No mesmo mês eu fiz a cirurgia para retirar o nódulo de 1,2 centímetro. De lá pra cá, encarei 16 sessões de quimioterapia, 18 de radioterapia, ganhei peso, fiquei careca e vi meus cabelos voltarem a crescer. Conheci pessoas maravilhosas, fui amada e apoiada pelos meus amigos e também por desconhecidos. E criei este blog.
Um ano depois do câncer, tudo está diferente. Hoje, não há mais câncer no meu corpo. O que não significa que a vida voltou ao que era antes - nem que voltará a ser.
Ainda tomarei Tamoxifeno (remédio de hormonioterapia) por pelo menos mais cinco anos. Tenho implantado o cateter para quimioterapia (port), que deve ficar por aqui por mais um tempo. Enquanto isso, volto ao hospital a cada dois meses para fazer a manutenção e limpeza.
Novo velho corpo
Dei início a essa jornada em minha melhor forma. Depois de ter engordado no primeiro ano da pandemia (acho que todo mundo passou por isso), havia entrado para um programa de exercícios e feito uma reeducação alimentar baseada 100% na saúde. Ganhei massa muscular e disposição.
Mas não consegui manter a rotina de exercícios depois da cirurgia. Primeiro por recomendação médica (por causa da recuperação); depois pelo cansaço e mal-estar causado pela quimioterapia; e, mais tarde, por falta de disposição mesmo. A única atividade que mantive foi andar de bicicleta à beira-mar - devagar e com muitas pausas, como meu corpo permitia.
Com os tratamentos finalizados, esperava ter mais disposição, mas ainda me sinto bastante cansada (claro que bem menos do que quando fazia quimio ou radio, mas longe de ter o pique de antes do tratamento).
Recomecei os exercícios, mas admito ter de lutar contra a preguiça (e ela tem me vencido muitas vezes). A reeducação alimentar também está patinando. Tento, ainda assim, não ser tão dura comigo mesma e repito o mantra: um passo de cada vez. Agora consigo ir mais longe com minha bicicleta, mesmo seguindo num ritmo mais lento. Já é alguma coisa.
Por outro lado, a menopausa precoce me "presenteou" com calores totalmente fora de hora e de propósito. E eu, que sempre fui friorenta, adotei o ventilador como meu melhor amigo e aposentei as blusas de manga comprida fechadas. O combo regata + blusa de botão virou meu look favorito.
Aproveito para deixar minha indignação sobre a falta de soluções para minimizar o desconforto para as mulheres na menopausa - além da reposição hormonal (proibida pra mim), não há quase nada disponível no mercado. Será que se os homens passassem pelo mesmo não haveria algum medicamento "mágico"? Fica aí o questionamento.
Cabelo e unha
Fiquei careca e perdi todos os pelos do corpo durante a quimioterapia. Aliás, valorize os pelos do nariz e da orelha e os cílios: a gente só percebe como eles realmente fazem falta quando eles caem. Dois meses depois do fim da quimio eu já tinha meus pelos novamente e também um cabelinho.
Agora, meu cabelo curtinho até parece que foi cortado por opção. A cor não mudou, mas a textura sim. Os fios estão mais grossos, ondulados e volumosos. Gosto desse novo visual e estou curtindo o surgimento dos cachinhos, algo que, do alto do meu cabelo sempre liso, sonhava ter desde criança.
Não tive grandes problemas com as unhas, embora elas tenham ficado mais fracas. Uma só, do dedo médio da mão direita, teve uma inflamação e caiu. Hoje, a unha já cresceu totalmente e está até mais bonita do que as outras.
E fora dos stories, você tá bem?
Bom, acho que é na parte psicológica que se concentram as maiores mudanças pós-câncer. Minhas prioridades mudaram, e a saúde agora vem em primeiro lugar. Não adio mais nada em detrimento a ela, e percebi o quanto a gente se negligencia ao longo da vida. Gostaria inclusive de ter percebido isso antes do diagnóstico.
Entre as mudanças que ocorreram, a mais comum entre pacientes que passam pela quimioterapia é o chamado "chemo brain", ou "névoa cerebral". Já foi pior, mas ainda esqueço palavras, compromissos, datas e episódios recentes. Também tenho dificuldade de concentração - o que acaba causando ansiedade. E se eu já era desastrada antes de tudo isso, agora então sou praticamente uma ameaça.
O apoio que recebi - e ainda recebo - da minha família e dos meus amigos, além das pessoas que conheci ao longo dessa jornada, foram e continuam sendo fundamentais. Há muitos altos e baixos durante o tratamento (e também depois dele), e esse suporte me deixa mais forte nos "dias baixos".
Por incrível que pareça, é agora, um ano depois, que sinto mais o impacto de tudo o que aconteceu no último ano. Conversando com o dr. Abraão Dornellas, oncologista do Hospital Albert Einstein, ele me explicou que é comum os pacientes sentirem uma espécie de "vazio" quando acaba o tratamento.
Afinal, o processo todo é muito intenso, e, de repente, ele acaba. O paciente fica num limbo: ao mesmo tempo que não está mais em tratamento, ainda não se sente saudável. O corpo não voltou ao que era antigamente, e é preciso se readaptar a ele. E são muitas readaptações. Tudo isso, vale lembrar, durante uma pandemia.
Um ano depois, apesar de tudo, o balanço que faço é positivo. Não existe mais câncer no meu corpo, e tudo parece ter passado mais rápido do que eu imaginava que passaria há um ano. Ao mesmo tempo, pensar na Adriana que eu era antes do diagnóstico parece algo muito longínquo.
Aos poucos, venho tentado resgatar um pouco mais Adriana que ficou esquecida pelo caminho. Viajar com minhas amigas nas férias foi um bálsamo necessário e libertador. Fora de casa, fora da rotina e ao lado de pessoas tão queridas, tive a sensação de que agora começa uma nova fase. Mais do que olhar o que perdi nesse processo, é hora de fazer planos para uma nova etapa. E não é exatamente disso que se trata a vida, recomeços?
Conta pra mim como está sendo ou foi seu processo? Vamos conversar no Twitter: @adrikka
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