Quando se fala em suplementos como whey protein e creatina, tem gente que torce o nariz, porque acredita que essas substâncias estão no grupo dos anabolizantes, apelidados de “bombas”. A confusão costuma acontecer porque as duas categorias têm apelo dentro do universo fitness, em especial da musculação. Mas a verdade é que esses produtos só se assemelham em um ponto: ambos têm indicações específicas, não devem ser utilizados indiscriminadamente e fazem sentido apenas quando prescritos por profissionais de saúde. Sobretudo em termos de finalidade e segurança, as diferenças são significativas.
O que caracteriza cada um
Os suplementos esportivos são substâncias que, como o nome indica, devem suplementar, ou seja, complementar aquilo que a alimentação não está fornecendo.
“Os suplementos têm o objetivo de melhorar o desempenho físico. Alguns podem facilitar a síntese de proteína, aumentar a massa muscular ou ainda auxiliar na recuperação no pós-treino. Eles podem ter proteínas, aminoácidos, vitaminas, creatina, entre outros compostos, mas que devem ser utilizados somente com a orientação de um profissional de saúde [médico ou nutricionista]”, explica o endocrinologista Clayton Macedo, presidente do Departamento de Endocrinologia do Esporte e Exercício da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem).
A indicação pode valer tanto para atletas, que têm demandas específicas e muitas vezes sentem uma melhora da performance a partir do consumo, como para pessoas comuns. Segundo a nutricionista Desire Coelho, em coluna do Estadão, indivíduos mais velhos podem ser especialmente beneficiados com o uso de whey protein, por exemplo. “Com o envelhecimento e as mudanças corporais, o consumo de alimentos fontes de proteínas vai diminuindo, mas a nossa necessidade, não, principalmente para os fisicamente ativos”, escreveu a especialista. Nesse cenário, o whey tende a favorecer a manutenção da massa muscular, que, por sua vez, garante mais força e autonomia.
Já os anabolizantes são outra história. Nesse grupo entram substâncias geralmente derivadas da testosterona, que visam simular o efeito do hormônio masculino. Muitas pessoas ainda utilizam esses hormônios para aumentar a massa muscular, a força e a performance – o que é condenado. No ano passado, o uso de anabolizantes com finalidades estéticas e melhora de desempenho foi proibido no País pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).
A médica nutróloga Marcella Garcez, diretora do Departamento de Fitoterápicos e Nutracêuticos da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), conta que essa medida foi tomada devido aos sérios riscos à saúde ligados a esses produtos, “incluindo problemas cardíacos, hepáticos, hormonais e até mesmo psicológicos. Além disso, o seu mau uso levou a diversos casos de complicações graves e até mortes, o que reforçou a necessidade de controle rigoroso”.
“As possíveis indicação são médicas”, reforça Macedo, que também é coordenador do Departamento de Atividade Física da Associação Brasileira de Estudos da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso). O médico esclarece que essas situações são bem específicas, como em casos de problemas de crescimento e genéticos. Outro uso aprovado é no contexto de incongruência de gêneros no homem trans. E, em situações raras, na terapia para o tratamento de desejo sexual hipoativo (DSH) em mulheres, entre outros quadros muito peculiares. Em todos esses cenários, o médico é quem orienta o tratamento.
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Segurança no centro da questão
As principais diferenças entre suplementos esportivos e anabolizantes têm a ver com composição e finalidade. Enquanto os suplementos podem ser usados de forma segura e eficaz, os anabolizantes estão frequentemente associados a riscos significativos para a saúde e, como ressaltado, devem ser consumidos apenas com indicação clara e sob supervisão médica.
“Os suplementos são geralmente seguros, quando utilizados conforme as orientações, e podem ser encontrados em diversas formas, como pós, barras e cápsulas. Por sua vez, os anabolizantes são substâncias controladas, recorrentemente administradas por injeção ou comprimidos, e seu uso é restrito a condições médicas específicas”, destaca o médico do esporte Roberto Lohn Nahon, presidente da Sociedade Paulista de Medicina Desportiva (SPAMDE). “Ambos, quando usados inadequadamente, têm efeitos colaterais, mas os anabolizantes possuem um potencial muito maior de causar efeitos colaterais adversos”, acrescenta.
O presidente do Departamento de Endocrinologia do Esporte e Exercício da Sbem concorda que os suplementos tendem a ser mais seguros, mas faz um alerta em relação àqueles derivados de ervas. “Atualmente, vemos muitos casos em que o uso de suplementos herbais é a causa mais frequente de lesões de fígado. Esses produtos, principalmente os termogênicos, não devem ser utilizados como mistura”, frisa.
Já a lista de possíveis malefícios ligados ao uso de anabolizantes é extensa. Macedo adverte que esses hormônios estão vinculados a efeitos colaterais múltiplos, que incluem danos ao cérebro – causando ansiedade e irritabilidade, além de piorar quadros psiquiátricos, como depressão –, aumento de pressão arterial, piora dos níveis de colesterol, elevação de triglicérides e glicose e um maior risco de trombose, embolia, arritmia cardíaca, hepatite e até câncer no fígado. Esses produtos podem sobrecarregar os rins, levando a lesões e insuficiência renal. Nos músculos, estão ligados a uma maior probabilidade de rompimento de tendões, inflamação e necrose.
“Em adolescentes, o seu mau uso pode fechar precocemente a cartilagem de crescimento, comprometendo a estatura final. Na parte sexual, bloqueia a produção dos hormônios sexuais, o que nem sempre é reversível. Causa queda de cabelo, dá acne. Na mulher, engrossa a voz, faz crescer pelos, aumenta o clitóris, pode provocar irregularidade menstrual e, ainda, aumenta o risco de infertilidade e malformação do feto”, acrescenta.
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Anabolizantes na mira de entidades médicas
Em uma medida que busca fortalecer a segurança sanitária no Brasil e proteger a saúde da população, 16 entidades representativas da saúde protocolaram, no dia 23 de agosto, na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), uma proposta de regulamentação nacional que visa proibir a fabricação, importação, manipulação, comercialização, distribuição, armazenamento, transporte e propaganda de medicamentos com ação hormonal em tipos farmacológicos, combinações, doses ou vias não registradas junto ao órgão.
A proposta visa preencher lacunas na legislação atual, garantindo que apenas medicamentos hormonais devidamente registrados, com comprovação científica de eficácia e segurança, possam ser disponibilizados à população. “Esse movimento surge em resposta à crescente preocupação com o uso inadequado de hormônios, que tem gerado graves riscos à saúde pública, inclusive problemas cardíacos, hepáticos, psiquiátricos e outras complicações associadas”, destaca o presidente da SBEM, Paulo Miranda.
De acordo com o documento, a falta de regulamentação específica tem facilitado a circulação de substâncias hormonais que não passaram por estudos rigorosos, colocando em risco a saúde dos brasileiros.
Observatório do mau uso de hormônios
As sociedades médicas relacionadas ao uso de hormônios ainda desenvolveram uma plataforma digital inovadora destinada ao registro de efeitos adversos relacionados ao uso inadequado de hormônios e substâncias afins.
O @vigicomhormonios oferece um banco de dados digital acessível para especialistas, além de coletar dados que serão fundamentais para promover uma regulamentação e fiscalização mais rigorosas na produção, prescrição e comercialização de hormônios e similares, principalmente aqueles produzidos por manipulação, assegurando o seu uso dentro de indicações éticas e científicas.
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