Embora o tempo médio de espera por um transplante de coração no Brasil chegue a 18 meses, em casos de maior gravidade, como o do apresentador Fausto Silva, mais conhecido como Faustão, a fila pode ser um pouco menor. Em tratamento para insuficiência cardíaca desde 2020, ele está internado no Hospital Israelita Albert Einstein desde o dia 5 de agosto e foi incluído na fila do transplante, conforme boletim médico divulgado no domingo, 20.
De acordo com a cardiologista Carolina Casadei dos Santos, especialista em insuficiência cardíaca e transplante cardíaco filiada à Sociedade Brasileira de Cardiologia, os pacientes com quadros mais graves, que estão internados porque o tratamento domiciliar não é mais suficiente, têm prioridade na fila. Mesmo entre este grupo, também há níveis diferentes de priorização.
“Quando o tratamento com medicamentos em casa não tem mais efeito e o quadro se agrava, o paciente precisa ir para o hospital tomar remédios intravenosos para ajudar a bombear o sangue e ficar internado até que apareça um coração. Em alguns casos mais graves, quando mesmo esses remédios também não são capazes de controlar o quadro, o paciente pode ser colocado em um aparelho como a ECMO (uma espécie de pulmão artificial que faz a circulação e oxigenação extracorpórea)”, diz a médica.
A cardiologista afirma que, de modo geral, para casos graves, nos quais o paciente está internado, o tempo médio de espera pelo coração é de seis meses. Já para os que estão em ECMO, a fila anda um pouco mais rápido pela criticidade do caso: dois meses ou até menos. Segundo boletim médico divulgado pelo Einstein, Faustão está na UTI recebendo medicamentos que auxiliam no bombeamento do sangue, ou seja, se encaixa no primeiro caso.
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Estimar um prazo exato de espera, no entanto, é tarefa difícil já que a efetivação de um transplante deve seguir uma série de critérios além da data de entrada na fila e da priorização pela gravidade do caso. Esses são dois dos principais pontos considerados pela central de regulação quando surge um doador, mas outros fatores devem ser observados.
Um deles é a compatibilidade de tipos sanguíneos entre doador e receptor, que segue a mesma regra do sistema ABO válida para doação de sangue, mas sem considerar os fatores positivo ou negativo. Ainda na avaliação da compatibilidade, doador e receptor precisam passar por um teste para medir a presença de antígenos e anticorpos que podem aumentar o risco de rejeição. O exame avalia o sistema de antígenos leucocitários humanos (HLA). “Quanto menor o valor, melhor, porque a baixa presença desses antígenos reduz o risco de rejeição”, diz a médica.
Outro fator importante é o peso dos pacientes envolvidos no procedimento. O receptor deve ter um peso que varie no máximo 20% para mais ou para menos em relação ao do doador. Um paciente de 80 quilos, por exemplo, só pode receber um órgão de um doador que pese entre 64 kg e 96 kg. “Uma criança não pode receber de um adulto e vice-versa. Uma mulher de 60 quilos não consegue doar para um homem de 80″, exemplifica Carolina.
Na definição do receptor do órgão, há que se considerar ainda o tempo que levaria para a estrutura ser transportada. Isso porque, explica Carolina, desde que um coração é retirado do doador, as equipes têm apenas quatro horas para que ele esteja transplantado no peito do receptor. “Então, se o próximo da fila é um paciente de São Paulo, mas o coração está no Acre, é preciso procurar o próximo da fila porque corre-se o risco de não dar tempo e perdermos aquele órgão”, explica.
Carolina afirma que não há um limite de tempo que o paciente pode ficar internado tomando as medicações à espera de um órgão. “Tem alguns pacientes que ficam estáveis, que a medicação controla, outros que podem ter um agravamento. Mas tenho pacientes que esperam há mais de um ano internados por um coração”, diz ela.
Segundo o último relatório da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), com dados até março deste ano, 369 pessoas esperam um coração no País. Se considerada a fila para todos os tipos de órgão, o número salta para 55.386.
Mesmo com a alta demanda, a taxa de recusa de familiares para a doação de órgãos ainda é alta, de 45%, e dificulta a ampliação do programa de transplantes. “No Brasil, a palavra final é da família, que nem sempre sabe da vontade do parente de doar. Sabemos que é um momento difícil, de perda, mas é um ato que pode salvar outras vidas. Então é importante sempre avisar os familiares sobre a vontade de doar”, ressalta Carolina.
Como é feito o transplante de coração
A cirurgia de transplante de coração demora cerca de cinco horas e exige que equipe e paciente estejam preparados para aumentar as chances de captação adequada do órgão. O órgão é retirado do doador após constatada a morte cerebral e colocado em uma caixa térmica, na temperatura de 4ºC.
Para que ele não se deteriore fora do corpo humano, o órgão recebe uma solução cardioplégica, ou seja, uma substância que promove a parada, de forma controlada, dos batimentos cardíacos preservando a função do coração.
Enquanto o órgão é transportado para o hospital onde será feito o transplante, o receptor já vai sendo preparado pela equipe médica para a cirurgia: ele recebe anestesia geral e é entubado. Para a cirurgia, é feita uma incisão de cerca de 10 centímetros no peito do paciente, o coração doente é removido e o paciente é colocado em um equipamento de circulação extracorpórea até que a cirurgia esteja concluída.
O coração doado é, então, transplantado para a caixa torácica do receptor e os médicos fazem então a ligação do novo órgão com os vasos sanguíneos do paciente (artérias aorta e pulmonar e veias cavas superior e inferior) em um procedimento chamado de anastomose. O novo coração deve começar a bater logo depois de feita a ligação do órgão com os vasos.
Os maiores riscos do procedimento são rejeição do órgão ou infecções. Para ambos os casos, os médicos administram medicamentos que reduzem o risco desses quadros. A evolução da técnica e dos cuidados pós-operatórios fez o procedimento ter alta taxa de sucesso. “Hoje, a sobrevida depois de um ano é alta, de 85%”, diz Carolina.