Segundo dados preliminares do Sistema de Informações e Agravos de Notificação (Sinan/SUS), o número de casos de dengue em gestantes aumentou 354,2% nas primeiras semanas deste ano em comparação com o mesmo período de 2023. Diante dos números, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), divulgou, nesta segunda-feira, 4, um manual de cuidados diferenciados para esse público, em parceria com o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS).
De acordo com o documento, grávidas e puérperas são mais suscetíveis a complicações e evolução para as formas mais graves da dengue, especialmente até 14 dias após o parto, em decorrência do retorno lento das alterações fisiológicas aos padrões pré-gestacionais.
Segundo Antônio Braga, membro do grupo de trabalho de dengue e gestação da Febrasgo, o risco de mortalidade em caso de dengue grave pode ser até 450 vezes superior em comparação com o de pessoas não grávidas.
“A intenção do manual é assegurar a saúde da mãe e do bebê. O Brasil apresenta indicadores preocupantes quando se trata da mortalidade materna. Portanto, um olhar atento para esse grupo é essencial”, diz Braga, que também é coordenador estadual da Área Técnica da Saúde das Mulheres do Rio de Janeiro.
O especialista destaca ainda estudos que indicam uma maior suscetibilidade das mulheres grávidas à picada do Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue. Segundo ele, uma das possíveis razões é a temperatura corporal das gestantes, que geralmente é de 0,3°C a 0,5°C superior à de uma pessoa não grávida, o que atrai o inseto. “Além disso, as mulheres grávidas tendem a exalar mais gás carbônico, outro fator que atrai o mosquito transmissor”, acrescenta.
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Em caso de infecção, o que pode acontecer?
Segundo o manual, a dengue durante a gravidez pode gerar complicações nos pulmões e rins, provocando alterações específicas da gestação, tais como redução do volume do líquido amniótico e impacto no crescimento fetal intrauterino. A febre, um dos principais sintomas da doença, é capaz ainda de aumentar o risco de aborto espontâneo.
O documento indica também a possibilidade de a dengue provocar hemorragia, representando riscos significativos tanto para o bebê quanto para a mãe, inclusive de morte.
Os impactos, contudo, variam de acordo com a fase da gravidez em que a infecção acontecer. “Se a dengue ocorrer no início da gestação, pode resultar em aborto. Se a infecção ocorrer durante o segundo trimestre, pode levar ao nascimento prematuro. Já no período mais próximo ao parto, o vírus presente na mãe pode infectar o bebê através da placenta, gerando complicações ao recém-nascido”, descreve Braga.
Com relação às malformações, o especialista afirma que não há evidências desse tipo de problema quando se trata de dengue. “Essa preocupação está mais relacionada ao zika vírus, outro tipo de arbovirose. No caso da dengue, não há relatos sobre problemas no desenvolvimento do bebê”.
Quais as medidas de prevenção?
Em julho de 2023, a vacina Qdenga, da farmacêutica Takeda, começou a ser oferecida pela rede privada no Brasil e, em dezembro do mesmo ano, foi incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS) – devido ao número limitado de doses, contudo, inicialmente só crianças e adolescentes de 10 a 14 anos de 521 municípios selecionados pelo Ministério da Saúde serão vacinados pelo SUS.
De acordo com o laboratório, o foco agora é suprir a demanda do SUS. Mas, mesmo que a vacina seja encontrada na rede privada, ela não é indicada para gestantes e pessoas em fase de amamentação. “Nesse momento, a vacina disponível é produzida com vírus vivo atenuado, que contém agentes infecciosos vivos e, portanto, contraindicado para este grupo”, disse Braga.
A eliminação de criadouros de mosquitos segue sendo uma das melhores formas de evitar a doença. Além disso, vale apostar em métodos físicos, como uso de roupas claras, que têm propriedades repelentes, e de mosquiteiros, de preferência na entrada das casas. “Algumas pessoas optam por mosquiteiros na cama, mas é importante registrar que o mosquito da dengue não tem hábitos noturnos”, afirma.
Além disso, o documento elaborado pela Febrasgo também indica o uso de repelentes à base de icaridina, DEET e IR3535. “A duração (do efeito protetor) desses repelentes é superior, variando de 4 a 10 horas. Além disso, é preciso cuidado redobrado com o tipo de produto que a pele absorve na fase gestacional”, lembra o especialista.
Com relação a repelentes eletrônicos ou naturais, como aqueles à base de andiroba, capim-limão ou citronela, Braga alerta que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não atesta a eficácia desses itens.
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Em caso de dengue, o que fazer?
De acordo com o manual da Febrasgo, é crucial ter em mente que, atualmente, várias doenças além da dengue têm febre como sintoma, como a covid-19 e o sarampo. Portanto, é recomendado que qualquer sintoma febril seja avaliado com cautela por um médico para determinar o diagnóstico.
Em caso de confirmação da infecção, as gestantes são classificadas em um grupo que requer atenção especial, conhecido como “grupo B”. A hidratação é fundamental, sendo recomendado o uso de soluções orais reidratantes. “No entanto, algumas gestantes podem necessitar de internação para receber hidratação intravenosa, especialmente se não tolerarem a ingestão oral de líquidos”, afirma Braga.
Com relação às gestantes que não necessitarem de internação, o documento orienta a avaliação diária, com repetição de exame de sangue até 48 horas após o desaparecimento da febre.
Se houver agravamento do quadro clínico, a internação da grávida é indicada, com possibilidade até de tratamento em unidade de terapia intensiva (UTI) em caso de sinais de choque, sangramento ou disfunção grave dos órgãos.
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