SÃO PAULO - Mais de 60 residentes do primeiro e segundo ano protestaram em frente ao Hospital São Paulo, na capital paulista, na manhã desta terça-feira, 9, pela falta de insumos e medicamentos para tratamentos básicos. Com cartazes de "A saúde pede socorro" e "A luta é pelos pacientes", eles afirmam que a instituição passa pela sua pior crise nos últimos anos e que não têm condições adequadas para receber pacientes.
Apenas 30% da equipe de 104 residentes atendeu pacientes na manhã desta terça. Eles afirmam que o hospital não tem medicamentos básicos como dipirona e calmantes, suturas, luvas cirúrgicas ou até insumos para exames de sangue, e temem que isso gere incapacidade de atendimento adequado na instituição.
"A única solução é o hospital diminuir o atendimento", diz Mateus Franco, que trabalha na instituição desde 2012 e diz que, apesar de ela já ter sofrido com falta de recursos no passado e ter "crises cíclicas", ele nunca havia visto falta de tantos itens básicos como agora.
Na véspera, Franco se reuniu com Marcelo Santos, diretor administrativo do Hospital São Paulo, que afirmou "melhorar a situação em uma semana". "Ele disse que só vai normalizar o estoque daqui a dois meses, mas também explicou que nada impede de o hospital voltar à mesma situação dois meses depois", conta, frisando que a instituição está "deficitária desde setembro".
Na manhã desta terça, o cenário encontrado pelo Estadão ainda era de pacientes internados em macas espalhadas pelos corredores do atendimento emergencial. Um residente que preferiu não se identificar à reportagem disse que há uma "falta crônica" de insumos, e que o hospital decidiu expandir leitos para receber pacientes da covid-19, mas não houve planejamento. "Como continuar com o serviço aberto se não temos condições de atender os que já estão aqui?", questiona.
Ele explica que, quando possível, pacientes que chegam à emergência são redistribuídos pelo Sistema CROSS (Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde) e encaminhados a outras unidades. O problema é quando o quadro clínico não admite essa espera.
Uma das médicas presentes no protesto afirma que recebeu um paciente com AVC hemorrágico na Unidade de Terapia Intensiva e não havia remédio para estancar o sangue. Em outra ocasião, a equipe precisou operar com luvas normais, que não são apropriadas para cirurgias por não terem a esterilização adequada. Pacientes que precisam de quimioterapia também estão tendo suas sessões adiadas, enquanto o quadro da doença evolui. Duas listas de solicitação entregues à instituição nos dias 7 e 8 deste mês e obtidas pela reportagem apontam a falta de pelo menos 80 itens básicos para o atendimento, como agulhas, seringas, sacos plásticos e remédios.
"É o risco que estamos correndo e, diante do cenário perigoso aos pacientes, decidimos parar", explica Franco. Ele afirma que na próxima sexta-feira, 12, funcionários do Hospital São Paulo de outras especialidades, como pediatria, cirurgia geral e equipes multifuncionais, também vão entrar em greve.
Em nota, o Hospital São Paulo confirma a falta de insumos e promete solucionar o problema. “Solicitamos aos médicos residentes a manutenção das suas atividades, visando à continuidade da assistência na instituição.”
O Hospital São Paulo afirma que, com a pandemia, “a unidade tornou-se um hospital preferencialmente covid, atendendo a um grande volume de pacientes graves, que geraram maiores custos que não estavam previstos”. Médicos presentes no protesto, entretanto, afirmam que até medicamentos de combate aos sintomas do coronavírus estão em falta na unidade. "Se a pessoa desenvolver uma pneumonia, não tem antibiótico", comentam.
A instituição também diz que “o pronto-socorro da unidade permaneceu aberto à população, atendendo a um alto número de pacientes - em torno de 1.000 por dia, em média. Importante ressaltar que a unidade recebeu no primeiro semestre de 2020 incentivos fiscais, recursos públicos e doações, que permitiram o custeio das atividades, mas que, infelizmente, não se mantiveram no segundo semestre.”
Há mais de cinco anos vindo de Vargem Grande para tratar a febre reumática da filha Stefany da Silva, de 13 anos, no Hospital São Paulo, Sandro Barbosa, de 45, diz que nesta terça-feira sofreu pela primeira vez os efeitos da falta de insumos na instituição. "Me disseram que não havia material para fazer nem o exame de sangue que ela precisa e me encaminharam para o Hospital Santa Marcelina", conta.
Já Adriana Aga Buzzetto, de 49 anos, conta que em agosto do ano passado começou a levar o marido Marcelo Aga, de 55, à unidade, mas até hoje não conseguiu um diagnóstico completo. A bolsa de colostomia que ele precisa também não foi oferecida e, nas últimas consultas, o hospital não fez nem a lavagem intestinal de Marcelo e nem exames de sangue por falta de material. "Não posso reclamar do atendimento , mas desde setembro estamos tentando fazer uma ressonância magnética com ele e não conseguimos. Tenho um retorno marcado para este mês e, pelo visto, a única saída vai ser pagar pelo exame na rede privada", explica.
Uma senhora que preferiu não se identificar e internou a filha há 15 dias no hospital conta que, na noite de ontem, uma das médicas responsáveis pelo tratamento lhe disse que também faltava um tranquilizante, sem o qual a paciente não conseguiria dormir. "A saída foi dar um similar de efeito menor, porque quando me informaram disso nem dava tempo de comprar um com meu próprio dinheiro", reclama.
Nesta manhã, um representando do Hospital São Paulo afirmou que o Conselho Estratégico da instituição estava reunido para efetuar a compra dos insumos necessários.
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