que os repelentes com DEET têm uma “ação melhor” contra o carrapato-estrela. Segundo Joziana, eles possuem “concentração mais alta” e, por isso, são mais indicados.

“É preciso avaliar o uso desse repelente para crianças e idosos em função da toxicidade”, pondera. O ideal é consultar um profissional da saúde antes de recorrer ao produto.

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Tânia, porém, diz não prescrever mais os repelentes com DEET. “É difícil encontrá-los na concentração ideal”, diz.

“A concentração de DEET autorizada pelas agências regulatórias no Brasil, de até 15%, não tem a eficácia desejada, porque significa que o indivíduo tem que aplicar a cada duas horas, e ninguém adere a isso.”

Ela orienta, então, o uso da Icaridina. “É excelente, está disponível no mercado e é possível encontrar fórmulas com ação prolongada. Crianças a partir de 6 meses de vida já podem usar, mas de forma cuidadosa”, afirma.

Em relação à frequência de aplicação na pele, o correto é seguir a orientação do fabricante. “Em geral, repita a aplicação a cada seis horas. Mas há formulações preparadas para agir por 12 horas”, diz Tânia.

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Se eu for picado por um carrapato, o que fazer?

Em área de risco, os profissionais indicam que as pessoas chequem, a cada duas horas, se encontram um carrapato grudado no corpo. A remoção em tempo hábil e feita de maneira correta pode evitar o quadro infeccioso.

“A gente considera, a princípio, que o carrapato precisa ficar quatro horas preso no corpo para que você tenha uma carga da bactéria suficiente para provocar a doença”, informa o infectologista Marcelo Otsuka, do Departamento Científico de Infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP).

Segundo o Ministério da Saúde, os carrapatos possuem peças bucais especializadas para a perfuração e a penetração da pele, além de uma saliva constituída de inúmeras substâncias que modulam a resposta imunológica do hospedeiro, o que dificulta detectar o momento da mordida e permite que se acople ao hospedeiro por longos períodos de tempo.

Caso você encontre um carrapato preso na pele, o procedimento de remoção requer bastante cuidado. Ele não pode ser simplesmente arrancado, porque parte do aparelho bucal do aracnídeo pode seguir no corpo, propiciando a transmissão.

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“É importante não cutucar o carrapato, porque se ele fica naquele estresse da retirada, há aumento da a salivação e isso eleva a chance de transmissão da bactéria. O ideal é pegar com uma pinça, levantar o carrapato e fazer uma torção, como se a gente tivesse girando uma chave”, descreve Joziana.

Após a retirada, explica Joziana, não se deve esmagar o aracnídeo. “Se ele estiver infectado, pode liberar essas bactérias. Aí, alguma pequena lesão na cutícula ou arranhão na pele pode ser uma porta de entrada para essa bactéria”, justifica.

Ela orienta colocar o carrapato em um recipiente com álcool e também higienizar o local da picada (também com álcool).

“O grande problema acaba sendo o micuim, que é o carrapato mais jovem”, diz Otsuka. “Por ser pequeno, ele consegue ficar mais tempo no corpo até que alguém consiga perceber.”

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Devo buscar médico após ser picado?

Caso você tenha sido picado, os especialistas indicam monitorar os sintomas (febre, dor no corpo, dor de cabeça, desânimo, diminuição do apetite e aparecimento de pequenas lesões avermelhadas), e, na apresentação de qualquer um deles, buscar uma unidade de saúde e relatar a picada. “As manifestações clínicas, em geral, acontecem entre sete a 10 dias após o contato com o carrapato”, afirma Otsuka.

O prognóstico do paciente e a evolução para o caso grave dependem diretamente do tempo que se demora para dar início ao uso de medicamentos. “Se houver atraso na suspeita clínica e no início do tratamento, as chances de óbito vão aumentando, e chegam a 20% ou 30%. É muito alto para uma doença infecciosa e prevenível”, destaca Joziana.

“O ideal é que, no máximo nos dois ou três primeiros dias do surgimento dos sintomas, o tratamento seja iniciado”, completa Otsuka. O tratamento em tempo hábil, destacam, é bastante eficaz.

O carrapato que transmite a febre maculosa é o mesmo que pode infestar o meu animal de estimação?

No Brasil, os carrapatos que infestam cães e gatos, em geral, são de outras espécies que não a transmissora da febre maculosa (mais presente em animais de grande porte), diz Joziana.

Porém, se o animal tiver frequentado áreas de maior probabilidade de infestação de carrapato-estrela, deve-se acender o sinal de alerta, e buscar evidências de picada ou da presença dos aracnídeos.

A remoção dos carrapatos nos pets segue a mesma regra indicada para os humanos: usar uma pinça e fazer movimentos circulares. O ideal, porém, é levar o animal até um veterinário que possa identificar a espécie do carrapato.

Se possível, os tutores devem evitar que o animal circule em áreas de mata ou que tenham infestação por carrapato-estrela.

No manual da Saúde, são reconhecidos três cenários epidemiológicos da doença. Em um deles, característico de algumas regiões como a Região Metropolitana de São Paulo, há o envolvimento de animais domésticos na cadeia de transmissão.

Neste cenário, explica Joziana, o carrapato em questão é o Amblyomma aureolatum (conhecido como carrapato amarelo). “Ele pode estar presente em áreas verdes e metropolitanas da região de São Paulo, junto com animais silvestres, que podem ser reservatórios. Os cães domésticos, ao entrarem nesses locais e terem contato com esses carrapatos, podem pegar a doença e manifestar sintomas de forma semelhante ao que acontece em humano. E os carrapatos que infestam esses animais podem picar os humanos.”

Segundo Tânia, ao falarmos de pets que vivem em casas e apartamentos, e não frequentam as áreas remanescentes de Floresta Pluvial Atlântica de montanha, “o risco de transmissão é baixíssimo”.

Os especialistas frisam que esse ciclo que envolve animais domésticos é muito raro. Por isso, ao encontrar um carrapato no pelo dele, não é preciso se desesperar. Faça a remoção do aracnídeo e monitore sintomas. Lembre-se: quem transmite a doença é um tipo específico de carrapato (e não o hospedeiro).

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