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Talco é classificado como ‘provavelmente cancerígeno’ pela OMS; entenda

Decisão baseia-se em estudos experimentais e pesquisas que indicam maior risco de câncer de ovário em mulheres que aplicam talco na região perineal

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Por Layla Shasta
Atualização:

A Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc, em inglês), ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), classificou o talco como “provavelmente cancerígeno” para humanos. Na ocasião, a agência também apontou a acrilonitrila, um composto usado na produção de polímeros (presentes, por exemplo, em tecidos e plásticos), como comprovadamente cancerígeno.

Os resultados das avaliações foram publicados nesta sexta-feira, 5, em um artigo resumido na revista The Lancet Oncology e serão descritos com mais detalhes em 2025 – quando será publicado o volume 136 do documento IARC Monographs, a lista completa de agentes causadores de câncer, segundo a OMS, atualizada e publicada periodicamente.

Talco foi classificado como provavelmente cancerígeno pela OMS Foto: Nueng/Adobe Stock

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A categoria em que o talco foi enquadrado, chamada oficialmente de Grupo 2A, se refere aos materiais para os quais há uma evidência limitada de risco para causar câncer em seres humanos, mas há um conjunto suficiente de indícios mostrando que a substância é promotora de câncer em estudos experimentais, isto é, em animais.

Fazem parte desse grupo, por exemplo, a carne vermelha, anabolizantes, atuação profissional como cabelereiro ou barbeiro e ingestão de bebidas muito quentes (acima de 65ºC).

A classificação veio após uma análise minuciosa da literatura científica disponível, feita por 29 especialistas internacionais. Segundo a Iarc, a decisão considerou evidências de estudos limitados em humanos que indicaram risco para câncer de ovário, além de testes com animais e análises que apontaram o talco como possuidor de características de um agente capaz de causar câncer.

O talco é um mineral natural, encontrado em rochas, e extraído em diferentes partes do mundo. De acordo com a OMS, a exposição ao mineral ocorre principalmente em ambientes ocupacionais, ou seja, em contexto de trabalho, durante a mineração e moagem do elemento, ou durante a produção dos materiais que o contêm em sua composição.

Para a população geral, a exposição se dá por meio do uso de cosméticos e pós corporais que contenham talco. Mas a IARC alerta para um risco específico: o uso de talco na região perineal, isto é, na área genital. Segundo os pesquisadores, diversos estudos robustos demonstram uma ligação entre essa prática e o aumento da incidência de câncer de ovário em mulheres. A agência não informou se esse risco estaria presente também nos casos de uso de talco na região genital de bebês para evitar assaduras. Mais detalhes devem ser apresentados no documento final de 2025.

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No ano passado, a gigante farmacêutica Johnson & Johnson foi condenada a pagar US$ 18,8 milhões (aproximadamente R$ 102,6 milhões) a um morador da Califórnia, nos Estados Unidos, que alega que o talco produzido pela marca foi o causador de um câncer raro que ele enfrenta.

Relação causal e influência do amianto ainda são investigadas

Apesar disso, os pesquisadores explicam que não foi possível estabelecer totalmente um papel causal para o talco. Isso porque, por exemplo, a forma natural do talco, ao ser extraída da terra, pode conter quantidades pequenas de amianto, uma fibra mineral natural que comprovadamente pode causar câncer se uma pessoa for exposta a ele de forma constante (incluindo o de ovário).

Assim, embora a avaliação tenha se concentrado no talco não contendo amianto, a Iarc explica que a contaminação do mineral com a fibra não pôde ser excluída na maioria dos estudos com humanos expostos, dificultando a eliminação das possíveis confusões causadas pela coexposição.

Já em experimentos com animais, o talco é apontado, de fato, como causador de aumento na incidência de neoplasias malignas. Em ratos expostos por inalação, por exemplo, fêmeas apresentaram carcinomas na medula adrenal e no pulmão e machos uma combinação de neoplasias benignas e malignas na medula adrenal.

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Segundo a agência, diversos estudos em animais demonstraram, ainda, que a inalação ou aplicação direta de talco nos pulmões, mesmo sem a presença de amianto, podem levar ao crescimento anormal das células do sistema respiratório.

