Apesar de a covid-19 não ser mais uma doença tão desconhecida - afinal, a pandemia já dura um ano no País - a adesão da população às medidas de distanciamento e higiene não é forte como deveria, na opinião de Raquel Stucchi, infectologista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
Mesmo com as vacinas já em aplicação, a perspectiva para ela ainda é pessimista em relação à crise sanitária. Segundo Raquel, "todo mundo se esqueceu que o vírus não tirou férias, pelo contrário, há as novas variantes". Nesta semana, o Estado de São Paulo atingiu o pico de internações em UTI e hospitais de referência da capital já têm taxa de ocupação superior a 90%. Nesta quinta-feira, 25, o País registrou 1.582 mortes pela covid-19, recorde desde o início da pandemia.
Confira os principais trechos da entrevista:
O que explica a recente piora de cenário da pandemia?
O que estamos vendo é o que já se esperava. Você vê pessoas mais novas que resolveram abrir mão de todas as medidas que estavam fazendo em 2020. No fim do ano passado e começo deste ano, as pessoas abriram mão do uso de máscara, do distanciamento, fizeram festa, foram para bares e restaurantes, viajaram. Junto com isso, temos a variante (nova cepa do vírus, identificada originalmente em Manaus) que se dissemina mais facilmente. Foi a receita perfeita para ter uma explosão de casos. Quanto mais casos houver, proporcionalmente vai ter mais internados também. Por ser de uma camada de elite (em referência à ocupação acima de 90% em hospitais como o Einstein e o Sírio), provavelmente são pessoas que, no ano passado, ficaram mais em regime de home office ou atividade estudantil em casa. Tiveram pouca exposição e resolveram sair agora. Se bem que sabemos que é possível que sejam casos de reinfecção também, que tiveram de novo porque estão se expondo.
A que podemos atribuir o abandono das medidas de proteção? A notícia das vacinas fez com que as pessoas perdessem o medo?
Com as notícias de que teríamos vacinas, todas as pessoas já se sentiram como se estivessem vacinadas e protegidas. E houve o cansaço também pela reclusão ou possibilidade de ter atividades sociais. Em geral, somos pessoas muito sociáveis. É penoso se manter longe das pessoas que fizeram parte do nosso ciclo a vida toda. O cansaço é uma atitude que a gente vê aqui, nos Estados Unidos e na Europa, mas lá há a vantagem de conseguir vislumbrar o processo de vacinação mais adequadamente planejado. Junto com isso, temos nosso verão, que convida a todos a ficar mais juntos. Só que todo mundo esqueceu que o vírus não tirou férias. Pelo contrário: há as novas variantes.
Estamos no pior momento da pandemia?
Meu pai tinha uma frase. “Pior seria se pior fosse.” Se compararmos com ano passado, sim, estamos pior, apesar de este ano termos muito mais conhecimentos adquiridos de como lutar contra a covid. Mas infelizmente perdemos na adesão da população em relação a medidas de bloqueio de transmissão, dos gestores de prover transporte público para as pessoas não se aglomerarem no trabalho. Perdemos também leitos para o atendimento covid; o número de leitos é bem inferior ao que tivemos em julho do ano passado. O que me parece é que ainda podemos piorar, porque, mesmo com as medidas restritivas, as pessoas ainda estão muito resistentes em não se aglomerar e usar a máscara corretamente.
No fim, então, adquirimos conhecimento, mas não aprendemos nada?
Se aprendizado é mudança de atitude, não aprendemos. Também não temos vacina para todo mundo. Essa lentidão de prover vacina não é uma dificuldade só nossa, mas aqui atrasamos demais. Só estamos tomado providência, do ponto de vista do governo federal, por uma pressão da sociedade e dos prefeitos e governadores e até do Judiciário, que teve que se intrometer nisso.
O que precisamos fazer diante dessa situação?
Não estamos com uma vacinação rápida, mas, mesmo que estivéssemos, vamos precisar continuar utilizando máscaras até pelo menos o início de 2022. Cada vez que a gente provoca aglomeração, não só contribui com as contaminações, como com o surgimento de novas variantes, que podem ser mais graves ou fazer com que as vacinas que temos sejam ineficazes.
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