Tempo gasto em frente a telas afeta desenvolvimento de criança, diz estudo

Pesquisa mostra que, independentemente do conteúdo assistido, uso de celular e televisão deve ser inferior a 2 horas por dia para não prejudicar linguagem, memória e atenção

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Laís, mãe que impõe controle ao uso de celulares ao filho, Daniel 

SÃO PAULO - Daniel, de 10 anos, passa no máximo uma hora e meia por dia em frente às telas da televisão ou do computador. Mas nem sempre foi assim. No ano passado, chegava a gastar oito horas diárias na TV – tempo que, segundo a mãe, o deixava agitado e desconcentrado. Quando percebeu que a situação tinha causado impacto até no desempenho escolar, a dona de casa Laís Corrêa, de 31 anos, reduziu o acesso aos equipamentos. 

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“Ele ficava agitado quando assistia a vídeos. Isso refletia no comportamento, diminuía a criatividade”, diz a mãe. A diminuição no horário veio acompanhada de resmungo e de “greve”. “Ele disse que não ia fazer mais nada. Mas a criança encontra alguma coisa. Agora, virou um ‘cientista maluco’, pega coisas quebradas, sai abrindo, explorando”, diz Laís, que pretende replicar as novas regras com a caçula Ananda, de 2 anos. 

O tempo que as crianças passam em frente às telas nem sempre é calculado pelas famílias, mas desperta a atenção de cientistas e médicos. Uma pesquisa recente mediu o número de horas que meninos e meninas de 8 a 11 anos ficam em celular, TV e videogames. O estudo, publicado na revista Lancet Child & Adolescent Health, concluiu que só 37% das 4,5 mil crianças americanas analisadas usam os aparelhos por até duas horas diárias.

Os cientistas também mediram o desenvolvimento cognitivo das crianças em áreas como linguagem, memória e atenção – então, cruzaram com dados sobre tempo de tela. “Independentemente do conteúdo, limitar o tempo recreativo de tela de uma criança a menos de duas horas está positivamente associado à cognição”, disse ao Estado Jeremy Walsh, do Hospital Infantil do Leste de Ontário e um dos autores do estudo.

A pesquisa não estabeleceu relação de causa entre cognição e o uso das telas, mas, segundo especialistas, está cada vez mais claro o impacto do abuso dos aparelhos no desenvolvimento. “A criança precisa interagir com objetos reais (brinquedos e pessoas)”, diz a pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Ana Lúcia Meneghel, que começou a estudar o tema após ver uma cena que a intrigou. “Uma criança em frente a um aquário mexia os dedinhos para o peixe aumentar.” O exagero, diz, pode causar atraso na construção de noções de localização, medida e estimativa.

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Parâmetros. Se o excesso é prejudicial, os pais se perguntam: quanto e como controlar? Quando Pedro ganhou, aos 9 anos, um celular, a comerciante Fabiana Teixeira, de 39, achou que o aparelho seria um estímulo à criatividade. Com o tempo, notou mudanças no comportamento do filho. “Ele queria ficar mais recluso no quarto, ficou mais introvertido.” Agora, Fabiana evita o acesso contínuo. “Não pode ficar por mais de uma hora”, avisa. 

Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), crianças da idade de Pedro não devem usar as telas por mais de duas horas diárias. Já para as de 2 a 5 anos, o rigor é maior: até uma hora. E bebês com menos de 2 anos não deveriam ter contato. “Quanto mais tempo de tela, menos exposta a criança vai estar a outras experiências importantes para construir sua arquitetura cerebral”, diz Liubiana de Araújo, presidente do Departamento Científico da Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento da SBP. 

Para Andréa Jotta, do Laboratório de Estudos de Psicologia e Tecnologias da Informação e Comunicação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), os equipamentos não são prejudiciais em si, mas uma “ferramenta a mais para lidar com o mundo”, que exige acompanhamento dos pais. “Eles têm de educar dentro e fora, acompanhar o crescimento da criança com as telas.”