A médica Andreia Melo, líder nacional de ginecologia oncológica na rede Oncoclínicas, explica que ainda é preciso mais evidências antes de simplesmente deixarmos de usar o talco. “A classificação levanta um alerta, mas é difícil afirmar que os estudos que mostraram risco aumentado não foram feitos com talco que tinha amianto em sua composição, por exemplo. Precisamos de mais evidências para abandonar o uso”, afirma.

Acrilonitrila

Também na sexta-feira, a IARC classificou o acrilonitrila como “cancerígeno para humanos”, seu nível de certeza e alerta mais alto. Ela citou que há “evidências suficientes” ligando a substância ao câncer de pulmão. A principal via de exposição é o trabalho em ambientes onde ela é produzida ou utilizada na produção de polímeros. Isso inclui trabalhadores em fábricas de produtos químicos, têxteis e de borracha.

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As evidências sobre os efeitos da acrilonitrila para o câncer de pulmão provêm principalmente de estudos realizados em trabalhadores que produzem ou utilizam a substância em sua rotina ocupacional.

Já a população em geral está exposta principalmente por meio da inalação de fumaça de cigarro (incluindo fumo passivo). Outra fonte possível de exposição é a poluição do ar.

O que são as classificações da OMS?

Como já mostrado pelo Estadão, desde 1971 a Iarc avalia o potencial carcinogênico de uma série de elementos, de produtos químicos a fatores de estilo de vida. Segundo a entidade, “grupos de cientistas especializados revisam os estudos publicados e avaliam a força das evidências disponíveis de que um agente pode causar câncer em humanos”.

Até agora, mais de mil agentes passaram por esse crivo, sendo que mais de 500 foram enquadrados como “carcinogênicos”, “provavelmente carcinogênicos” ou “possivelmente carcinogênicos” para humanos.

Além da classificação no Grupo A2, ao qual o talco se juntou – entrando para uma lista com 94 agentes –, os itens avaliados podem ser classificados em outras três categorias. Entenda mais sobre elas:

Grupo 1

Aqui entram os elementos considerados carcinogênicos para humanos – ou seja, merecem o nível máximo de atenção, como a acrilonitrila. Para fazer parte dessa categoria deve existir evidência suficiente em humanos de que determinada substância causa câncer. Outra possibilidade para um elemento ser julgado como carcinogênico é quando os cientistas encontram estudos de boa qualidade em animais e um mecanismo que justifique o motivo de causar a doença.

Nesse grupo, estão 126 agentes. Entre eles, há velhos conhecidos, como cigarro, álcool, radiação solar, poluição e consumo de carne processada (salsicha, bacon, linguiça e companhia). Também dá para citar infecção pela bactéria H pylori, infecção crônica por hepatite C, alguns tipos de HPV, poeira da madeira, atuar como pintor, etc.

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Grupo 2A

Como já citado, são os agentes definidos como provavelmente carcinogênicos para humanos. Nesse caso, existe evidência limitada de carcinogenicidade em seres humanos, mas há um conjunto suficiente de indícios mostrando que a substância é promotora de câncer em estudos experimentais, isto é, em animais.

Agrupados aqui, temos 94 agentes. Entre eles, estão: carne vermelha, anabolizantes, atuação profissional como cabeleireiro ou barbeiro, glifosato (um agrotóxico), trabalho noturno (quando prejudica o ciclo circadiano), ingestão de bebidas muito quentes (acima de 65 °C) e, agora, o talco.

Grupo 2B

Ficam agrupados aqui os agentes classificados como possivelmente cancerígenos. A diferença em relação ao grupo 2A diz respeito ao nível de evidências científicas. No grupo 2B, elas são limitadas – tanto em seres humanos como em animais. É nessa classe que o aspartame foi incluído no ano passado.

Alguns exemplos: extrato de aloe vera, atividade de carpintaria e marcenaria, escapamento de motor a gasolina e extrato de ginkgo biloba. A lista conta com 322 agentes.

Grupo 3

Ele agrega os agentes que não são classificáveis quanto à sua carcinogenicidade para humanos. Significa que a evidência em estudos humanos é inadequada, e as provas em estudos experimentais são insuficientes. Além disso, o mecanismo capaz de justificar o potencial cancerígeno em animais não seria plausível para seres humanos.

Alguns agentes alocados no grupo 3: iluminação fluorescente, produtos para coloração de cabelo, mate (não muito quente), implantes mamários de silicone e chá. No total, são 500 compostos.

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