Síndrome do pôr do sol: entenda a condição que afeta pacientes com Alzheimer e como amenizá-la

Problema provoca agitação e confusão no final do dia, quando começa a escurecer; manter uma rotina e acolher a angústia do paciente nos momentos de crise são fundamentais, segundo especialistas

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Por Lilian Liang

O final da tarde é sempre um período de agitação para o mineiro Aroldo Batista, de 78 anos. Diagnosticado há dez anos com doença de Alzheimer, sempre que começa a escurecer ele fica mais confuso, procura por coisas e pessoas que não consegue nomear bem, anda incessantemente pela casa da filha Cristina Montheiro, com quem mora há três anos. “Ele entra num desassossego generalizado. Fica perguntando ‘Cadê o pessoal? O pessoal falou que estava aqui e não está.’. Outras vezes quer saber onde está a comida. Tem dias em que fica me procurando, mas a desorientação é tão grande que ele passa por mim e não me vê”, conta Cristina.

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Essa inquietação ao final do dia e no início da noite é comum em pacientes com demência e tem um nome quase poético: síndrome do pôr do sol. De acordo com a geriatra Celene Queiroz Pinheiro, presidente da Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz), trata-se de uma alteração de comportamento marcada por agitação e confusão no final do dia, quando começa a escurecer.

“No horário do pôr do sol a pessoa fica mais impaciente, inquieta ou irritada. Muitas vezes ela pede para sair, para ir embora ou ir para casa. Em muitos casos, essas alterações se prolongam até o período noturno”, explica a especialista.

Além desses sintomas, uma revisão da literatura conduzida por uma equipe da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que analisou artigos publicados entre 2016 e 2021 sobre síndrome do pôr do sol, acrescentou outras alterações à lista: resistência, alucinações visuais e auditivas, ansiedade, agressividade, gritos e berros.

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Nem todas as causas para esse fenômeno são conhecidas, mas há explicações biológicas para ele. “Sabemos que quase 90% das pessoas com demência terão algum tipo de distúrbio do sono durante o processo demencial. A síndrome do pôr do sol cai nessa categoria e é uma alteração do ciclo circadiano causada pela degeneração do núcleo supraquiasmático do cérebro, que é o principal regulador do nosso relógio biológico”, detalha Celene.

Embora aconteça em outros tipos de demência, como a frontotemporal, a vascular e a de corpúsculos de Lewy, estudos mostram que a síndrome do pôr do sol é mais prevalente na doença de Alzheimer, até por ser esse o tipo mais comum de demência. Ela tende a acontecer a partir da fase moderada da doença.

Aroldo Batista, de 78 anos, tem Alzheimer e sofre com a síndrome do pôr do sol Foto: Cristina Montheiro

Rotina como principal estratégia

Para cuidadores, essa agitação ao final do dia pode ser especialmente delicada, porque é um horário em que todos já estão mais cansados e é fácil que a situação se complique. Por isso o ideal é evitar que o quadro de agitação se instale. Caso o paciente já tenha ficado agitado, o recomendado é evitar que ele se agrave.

Segundo a geriatra Celene, existem inúmeras estratégias que podem ser usadas para reduzir o impacto da síndrome do pôr do sol, mas elas se resumem em uma única palavra: rotina. “A rotina é a grande aliada da família da pessoa com demência”, pontuou. “É preciso evitar que haja muitas mudanças no dia do paciente para que ele não se agite.”

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Essa rotina pode ser estabelecida de diversas maneiras: ter um horário definido para expor a pessoa ao sol, o que ajuda a regular o ciclo sono-vigília; limitar a soneca da tarde ao máximo de uma hora, sempre com alguma fresta de luz; não consumir cafeína muito tarde no dia; evitar excesso de atividades; e manter a tranquilidade na casa ao final do dia.

Mudanças no ambiente também podem ser aliadas no controle do sintomas da síndrome do pôr do sol. “O ambiente da pessoa com demência tem que ser o mais clean possível, organizado, sem coisas amontoadas. Com isso, você evita que a pessoa não entenda direito o que está enxergando”, explica Celene. “Acender as luzes antes que fique tudo escuro também ajuda, porque às vezes a pessoa se assusta com alguma sombra.”

Ainda no quesito ambiente, a especialista cita o conforto térmico e o conforto acústico do ambiente. “Tinha uma paciente que morava perto de uma avenida muito movimentada, então no final do dia eu recomendava que ela fosse levada para os cômodos mais afastados da rua para não ficar exposta ao barulho do trânsito”, conta.

