Risco de câncer antes dos 50 anos cresce, aponta estudo; entenda por quê

Cientistas analisaram dados da incidência de 14 tipos de câncer em 10 países e alerta para potencial epidemia de surgimento precoce da doença; má alimentação é fator de risco

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Por Pedro Nakamura
Atualização:

A incidência de câncer antes dos 50 anos de idade tem crescido a cada geração e aponta para o surgimento de uma “epidemia global” da doença entre adultos jovens nas próximas décadas, segundo artigo de pesquisadores da Universidade Harvard (EUA) publicado pela revista Nature Reviews Clinical Oncology. Mudanças de hábitos, como sedentarismo, sono ruim e uso de antibióticos são algumas das prováveis explicações para esse fenômeno.

O estudo analisou dados epidemiológicos de 14 tipos diferentes de câncer em 10 países de todos os continentes no período entre 2002 e 2012, além de revisar as evidências sobre a incidência global da doença em décadas passadas e suas possíveis causas. Conforme a pesquisa, intitulada “O câncer de início precoce é uma epidemia global emergente? Evidências atuais e implicações futuras”, o aumento progressivo na incidência teve um pico a partir dos anos 1990.

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“As razões para esse fenômeno não são claras, mas estão provavelmente ligadas a mudanças na exposição a fatores de risco nos primeiros anos de vida ou no início da idade adulta a partir da metade do século 20″, escreveram os autores, liderados pelo pesquisador Tomotaka Ugai, da Faculdade de Medicina de Harvard.

Na avaliação dos cientistas, avanços no rastreio do câncer têm influência limitada nesses números, e fatores ambientais podem estar por trás do crescimento. Isso inclui tendências de hábitos de vida modernos, como a intensificação do consumo de álcool e de alimentos ultraprocessados, obesidade, sedentarismo, mau sono e uso de antibióticos, indicam os pesquisadores de Harvard.

“Muita gente achava que o aumento de casos de câncer era pelo envelhecimento e métodos diagnósticos mais precisos, mas fatores ambientais, principalmente alimentares, estão influenciando bastante na incidência em idades mais precoces”, diz o médico oncologista Bruno Filardi, oncogeneticista do Serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). Para ele, o estudo de Harvard expõe de modo mais claro um fenômeno global já conhecido na área.

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O médico ressalta que ainda não há clareza sobre os mecanismos que associam hábitos de vida à doença. Mas, acrescenta ele, a epigenética, área que investiga como estímulos ambientais podem ativar ou suprimir genes, tenta entender como esses fatores interagem com susceptibilidades genéticas associadas ao câncer. “Sabemos que há um fenômeno de carcinogênese ligado à exposição, por exemplo, a certos tipos de alimentos”, explica.

Hábitos saudáveis podem prevenir a doença

Filardi também alerta que o câncer tende a ser mais agressivo quando acomete pessoas com menos de 50 anos em comparação a casos em pacientes. Ele pondera ainda que é difícil isolar um único fator responsável pelo aumento dessa incidência.

“São hábitos que mudam em uma população. Não se trata de um único alimento novo, mas um estilo de vida com maior consumo de gordura, sal, álcool, carne vermelha, condimentados, processados e menor exercício físico”, afirma o médico.

Conforme dados do levantamento Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel),feito pelo Ministério da Saúde, a proporção de adultos obesos no Brasil chegou a 21,5% em 2020. Essa taxa era de 11,8% em 2006. A pesquisa também revela que houve aumento no consumo de álcool, de ultraprocessados e também no sedentarismo.

Os autores do estudo de Harvard consideram que, para além de esforços pessoais de prevenção ao câncer, ações sistêmicas que promovam o rastreio da doença e um estilo de vida saudável no nível da sociedade podem reduzir sua incidência. “Por exemplo, a regulação de indústrias que produzem tabaco, alimentos ultraprocessados e bebidas”, sugerem os pesquisadores.

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Apesar dos alertas de cientistas, a nutricionista Maria Eduarda Diogenes, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), diz que estudos têm demonstrado que dietas não saudáveis estão cada vez mais baratas e acessíveis, sobretudo às pessoas mais vulneráveis, o que contribui para o aumento global das taxas de sobrepeso e obesidade, fatores de risco para o câncer e doenças crônicas como a diabete e complicações cardiovasculares.

Ser fisicamente ativo e manter são comportamentos importantes para a prevenção da doença, diz nutricionista Foto: Charlie Riedel/AP

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“A tributação de alimentos e bebidas ultraprocessados e o redirecionamento de subsídios para alimentos saudáveis é uma das estratégias recomendadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para a diminuição desse consumo”, afirma a nutricionista. Segundo ela, estimativas apontam que ultraprocessados - como salgadinhos, refrigerantes, refeições prontas congeladas ou embutidos - devem se tornar mais baratos que alimentos in natura, aqueles retirados diretamente da natureza, ainda neste ano.

“Já temos evidências robustas que apontam que uma alimentação baseada em alimentos in natura e minimamente processados de origem vegetal - como frutas, legumes, verduras, cereais, oleaginosas -, e pobre em alimentos ultraprocessados e carnes processadas ajuda a prevenir o câncer”, afirma a nutricionista.

Maria Eduarda explica que, além da dieta, a não exposição ao tabaco e ao excesso de sol, ser fisicamente ativo na rotina diária, evitar qualquer consumo de álcool, manter o peso saudável são comportamentos importantes para a prevenção da doença. No caso das mães, amamentar os bebês é outra recomendação dos especialistas. “Para isso, é fundamental que tenhamos políticas públicas e ações que promovam e facilitem essas escolhas”, considera.

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