Transtorno opositivo desafiador: saiba quando a birra da criança é sinal de um quadro mais complexo

Conhecido pela sigla TOD, o transtorno pode demorar a ser descoberto, já que é marcado por comportamentos e emoções que qualquer criança pode apresentar; conheça os fatores decisivos para o diagnóstico

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Por Úrsula Neves

AGÊNCIA EINSTEIN Não é difícil encontrar pais reclamando que os filhos estão cada vez mais desobedientes, respondões, irritados e até mesmo agressivos. É comum ouvir também que as crianças não conseguem se concentrar nas lições de casa, discutem e perdem a paciência com frequência. No entanto, nem todas essas atitudes são simples “birras”. Algumas crianças podem sofrer do chamado transtorno opositivo desafiador (TOD).

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Como se trata de um transtorno psiquiátrico que reúne uma série de fatores muito parecidos com comportamentos e emoções que qualquer criança ou adolescente pode apresentar em alguma fase da vida, os pais podem levar muito tempo até levantar essa hipótese. Até mesmo profissionais especializados podem demorar para fechar o diagnóstico, o que pode retardar o início do tratamento adequado e eficaz.

Por outro lado, os especialistas ouvidos pela Agência Einstein explicam que é importante pontuar que nem toda criança que demonstra falas e atitudes desafiadoras apresenta necessariamente algum transtorno. Muitas estão apenas respondendo aos estímulos (ou à falta deles), uma vez que a construção da criança enquanto indivíduo está diretamente relacionada com o ambiente que vive. Por isso, a identificação ou não de algum transtorno deve ser realizada seguindo a orientação de uma equipe multidisciplinar de profissionais de saúde.

O transtorno opositivo desafiador (TOD) é marcado por sintomas que também são associados a comportamentos e emoções que qualquer criança ou adolescente pode apresentar  Foto: AspctStyle/Adobe Stock

Os sintomas de TOD

Os estudos científicos indicam uma prevalência em torno de 1% a 12% nas crianças entre 5 e 10 anos de idade com TOD, sendo um transtorno mais comum em meninos.

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“Conseguir identificar os sintomas recorrentes torna-se mais difícil à medida que chega à adolescência. Quanto mais jovens forem tratados corretamente, melhor será o prognóstico desses pacientes em relação ao controle dos sintomas. Além disso, a identificação desse transtorno pode evitar muitos episódios de estresse e bullying no ambiente escolar”, ressalta o médico psiquiatra e psicoterapeuta Gabriel Okuda, que atua nos hospitais Israelita Albert Einstein, no Alemão Oswaldo Cruz e no São Camilo.

A psicopedagoga Gisele Lino Wandermur, mãe de Erick, de 16 anos, conta que o filho começou apresentar os sintomas por volta dos 6 anos, mas que foi diagnosticado com TOD somente aos 11 anos. Ela recorda que os sintomas comportamentais associados ao TOD causaram muitos problemas na escola.

“A convivência com colegas e professores passou a ser algo muito desafiador e a equipe pedagógica da escola não conseguia ajudá-lo. Como os problemas de convivência não diminuíram, recebi o convite de retirá-lo do colégio. Daí comecei a procurar ajuda profissional”, recorda a mãe de Erick.

“Quando uma criança apresenta uma birra, desafiando a nossa autoridade, temos a tendência de banalizar e achar que é apenas uma fase. E que basta falar mais alto ou colocar de castigo para resolver. Só que birra e TOD são completamente diferentes. Para diferenciar, é necessário analisar esse comportamento por três parâmetros: a frequência, a persistência e os prejuízos envolvidos”, complementa.

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Segundo a psicopedagoga, a frequência mínima para considerar esse comportamento em crianças acima de 5 anos é de uma vez por semana por, pelo menos, seis meses. Já para crianças menores de 5 anos, a frequência mínima é superior à metade dos dias da semana, de forma persistente, também por mais de seis meses.

“A criança costuma apresentar quadros recorrentes e intensos de desregulação emocional, o que leva a comportamentos inadequados, com quadros comportamentais e emocionais bastante disfuncionais”, explica Wandermur.

Ela afirma que o segundo parâmetro para desconfiar do transtorno é a persistência, ou seja, mesmo que os pais tentem intervir, aquele comportamento volta a acontecer. A psicopedagoga diz que o terceiro ponto é sobre os prejuízos envolvidos com esses episódios.

“Esses comportamentos inadequados atrapalham a aprendizagem, a autoestima e a parte social da criança, além de acarretar prejuízos para as pessoas diretamente envolvidas no cuidado dessa criança, principalmente em relação à mãe, que pode ter dificuldades de continuar trabalhando e estudando porque ninguém consegue lidar com o filho”, diz.

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O TOD apresenta a prevalência de três grandes tipos de sintomas. São eles:

  • Humor raivoso e/ou irritável: aquela criança que se irrita com muita facilidade, muitas vezes por motivos pequenos;
  • Comportamento desafiador: quando apresenta problemas com figuras de autoridade, questiona muito as regras, têm dificuldade em assumir a responsabilidade pelos seus erros ou mau comportamento;
  • Índole vingativa: a criança com TOD pode ou não apresentar essa característica.