São estratégias como essas que Cristina usa com seu pai. Aos poucos ela foi entendendo o que o acalma e hoje utiliza os recursos que já se provaram eficazes: óleos essenciais, músicas que ele gosta de ouvir – Almir Sater e Simon and Garfunkel estão no topo da playlist –, exercícios de respiração, como os que ele costumava fazer com ela na infância. Ela também presta atenção ao ambiente. “Meu pai não gosta de ver a noite, então fechamos tudo e acendemos todas as luzes da casa”, conta.

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Mas o que nunca falha são as caminhadas. Cristina relata que seu pai sempre teve o hábito de caminhar pelo menos uma vez ao dia e continuou a fazê-lo depois do diagnóstico. Hoje ela o acompanha e observa os efeitos benéficos da atividade no controle dos sintomas, já comprovados por estudos. Essa prática foi tema de um dos vídeos no perfil que Cristina criou no Instagram chamado Memórias de Alzheimer. Com quase 70 mil seguidores, a mineira, que é fotógrafa, mostra a rotina de cuidados com seu pai, dividindo com delicadeza suas experiências e discutindo temas que geram dúvidas no público. O post sobre a síndrome do pôr do sol é um dos mais comentados do perfil.

“Quando a crise se instala, mesmo que o paciente não se lembre daqui cinco minutos, aquela tensão vai ficar”, diz. “Se a gente está nessa tensão, não tem como deixar o paciente calmo. Então temos que cuidar para não deixar a crise chegar.”

Pílula mágica?

Celene explica que a degeneração no cérebro cria uma situação favorável para a síndrome do pôr do sol, mas que os sintomas se apresentam de formas diferentes. “Às vezes é algo leve – você oferece um lanchinho e o idoso já se distrai”, diz. “Mas há casos em que a síndrome é mais exuberante e aí é preciso ficar atento. Às vezes, a agitação é um pedido de socorro. A pessoa pode estar com frio, fome, dor. Há algo incomodando, mas ela não consegue verbalizar.”

Nessas situações, a experiência e a proximidade com a pessoa que tem Alzheimer é extremamente valiosa para identificar o que está acontecendo. “Só assim é possível perceber que talvez a visita de todos os netos de uma vez só tenha sido demais. Ou que a pessoa está entediada, quer mudar de ambiente, fazer alguma coisa, mas não sabe dizer o que quer”, explica.

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Celene enfatiza a importância de se reconhecer o sentimento do paciente nesses momentos agudos. “Tem que chegar perto, validar o que ele está sentindo e encontrar formas de ajudá-lo. Se, por exemplo, ele tem falado muito do pai e da mãe, dizer ‘O senhor está sentindo saudades da sua família?’ e dar espaço para que ele fale sobre isso ou usar a oportunidade para folhear um álbum de fotos”, diz.

Segundo a presidente da Abraz, não existe uma pílula mágica que resolva a síndrome do pôr do sol. “A maioria dos medicamentos usados hoje para controle de agitação são usados de forma off label, ou seja, não têm essa indicação específica em bula”, explica Celene. “Mas o que sabemos é que as medidas não-farmacológicas ainda são as mais eficazes para alterações comportamentais em geral”, diz.

A boa notícia é que o próprio tratamento da demência, com os medicamentos específicos, protege das mudanças de comportamento. Em casos de diagnóstico precoce, em que a pessoa começa a ser tratada ainda em fase leve, os episódios de agitação aparecem de forma mais tênue. Já quando a pessoa chega ao médico em função das alterações comportamentais e a partir delas é diagnosticada com demência, a primeira medida é tirá-la do quadro agudo com orientações não-medicamentosas. “Mas já avisamos a família que o próprio tratamento da demência vai ajudar a diminuir os sintomas”, explica a geriatra.

Síndrome do pôr do sol coletiva

O desafio de lidar com a síndrome do pôr do sol é ainda maior em instituições de longa permanência para idosos (ILPI), já que elas reúnem pacientes com demência em níveis diferentes sob o mesmo teto. “Como há muitas pessoas ali, se um agita, existem grandes chances de o outro agitar também”, diz a geriatra.

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Nesse caso, entra em ação a criatividade da equipe multidisciplinar para evitar que a situação fuja de controle. Um exemplo famoso disso são os pontos de ônibus falsos instalados em algumas ILPIs na Alemanha em 2008. Como muitos residentes com demência sentiam a urgência de voltar para a casa ao final do dia, os pontos serviam como uma forma de acalmá-los, enquanto esperavam por um ônibus que nunca passava. Algumas casas até colocaram os horários das linhas e anúncios antigos para dar mais veracidade e conferir um senso de familiaridade aos residentes. Os pontos de ônibus ainda existem e a iniciativa foi reproduzida por outras ILPIs na Europa.

