O corpo é água — ou, pelo menos, 60% dele. Com essa composição, não é à toa que a falta de hidratação afeta o organismo inteiro. O cérebro perde o foco, a pele resseca e os rins ficam sobrecarregados, e esses impactos se tornam ainda maiores à medida que envelhecemos.
Indivíduos com mais de 60 anos sofrem uma redução na quantidade e na sensibilidade dos receptores do corpo responsáveis por regular a sede, além de contarem com uma menor produção do hormônio antidiurético, que promove a reabsorção de água nos rins. Assim, sem perceberem, sentem menos vontade de consumir água – mesmo quando o organismo necessita.
As consequências disso são múltiplas. De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, 40% das internações por desidratação são de idosos. Veja a seguir os principais perigos do quadro na terceira idade e como preveni-los.
Quais os riscos da desidratação em idosos?
Função cognitiva
A baixa ingestão da água pode causar sintomas confundíveis com doenças neurodegenerativas, incluindo Alzheimer. Isso ocorre porque as células cerebrais são particularmente suscetíveis à desidratação. Por isso, um dos impactos é a alteração no nível de consciência, segundo Marco Túlio Cintra, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).
“A falta de hidratação pode deixar o idoso mais sonolento e até mesmo confuso”, explica Felipe Vecchi, geriatra e diretor médico dos Residenciais Cora Premium. No dia a dia, isso pode gerar repercussões como quedas e engasgos, “já que ele estará um pouco mais letárgico”, diz. Ao engasgar, a comida ainda pode parar no pulmão e gerar pneumonia por aspiração.
Por isso, é preciso lembrar de beber água mesmo quando não há desejo. “Porque, muitas vezes, a pessoa só percebe que está com sede quando já está confusa ou caiu”, comenta Cintra.
Problemas nos rins
Segundo Cintra, a função renal também sofre um certo declínio com a idade e, com a desidratação, é mais fácil desenvolver uma disfunção renal aguda.
Os médicos destacam que os rins atuam como filtros do organismo, eliminando toxinas junto à urina. Com menos água ingerida, as substâncias tóxicas tendem a se acumular no corpo e sobrecarregar esses órgãos em sua tarefa de purificar o sangue.
O acúmulo de toxinas também pode impactar o funcionamento do cérebro e o estado cognitivo. Em casos graves, a insuficiência renal ainda pode levar à sepse (infecção generalizada) e a problemas cardíacos.
Pressão arterial
O problema não para por aí. “Com o rim trabalhando de uma maneira forçada, eu vou ter menos líquido dentro dos vasos sanguíneos, o que pode gerar um pouco de hipotensão”, diz Vecchi.
Em outras palavras, a pressão arterial pode cair. O principal sintoma é a sensação de desmaio iminente ou o desmaio de fato, especialmente na hora de levantar.
Corpo ressecado
A pele do idoso, naturalmente mais seca, resseca ainda mais, o que causa coceira. O ato de coçar pode provocar ferimentos, que aumentam o risco de infecções por bactérias oportunistas.
Outro sintoma clássico é a sensação de boca seca, tornando tarefas simples, como comer e falar, desconfortáveis. Até os olhos sofrem, ficando mais secos e propensos a irritações. “Embora sejam considerados sinais menores, eles afetam significativamente a qualidade de vida”, destaca Vecchi.
Dor de cabeça e constipação
A falta de líquidos ainda pode provocar dor de cabeça. Quando o corpo percebe que algo não está funcionando bem, envia sinais de alerta — e a dor é um dos mais comuns.
Outro problema frequente é a constipação. Com menos água disponível, as fezes se tornam mais secas e difíceis de eliminar, levando ao desconforto e esforço durante a evacuação.
Quais os sinais de desidratação?
Quando o corpo está precisando de água, ele dá sinais. Boca seca, saliva mais espessa e urina escura e com cheiro forte são alertas comuns.
Esse odor, muitas vezes confundido com infecção urinária, pode ser apenas uma maneira de o organismo avisar que precisa de ajuda para eliminar toxinas. Outros indícios mais iniciais incluem olhos e pele ressecados.
A própria sede também é um sinal de alerta grande com o avançar da idade, “assim como a luz piscando no painel de um carro indica a necessidade urgente de reabastecer o veículo”, compara Vecchi. Se esses avisos forem ignorados, a situação pode se agravar.
Quanto litros de água o idoso deve ingerir?
A quantidade de água que alguém deve consumir ao longo do dia é relativamente particular, devendo ser consideradas características como peso corporal e necessidades individuais.
No entanto, segundo Cintra, é recomendável que os idosos consumam entre 1,6 litro e 2 litros de líquidos por dia.
Pode parar de beber água à noite?
A incontinência urinária é um problema frequente entre idosos e muitos evitam beber água à noite para não precisar se levantar para ir ao banheiro. Porém essa prática aumenta o risco de desidratação.
Segundo os geriatras, é possível reduzir um pouco a ingestão de líquidos próximo da hora de dormir, mas sem exagerar na restrição e desde que a hidratação ao longo do dia tenha sido de qualidade. Outra dica é evitar bebidas com cafeína ou chás diuréticos à noite, pois podem aumentar a necessidade de urinar.
Mas nem sempre a medida irá diminuir as idas ao banheiro. “É preciso ter em mente que, se você tem incontinência, irá levantar à noite para urinar independentemente de ter bebido água ou não”, diz o presidente da SBGG.
Cuidado redobrado no verão
No verão, o calor intenso aumenta a perda de água, especialmente entre os idosos, que têm mais dificuldade em regular a temperatura corporal. Isso pode causar sintomas como tontura, dor de cabeça e até aumentar o risco de acidente vascular cerebral (AVC).
Por isso, é importante manter os ambientes frescos e ventilados, evitando a perda de água e suor. Se a casa do idoso for muito abafada, Cintra indica passeios em locais refrigerados, como shoppings, sempre evitando a exposição ao sol entre 10h e 16h.
Veja também
Como melhorar a hidratação?
Como o estímulo de sede no idoso é reduzido e o acesso à água pode ser limitado, é importante adotar estratégias para garantir uma boa hidratação. Confira algumas dicas dos geriatras para melhorar a ingestão hídrica:
- Diversificar as fontes de líquidos: a água não precisa vir apenas de oito copos por dia. Artifícios como água saborizada, sucos leves, chás frescos e água de coco podem ser usados, garantindo a hidratação com sabor atrativo e diversificado. Também é importante consumir alimentos com alto de teor de água, como tomate, melancia e sopa.
- O que não vale: refrigerantes e sucos de caixinha, chamados de “néctar”, não devem entrar na lista, já que são ricos em açúcares e conservantes, podendo fazer mal à saúde. Bebidas quentes, como café e chás em altas temperaturas, também não são recomendadas.
- Medir a quantidade de água ingerida: ter uma garrafa com a quantidade diária de água pode ajudar no controle da ingestão ao longo do dia, já que em outras situações a pessoa pode dar apenas alguns goles e ter a falsa impressão de que bebeu o suficiente.
- Manter a oferta constante: a família tem um papel importante na hidratação dos idosos. Alguns podem ter dificuldade de locomoção e, por sentirem menos sede, podem não pedir água com a frequência necessária. Por isso, os familiares devem estar atentos e oferecer líquidos e alimentos ricos em água regularmente, mesmo quando o idoso não solicitar. Garantir que garrafas e copos estejam em lugares visíveis e fáceis de acessar também é uma boa prática.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.