Os sintomas do TOD costumam se manifestar na fase pré-escolar, embora possam também aparecer mais tarde, na adolescência ou até mesmo na fase adulta, em casos mais raros.

As causas por trás do TOD

As causas não são conhecidas, mas, segundo evidências científicas, fatores genéticos, neurofisiológicos e ambientais podem influenciar o desenvolvimento do transtorno. Da mesma forma, um ambiente familiar conturbado e agressivo pode contribuir para o surgimento do TOD.

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“Existem fatores biológicos associados, como anormalidades cerebrais das áreas pré-frontais e amígdala, que são responsáveis por emoções básicas, controle inibitório e planejamento das ações. Fatores familiares também contribuem para o desenvolvimento do TOD. Crianças expostas a intensas emoções negativas, agressividade física, verbal e sexual, métodos punitivos e falta de cuidados com o seu desenvolvimento emocional e cognitivo por parte dos responsáveis, tendem a manifestar temperamentos impulsivos e irritáveis”, ressalta o médico neuropediatra Sérgio Antonio Antoniuk, professor adjunto de Neurologia Infantil do Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Outros transtornos associados e possíveis gatilhos

As crianças com TOD costumam apresentar outros transtornos associados. É recorrente, seja na infância ou mesmo na fase adulta, a presença de sintomas relativos ao transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), transtorno de ansiedade generalizada (TAG), transtorno do espectro autista (TEA) e até mesmo o transtorno afetivo bipolar (TAB), também conhecido como transtorno bipolar do humor (TBH).

“A probabilidade de uma criança com TOD ter mais dificuldades no início/final da adolescência e na idade adulta depende dos tratamentos e do ambiente familiar. Geralmente, elas apresentam mais probabilidade de desenvolver depressão e abuso de substâncias, principalmente quando o TOD na infância for acompanhado por outros transtornos, como TDAH, depressão e dificuldades de aprendizagem. No entanto, com o tratamento adequado e o manejo parental, os sintomas podem melhorar dentro do prazo de três anos”, frisa o psiquiatra Okuda.

Os especialistas ainda enfatizam que gatilhos relacionados às condutas agressivas, como jogos de luta e a dependência de telas devem ser evitados desde o período pré-escolar. “Um ponto muito importante que vejo como gatilhos nas condutas agressivas é a dependência das crianças da tela, principalmente dos jogos eletrônicos, muito mais nos pré-adolescentes e adolescentes. Por isso, as famílias devem ser orientadas para evitar este excesso do uso de tecnologias desde o período pré-escolar”, afirma o neuropediatra Antoniuk.

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Como buscar o diagnóstico e tratamento

O diagnóstico de TOD costuma ser realizado através de avaliação com uma equipe multidisciplinar, que reúne um neuropediatra – deve ser o primeiro profissional a ser procurado pelos pais, geralmente –, um psiquiatra e um psicólogo.

Para essa avaliação inicial, o neuropediatra deverá solicitar a avaliação complementar de outros profissionais, como psicólogo, psiquiatra, psicopedagogo e os próprios profissionais que atuam na escola dessa criança, que podem e devem colaborar muito com essa avaliação através de relatórios e conversas.

O tratamento deve contemplar diversos aspectos, sempre com acompanhamento multidisciplinar, algumas vezes com a necessidade de medicação. Outro ponto fundamental é o manejo parental, uma vez que são os adultos que passam mais tempo com essa criança. A forma de lidar com esses comportamentos pode, inclusive, comprometer o tratamento, caso não seja o adequado. Portanto, os pais devem aprender estratégias para manejar esse comportamento no dia a dia e melhorar a convivência.

“O tratamento é multiprofissional: a psicóloga, da linha comportamental, deve atuar com a criança e os pais, além de orientar os professores no ambiente escolar e nas atividades externas. As dificuldades de aprendizagem e linguagem são atividades que precisam de acompanhamento de pedagogas e fonoaudiólogos. É fundamental que os pais aprendam a melhor forma de lidar com esses comportamentos para não comprometer o tratamento”, adverte o neuropediatra.

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Após iniciar o tratamento com uma psicóloga e um neuropediatra, Erick começou a fazer uso contínuo de medicamentos com a orientação de um psiquiatra infantil e de uma psicopedagoga. Realizou duas avaliações neuropsicológicas e passou por muitos profissionais até conseguir fechar o diagnóstico.

“Hoje meu filho se encontra em remissão do comportamento opositor. O humor irritável raivoso continua existindo, só que não é mais disfuncional, pois perdeu os três parâmetros de frequência, persistência e prejuízo. Agora são comportamentos que facilmente conseguimos redirecionar no dia a dia. Atualmente, ele é desafiador no sentido de ser mais crítico, de perguntar os porquês das coisas e questionar algumas atitudes. O comportamento explosivo não existe mais. Só uma necessidade maior de diálogo, que considero bastante positivo, mas para isso acontecer foram sete anos de tratamento com psicólogos e cinco anos com médicos”, revela Wandermur, mãe de Erick.

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