Encontrar formas inovadoras e individualizadas de lidar com a síndrome do pôr do sol faz parte do dia a dia da enfermeira Renata Rost Xavier, responsável técnica do Residencial Vida Nova para Idosos, na zona sul de São Paulo. A instituição tem hoje 114 residentes, 76 dos quais com demência. Os idosos são separados em alas segundo graus de complexidade, variando de independentes até aqueles em cuidados paliativos.

Segundo Renata, há medidas que podem amenizar a agitação e confusão do final do dia no contexto coletivo, como a já mencionada rotina com horários bem estabelecidos, mas ressalta que o método mais eficaz ainda é acolher o paciente em sua própria angústia e desenvolver estratégias condizentes com sua biografia, de maneira individualizada.

Ela dá o exemplo de uma residente que sempre trabalhou no mundo corporativo, poliglota e muito influente. Com diagnóstico de doença de Alzheimer associada a doença de Parkinson, hoje ela precisa de cadeira de rodas e o final do dia é sempre um horário tumultuado.

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“Ela sente que precisa sair do trabalho e ir para casa. Mas a ILPI não é a casa nem o trabalho, então ela fica agitada, arrastando a cadeira”, relata. “Nossa equipe então criou um cenário parecido com o de um escritório e colocamos papeis, canetas, lápis de cor, potes sobre a mesa. Dizemos que ela tem que arrumar sua mesa antes de ir para casa, como se encerrando o expediente. Quando ela termina, quer procurar o carro. Nós então saímos pela rua, ela com a papelada no colo, procurando o estacionamento. Depois de um tempo, nós sugerimos entrar de novo na ILPI para tomar um chá e depois continuar a procurar. Nesse processo, o desespero já acalmou.”

O que Renata destaca como fundamental no manejo da síndrome do pôr do sol é nunca confrontar o paciente. “A equipe é orientada para jamais contrariar. A verdade deles é absoluta. Temos uma residente que quer ligar para a mãe diariamente no final da tarde para dar boa noite, mas a mãe dela morreu há mais de 15 anos. O que fazemos então é ligar para um outro ramal da casa, como se estivéssemos ligando para a mãe. Às vezes alguém atende e finge que é a mãe. Às vezes ninguém atende. Mas não vamos contar a ela que a mãe morreu. Por que fazê-la reviver o luto?”, conta.

Por fim, para que essas estratégias sejam desenvolvidas com eficácia no ambiente da ILPI, a enfermeira enfatiza que a colaboração dos familiares é essencial. “Nem toda família é verdadeira. Muitas têm medo de contar as alterações de comportamento do idoso por medo da recusa por parte da instituição”, explica Renata. “Mas nós precisamos saber. Esconder o que acontece no Alzheimer é como segurar um punhado de areia com a mão aberta na praia. Ele escapa, não tem como controlar. Mas quando entendemos a biografia do idoso e atuamos com amor e paciência, é possível estruturar um plano de cuidados individualizado e dar qualidade de vida a esse idoso.”

Dicas para gerenciar a crise da síndrome do pôr do sol

  • Use técnicas de distração: entre em uma sala diferente, faça a pessoa beber algo, faça um lanche, ligue uma música ou saia para passear;
  • Pergunte qual assunto traz tristeza. Ouça atentamente a resposta e, se possível, veja se você consegue lidar com o motivo de sua angústia;
  • Fale de forma lenta e calma;
  • Fale em frases curtas e dê instruções simples para tentar evitar confusões;
  • Segure a mão da pessoa ou sente-se perto dela e toque-a. Estímulos sensoriais ativam os sentidos primários e nos conecta melhor com o ambiente;
  • Siga uma rotina diurna que contenha atividades que a pessoa goste, como dar uma caminhada suave ou visitar lojas;
  • Tente limitar a ingestão de bebidas cafeinadas e alcoólicas. Em vez disso, ofereça-lhes bebidas sem cafeína, ou cerveja ou vinho sem álcool. Você pode querer que eles considerem parar de beber álcool completamente;
  • Tente limitar os cochilos diurnos para incentivá-los a dormir bem à noite;
  • Feche as cortinas e acenda as luzes antes do anoitecer para facilitar a transição para a noite;
  • Se possível, cubra espelhos, janelas e portas de vidro com uma toalha, lençol ou cortina. Reflexos podem ser confusos para pessoas com demência;
  • Evite grandes refeições à noite, pois isso pode atrapalhar os padrões de sono;
  • Introduza uma rotina noturna com atividades que a pessoa goste, como assistir a um programa favorito, ouvir música, acariciar um animal de estimação, por exemplo, mas tente sintonizar a TV ou o rádio em algo calmante e silencioso – ruídos altos repentinos, como gritos, podem ser angustiantes para uma pessoa com demência.

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Fonte: Adaptado da cartilha UK Dementia por Carla Santana, coordenadora da Abraz-Ribeirão Preto

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