Mortes e adoecimentos relacionados às mudanças climáticas custam ao Brasil cerca US$ 1,5 bilhão por ano, segundo o médico patologista Paulo Hilário Nascimento Saldiva, professor titular do departamento de Patologia da Universidade de São Paulo (USP). De acordo com o especialista, esse é o custo pago pelo sistema de saúde e pelas famílias que tem “lucro cessante”, ou seja, perda de renda.
Para o cálculo, o professor levou em consideração um mapa da temperatura média anual e também um índice que mede os impactos de morte e doença na produtividade (chamado de “anos de vida ajustados pela produtividade”, o PALY, na sigla em inglês), entre 2000 e 2019, de um estudo publicado este ano na revista científica Science of The Total Environment , do qual ele é um dos autores. Também foi considerado, para isso, o PIB per capita médio.
Saldiva ministrou a primeira palestra do Summit Saúde e Bem-Estar 2023, evento organizado pelo Estadão que reúne os principais nomes do setor e ocorre nesta quinta-feira, 5, entre 9 e 18 horas.
Saldiva diz que há uma soma de evidências bastante grande sobre os impactos das mudanças climáticas no desfecho de doenças cardiovasculares, respiratórias e renais, mas que estudos avançam também no sentido de apontar a relação com transtornos mentais. “Nosso sistema termorregulador hipotalâmico dialoga com a produção de serotonina. A própria perda da qualidade do sono, porque se dorme mal nas ondas de calor, interfere na sua psique.”
O médico explica que a morte não ocorre, necessariamente, por choque térmico ou hipotermia, mas, sim, por causa de uma descompensação gerada por “mecanismos fisiológicos” para lidar com a temperatura. “Você morre por quê? Na hora que começa a ter transpiração, o sangue pode hemoconcentrar, fazer trombo em órgãos vitais. Se o rim está reabsorvendo tudo, concentra urina e uma bactéria pode ‘subir’. Se o paciente tem uma insuficiência renal, pode descompensar. O muco que reveste as vias aéreas e que ajuda a eliminar os micro-organismos fica mais duro, fica mais desidratado, você tem mais chance de ter infecção”, exemplifica.
”Então, você morre das doenças que você tem e das suas fragilidades. Não está escrito temperatura (no laudo de óbito)”, completa. Segundo ele, nesse cenário, crianças, idosos, mulheres e pessoas pobres são ainda mais impactadas.
São Paulo
Para termos uma ideia mais local do problema, Saldiva também apresentou outro estudo do qual participou, publicado pela renomada revista Lancet, em 2015, que analisou o risco de mortalidade atribuído à temperatura ambiente alta e baixa, em 700 cidades ao redor do mundo. Entre elas, São Paulo, que o médico descreveu como um “deserto de asfalto e concreto”.
“(Em) São Paulo com 30°C já temos um aumento de 50% nas mortes. E 50% das mortes, numa cidade em que morrem 160, 180 pessoas por dia, é (muita) gente”, afirma.
Posição privilegiada
Saldiva destacou que a saúde pode ter um papel importante na conscientização e no combate às mudanças climáticas. Isso porque os profissionais da área, diz ele, têm uma “posição privilegiada” para ver os efeitos dessas mudanças nos seres humanos.
“A saúde poderia participar desse diálogo, defendendo aquele bípede com o qual ela se preocupa. Porque, quando se fala de aquecimento global e põe o urso polar e o iceberg derretendo, você fica com pena, mas isso está lá longe, vai acontecer daqui a décadas. Já estamos perdendo gente hoje”, diz.
“Quando se faz política ambiental não por altruísmo, mas pensando em você ou nas pessoas que você ama, o suporte para implementação delas é reforçado. Ninguém fica indiferente à dor e à doença”, afirma.
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