Revacinação em SP poderá ser feita com apenas uma dose e deverá usar Butanvac, diz secretário

Ministério da Saúde e especialistas, no entanto, dizem que ainda não há evidências científicas da necessidade de novo ciclo vacinal ou doses de reforço

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Foto do author Fabiana Cambricoli

A política de revacinação dos paulistas contra a covid-19, anunciada nesta segunda-feira, 19, pelo governo estadual, poderá ser feita com apenas uma dose, contemplará toda a população adulta (independentemente da vacina originalmente administrada), deverá seguir a mesma ordem de prioridade do primeiro ciclo de imunização (mas com cronograma muito mais rápido) e apostará na Butanvac, ainda em testes, como imunizante principal. As informações foram dadas ao Estadão pelo secretário estadual da Saúde, Jean Gorinchteyn, na tarde desta segunda.

Butanvac ainda passa por fase de testes Foto: Governo do Estado de São Paulo

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Mais cedo, em agenda pública, ele anunciou que a gestão João Doria planeja para o dia 17 de janeiro o início de uma nova rodada de imunização da população paulista. Na ocasião, sem dar muitos detalhes, disse que a decisão era baseada na “prerrogativa das vacinas para vírus respiratórios, como o da gripe”, que exigem campanhas de vacinação anuais por causa da queda dos anticorpos após meses e da atualização das vacinas com as cepas circulantes a cada ano.

Questionado pelo Estadão sobre como será a estratégia de revacinação contra a covid, o secretário esclareceu que os detalhes ainda estão sendo desenhados, mas adiantou informações sobre o formato, o público-alvo e o cronograma.

“A gente está estudando qual será o desenho dela, o número de doses, talvez seja uma dose só. A princípio, manteríamos o mesmo regramento (de prioridades), mas teremos uma disponibilidade maior de doses, então isso vai dar uma celeridade no processo. Mesmo que se criem grupos prioritários, a progressão do cronograma seria muito mais rápida”, afirmou.

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Ele disse que o governo paulista deverá priorizar na revacinação a Butanvac, vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan que entrou na fase 1 dos testes clínicos neste mês. Embora o imunizante ainda tenha que comprovar sua segurança e eficácia nos estudos, o instituto já iniciou a produção do produto e prevê ter em estoque 40 milhões de doses da vacina em outubro, quando o governo prevê concluir os testes.

“Se levarmos em consideração que a população maior de 18 anos no Estado é de 36 milhões de pessoas, já teríamos em janeiro, com essa quantidade de Butanvac, volume suficiente para revacinar todos com uma dose”, afirmou o secretário.

Gorinchteyn disse que um dos braços do estudo clínico da Butanvac é testar seu desempenho justamente como reforço de outras vacinas aplicadas no Brasil. A ideia, diz ele, é usar o imunizante na revacinação independentemente da vacina aplicada em 2021.

O secretário também disse que outra vacina que deverá ser considerada na revacinação é a Coronavac. A opção se justifica no fato de que ambas poderão ser produzidas integralmente no Brasil, sem a necessidade de importação do ingrediente farmacêutico ativo (IFA).

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“Aguardaremos a liberação da Butanvac após os testes e, em paralelo, o Butantan terá uma fábrica multipropósito, com capacidade para fabricação de 1 milhão de doses por dia da Coronavac”, afirmou.

Ele lembrou que a produção do IFA da Coronavac em solo brasileiro será possível graças ao acordo de transferência de tecnologia em andamento com a farmacêutica chinesa Sinovac. Por enquanto, o produto é apenas finalizado no Brasil, com insumos vindos da China. A previsão é que, entre o final deste ano e o início de 2022, o processo de transferência de tecnologia tenha sido finalizado e a produção 100% nacional tenha início.

O cenário para a revacinação, porém, ainda é de muita incerteza. A Butanvac nem passou pelos primeiros testes clínicos com humanos, o prazo previsto pelo Butantan de concluir os estudos do produto (outubro) é considerado muito otimista pelos especialistas e os dados sobre a necessidade de revacinação ou dose de reforço de vacinas da covid-19 ainda são limitados.

Por essas razões, vários especialistas criticaram o anúncio do governo paulista. O Ministério da Saúde também se posicionou contrário à medida. Em nota, a pasta disse que “até o momento, não há evidência científica que confirme a necessidade de doses adicionais das vacinas covid-19”.

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A recomendação, segundo o órgão, “é que Estados e municípios sigam o que é definido pela Câmara Técnica Assessora em Imunização e Doenças Transmissíveis, que é pactuada entre União e gestores estaduais e municipais, e pelo Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO)”.

Especialistas em vacinas ouvidos pela reportagem disseram que muitos países estão estudando a necessidade de uma dose de reforço ou da atualização das vacinas de acordo com as cepas circulantes, mas que ainda não há evidências de que essa terceira dose seja necessária nem qual o melhor momento para fazer uma revacinação.

“A gente pode até se preparar para uma possível necessidade de um reforço, que pode acontecer seja por novas variantes, pela imunidade ir diminuindo ou para um certo grupo vulnerável no qual a vacina não funcionou tão bem. Mas para cada uma dessas três hipóteses, a decisão do reforço tem que ser baseada nos dados”, disse a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de Vacinas, dos Estados Unidos.

“Até agora, a gente tem dados de que a vacina ainda está protegendo contra as variantes com duas doses. Quanto à duração da imunidade, sabemos que está durando pelo menos um ano para as vacinas de RNA, mas ainda não temos esses dados para a Coronavac, então precisa fazer estudo. Esse tipo de informação de revacinação agora só gera confusão e incerteza”, completou a médica.

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Ela afirmou que, mesmo no país norte-americano, onde há abundância de doses, ainda não há uma definição sobre política de revacinação - apenas estudos sobre um possível reforço para grupos vulneráveis que não responderam tão bem ao primeiro ciclo vacinal, como os imunodeprimidos.

O infectologista Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), também defende que é muito cedo para pensar numa revacinação. “Temos que fazer estudos para ver os títulos de anticorpos protetores depois de um tempo, se eles continuam protegendo, sobre o intercâmbio de vacinas, sobre vacinas de nova geração. Mas uma coisa é estudar, outra coisa é discutir a implantação”, afirmou.

Ele diz que, com os dados existentes hoje, não é possível saber se a terceira dose é realmente necessária e, caso seja, em qual momento e para quem ela deveria ser oferecida. “Não sabemos ainda se vai precisar de dose de reforço, quem vai precisar, com que vacina vai fazer, se serão esquemas mistos. Então falar em data de revacinação é, no mínimo, um exercício de futurologia, não tem cabimento”, ressaltou.

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