Cólicas fortes, dores durante a relação sexual e problemas para engravidar: esses são alguns sintomas da endometriose, uma doença ginecológica que atinge uma em cada dez mulheres. Além da dor física, elas também relatam outro tipo de sofrimento, emocional, por não terem seus sintomas reconhecidos pelos médicos ou pelos parceiros.
O tema ganhou repercussão depois que a cantora Anitta revelou ter sido diagnosticada com endometriose. No caso de Anitta, foram nove anos de dores até o diagnóstico - ela foi internada nesta semana para fazer cirurgia, após uma turnê internacional. Algumas mulheres, no entanto, relatam espera ainda maior, o que tem relação, segundo dizem, com a falta de preparo dos profissionais para identificar a doença.
Ouvia dos médicos: ‘Mulher sente cólica, é normal’
A enfermeira Ana Paula Araújo, de 38 anos, conta que desde que começou a menstruar sentia cólicas “avassaladoras”. “Não conseguia nem trocar de roupa. Todo mês, ia para o pronto-socorro tomar medicação na veia.” Nesses atendimentos de urgência, ouvia o que muitas já ouviram: “Tem mulher que sente mais cólica. Isso é normal”. Não é.
As dores diminuíram quando ela começou a tomar anticoncepcional, mas não passaram. Vieram ainda as cistites de repetição (inflamações na bexiga) - mesmo sintoma relatado por Anitta. “E com o tempo adquiri fadiga crônica. Eu dormia e acordava mais cansada.” Após oito anos tentando engravidar, teve finalmente o diagnóstico de endometriose.
O resultado causou sentimento misto: “Tive um alívio por saber que tinha alguma coisa que justificava (o quadro de saúde), que eu não estava louca. Mas o outro sentimento foi de revolta por ter demorado tanto tempo a descobrir”. Ana Paula chegou a largar o emprego como enfermeira por causa das dores e recusava convites para passeios.
Agora, depois de uma cirurgia para retirar os focos da endometriose, ela sente menos cólicas e melhorou a fadiga. “A chave é conhecimento porque se eu tivesse essa informação antes, com certeza teria brigado mais por esse diagnóstico. Não teria aceitado o que me falavam."
A endometriose ocorre quando células do endométrio – o tecido que reveste o útero – que deveriam ser expelidas durante a menstruação se movimentam no sentido oposto e caem nos ovários ou na cavidade abdominal. Ainda não há clareza de por que isso ocorre com algumas mulheres e com outras não.
A cirurgia é um dos tratamentos possíveis e, nesses casos, o objetivo é a remoção completa de todos os focos de endometriose. Outra alternativa é o tratamento com medicamentos. As opções devem ser avaliadas individualmente junto com um médico.
‘Será que você gosta mesmo do seu namorado?’
Outro sintoma comum entre mulheres com endometriose é a dor durante o sexo, mas os relatos nem sempre são reconhecidos pelos médicos como um problema de saúde. “Sempre tive dor durante a relação sexual, cheguei a comentar com uma médica que fez a pergunta: ‘Será que você gosta mesmo do seu namorado?’ É esse tipo de coisa que a gente passa por falta de preparo”, conta a servidora pública Michele Oliveira, de 37 anos.
O diagnóstico de endometriose só veio aos 29 anos, apesar de ela ter tido sintomas desde a adolescência. A doença tinha estágio avançado: Michele passou por uma cirurgia na pelve e precisou ter uma parte do intestino retirada. A endometriose pode ocasionar focos de endométrio na pelve e na parede do intestino. Após esta cirurgia, ela engravidou - o filho tem hoje 3 anos.
Para a jornalista Caroline Salazar, de 43 anos, há uma falha na formação médica para identificar os sintomas. “A medicina foi feita por homens, para corpos masculinos.” Ela tem um canal (@aendoeeu) para conectar mulheres com a doença nas redes sociais e diz ouvir relatos frequentes de dores sem diagnósticos.
Um problema comum nos relatos é a falta de informação entre os parceiros das mulheres e parentes. “Muitas não têm apoio. E escutam: ‘Você não quer transar comigo porque perdeu o tesão’”. Caroline demorou 18 anos para ser diagnosticada. Agora quer encurtar o caminho para outras mulheres com o problema. “A endometriose mata a mulher em vida. Ela não consegue sair pra trabalhar, estudar, transar”, diz. "Perdi os melhores anos da minha vida, os mais produtivos."
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