As imagens de exames do escritor e publicitário Paulo Peregrino, de 61 anos, antes e depois de passar pela terapia inovadora de CAR-T Cell, capaz de curar alguns quadros de câncer, geraram repercussão por todo o Brasil nesta semana. “Eu só vi aquelas duas imagens em 23 de abril, em uma postagem do Dr. Vanderson (médico que o acompanhou ao longo do tratamento) e sinto que ressuscitei”, disse o paciente ao Estadão.
“Se eu tivesse visto a primeira (imagem) antes do tratamento, acho que eu não teria acreditado na possibilidade de cura. Eu sabia que minha situação não era fácil, mas não tinha noção de que meu corpo estava tomado por tumores daquela forma”, afirma.
Peregrino recebeu o primeiro diagnóstico de câncer em 2010, quando teve um tumor na próstata, curado em 2014. Em 2018, descobriu seu primeiro linfoma não-Hodgkin, um tipo de câncer que se origina no sistema linfático e contra o qual vinha lutando desde então.
Já havia tentado diferentes tipos de tratamento, mas os tumores não paravam de evoluir. Depois do novo procedimento, testado pela Universidade de São Paulo (USP) em parceria com o Instituto Butantan e o Hemocentro de Ribeirão Preto (SP), teve uma remissão completa dos tumores.
A descoberta da terapia CAR-T Cell
No ano passado, Peregrino recebeu o diagnóstico de seu terceiro linfoma e se deu conta de que talvez os métodos tradicionais de tratamento poderiam não solucionar o seu quadro. Por já ter passado por muitas quimioterapias, ele tinha um quadro de deficiência de plaquetas no sangue que era difícil de contornar. “Fui internado muitas vezes e sentia muitas dores”, relata.
Foi então que o escritor conheceu o CAR-T Cell, a pesquisa da USP e o hematologista Vanderson Rocha, que dá aulas de terapia celular na universidade, coordena o programa nacional desse tipo de terapia da Rede D’Or e está à frente do estudo que visa a baratear a tecnologia e oferecê-la no Sistema Único de Saúde (SUS).
“Minha família resolveu pesquisar soluções para o meu quadro e descobriu pela internet o nome do Dr. Vanderson e a pesquisa do CAR-T Cell. Eu sabia que a minha esperança seria uma terapia inovadora e essa era a mais palpável”, diz Peregrino. “Me encontrei com o médico no Rio (o paciente mora em Niterói) e ele me explicou tudo sobre o tratamento e o estudo. O meu tipo de tumor e todo o meu histórico se encaixavam com os pré-requisitos para participar da pesquisa.”
Para participar da pesquisa da USP sobre o CAR-T Cell, é necessário ser um paciente adulto com linfoma difuso de grandes células B (caso de Peregrino) ou leucemia linfoblástica aguda de células B. Além disso, é preciso confirmar que já passou por duas ou mais linhas de tratamento, mas voltou a manifestar a doença após as terapias padrão.
Fora as cerca de 45 sessões de quimioterapia às quais foi submetido, Peregrino também já tinha passado por um transplante medular autólogo – quando as células-tronco hematopoiéticas do próprio paciente são removidas antes da administração da quimio de alta dose e infundidas novamente após o tratamento. Nada fez com que seu câncer regredisse totalmente. Só o CAR-T Cell.
A terapia inovadora usa células de defesa do próprio corpo, modificadas em laboratório, para atacar os linfomas e leucemias. Hoje, já está disponível mercado de saúde privada do País, que leva as células para serem modificadas no exterior e depois as traz de volta para reinserção no paciente.
Na pesquisa da USP, todo o processo é feito no Brasil e dentro da rede pública, o que confere autonomia científica e redução de custos – os participantes da pesquisa não pagam nada pelo tratamento.
Até o momento, 14 pacientes participam da pesquisa e nove deles apresentaram remissão total do câncer. A expectativa é que futuramente o tratamento esteja disponível no SUS.
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“Milagre da ciência”
“Minha ficha ainda não caiu, foi um verdadeiro milagre da ciência”, diz Peregrino, ainda atordoado com toda a repercussão que o seu post no Instagram relatando o caso gerou. Ele conta que, durante o processo de tratamento, enfrentou também uma infecção bacteriana e uma de covid-19 que quase o cegou.
“Como eu estava com a quantidade de plaquetas de sangue baixa, ao tossir por conta da covid, tive uma hemorragia na retina. Isso me gerou em cegueira parcial de 3 meses. Depois, fiz uma cirurgia e voltei a enxergar, com óculos”, conta.
O escritor enfatiza que, apesar de não ter sido um processo fácil, ele não se deixou intimidar pela doença e buscou participar ativamente de todo o tratamento. Agora, pretende lançar um livro com dicas práticas e relatos pessoais sobre o enfrentamento do câncer.
“Fé e ciência é o que faz eu estar falando aqui contigo. Saber que eu estou participando de um estudo cientifico que vai ajudar muitas pessoas a não passarem pelo que eu passei me faz muito feliz”, diz.
“Não posso deixar de agradecer a Deus e a todos os profissionais envolvidos nessa minha jornada desde o primeiro linfoma em 2018: médicos, enfermeiros, técnicos, pessoal de manutenção e apoio por onde passei. E também, é claro, ao apoio de minha esposa, nosso filho, meus irmãos, cunhadas, sobrinhos etc. Além dos amigos fraternos do vôlei e da faculdade – mais de 40 anos de amizade verdadeira –, entre outros”, finaliza.
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