1 em cada 4 faz uso abusivo da internet

Embora nem sempre signifique vício, o tempo de tela é um alerta para a dependência digital. Essa é uma das conclusões de um estudo realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foram aplicados questionários a 6.698 usuários do Facebook com perguntas como “Com que frequência você tenta diminuir o tempo que fica na internet e não consegue?”.

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O levantamento mostrou que uma em quatro pessoas faz uso abusivo da internet e 4,1% chegaram à dependência - quando trocam a realidade concreta pela virtual e passam a ter desprezo pela vida real. Entre os dependentes, a maioria passa mais de 10 horas conectada. 

De acordo com Eduardo Guedes, autor do estudo e pesquisador do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, pessoas de até 18 anos são as que mais fazem uso abusivo ou dependente, puxando para cima as estatísticas sobre vício digital. “Quanto menor a idade, maior a dependência”, diz ele, que também faz parte do Instituto Delete, especializado em detox digital. 

Tratamento

Outro núcleo de tratamento, ligado ao Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), recebe adolescentes e quer expandir o atendimento às crianças. O grupo, que funciona como um Alcoólicos Anônimos da vida digital, faz reuniões de uma hora e meia por 18 semanas. “Tentamos mostrar que existem outras atividades que não a tecnologia”, diz Cristiano Nabuco, coordenador do Núcleo de Dependências Tecnológicas do HC. 

Segundo Nabuco, o problema atinge todas as idades, mas preocupa ainda mais entre crianças e adolescentes. “Embora essa população possa ter consciência do que seria adequado ou ideal, não tem força biológica para exercer o controle.” Irritação, falta de paciência e frustração quando os eletrônicos são retirados, afirma, são indicativos de que o tempo saudável de uso acabou. 

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PRESTE ATENÇÃO

1. Tempo. Independentemente do tipo de tela, fique atento ao tempo de exposição de seu filho. “A TV abafa o pensamento consciente porque as imagens se sucedem muito rapidamente. Não dá para pensar em cada uma”, diz Valdemar Setzer, do Departamento de Ciência da Computação da USP.

2. Diretrizes. A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que crianças de até 2 anos não tenham contato com os equipamentos. Para crianças entre 2 e 5 anos, a recomendação é de uso máximo de uma hora diária e, para as maiores de 6, até duas horas. As diretrizes são semelhantes às da Associação Americana de Pediatria. 

3. Horário. Mesmo dentro da cota, evite o contato pouco antes do sono ou durante as refeições. A tela dificulta que o cérebro receba estímulos sobre sabor, textura. “E a noção de saciedade fica prejudicada”, diz Liubiana Araújo, da SBP. 

4.Tecnologia a seu favor. Para ajudar no controle de tempo, já existem aplicativos que conectam o celular dos pais ao equipamento dos filhos e indicam o número de horas que estão conectados. 

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5. Participação. Nos momentos de acesso aos equipamentos, esteja junto - o tempo nas telas não precisa ser solitário. Jogar videogame com as crianças ou comentar os filmes amplia as interações, importantes para o desenvolvimento infantil.

6. Dê o exemplo. Pais hiperconectados têm mais dificuldade em propor aos filhos que eles fiquem sem as telas. Experimente se desligar do celular por algumas horas.

7. Zonas livres. Crie em casa áreas sem aparelhos - como o quarto das crianças ou a sala de jantar - e momentos de “detox”. Há famílias que já têm caixinhas, onde deixam os celulares quando chegam do trabalho ou da escola. 

8. Sinais de excesso. Caso perceba um uso abusivo, procure ajuda psicológica. Falta de concentração, irritação e impaciência podem ser sinais de excesso. Ligado à USP, o site dependenciadeinternet.com.br reúne mais informações e dicas sobre vício tecnológico.

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